ENTREVISTAS
Richard Youngs
Quando o tempo faz a curva
· 20 Fev 2005 · 08:00 ·
Vem da Escócia e faz canções que se perdem no tempo. Não é um músico normal, como fora do normal é quase tudo o que é interessante. Faz-se acompanhar de gente igualmente interessante, como Makoto Kawabata e Damon & Naomi. Tem discos circulares que só não fazem escola porque o mundo anda distraído. Um deles, Advent, antes peça de colecção, foi recuperado no ano passado e disponível para uma audiência maior. Chama-se Richard Youngs e, nesta entrevista, desfaz o mito dos pratos macrobióticos. Toca a 24 de Fevereiro na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, e no Teatro Passos Manuel, no Porto, no dia seguinte.
O exigente House Music (1998) é um disco onde trabalhas com sons do dia-a-dia, do bater de uma porta aos ruídos de escadas. Consideras-te um minimalista?

Nem por isso. Gosto de repetição, sim, e uso-a às vezes. E também gosto de música bastante arejada e simples. Mas sou apenas um tipo que faz música e as coisas correm melhor quando te esqueces de todos os géneros e termos, e simplesmente te perdes na música, e prossegues com o que queres fazer com ela.

O que é que, para além da arquitectura, achas que pode ser usado como instrumento?


Quando comecei a brincar com gravadores de cassetes – tinha onze ou doze anos, já foi há um bom bocado – não tinha outros instrumentos além da guitarra clássica, mas eu queria outros sons. Por isso, sempre pensei que qualquer coisa serve. Uma caixa de cartão pode dar um excelente som de percussão, e porquê preocupares-te com instrumentos de sopro convencionais quando podes usar kazoos [instrumentos muito usados pelas crianças como brinquedo]?

Em Airs of the Ear, de 2003, pareces buscar um trilho sonoro complexo, como um mágico a cuidadosamente procurar a sua fórmula. Há algum conceito nele?


Não, de todo. Foi o meu primeiro disco a solo gravado num computador, além disso tinha um novo brinquedo: um “ring modulator” [um sintetizador que faz sons estranhos por combinar dois sinais diferentes]. Talvez isso o tenha tornado complexo. Por essa altura eu também estava a tocar muita coisa acústica na minha guitarra de 12 cordas.

No site da Jagjaguwar [editora actual do músico], há uma frase que comenta o teu último trabalho, River Through Howling Sky, comparando-te a um “lobo calmo e perseverante, a cantar odes ao infinito”. Concordas com isso?

Sim, tendo a não me esforçar muito quando canto. Quanto ao que eu estou a cantar, sobre o quê… Gosto da citação do John Cage sobre não se ter nada para dizer e dizer isso.

O que sentes ao ver o álbum Advent recuperado e disponível para uma audiência mais vasta desde o passado mês de Outubro?

Oh, estou muito feliz com isso. Gosto imenso desse disco. Por isso, a Jagjaguwar sugeriu a sua re-edição e eu concordei imediatamente. [O disco foi originalmente editado em 1990 em vinyl e teve uma tiragem de apenas 300 cópias].

O Alan Licht [conceituado guitarrista experimental e colaborador da revista Wire] colocou o Advent no seu top 10 de discos minimalistas. Como recebeste essa notícia?

Fiquei muito surpreendido. Estou certo de que não iria figurar em muitos tops de outras pessoas – é caseiro e rude. Mas se atentares na lista do Alan, ela favorece este tipo de coisas em detrimento de outras mais limpas que são chamadas de minimalistas.

No texto que escreveste para acompanhar o disco, dizes que “o Advento [Advent] é um tempo de esperança”. O que querias dizer?

Bom, eu recordo-me de há uns anos ir a uma missa no primeiro domingo do Advento, e o sermão falava de como o Advento é a preparação para a celebração do nascimento de Jesus. É isso que o torna um tempo de esperança. Por isso, trata-se de uma visão muito estabelecida, penso eu. Adoro esse tempo do ano.

Pareces escolher deixar tudo muito simples e íntimo. A maior parte dos teus discos foi gravada em casa. Porquê?

Gosto de gravar em casa. Apesar de o equipamento poder não ser o mais sofisticado, é muito mais confortável. E, a partir do momento em que compraste o gravador de cassetes ou o computador ou o que quer que seja, não tens que olhar para o relógio e preocupares-te com o orçamento. Posso fazer um intervalo para tomar chá quando quero e demorar o tempo que quiser a bebê-lo. O que torna tudo muito mais divertido e – espero – ajuda-me a criar música melhor.

O que recordas da tua colaboração com Makoto Kawabata [reputado guitarrista japonês e líder dos Acid Mother Temple]? E como é que aconteceu?

O Makoto tocou em Glasgow uma série de vezes e, frequentemente, eu fazia a primeira parte ou tocava com ele. Decidimos depois de algumas actuações conjuntas que íamos tentar uma colaboração postal.

Lembras-te do que andavam a ouvir naquela altura?


Não, apesar de eu nunca estar longe de um disco dos Pink Floyd.

O que consideras ser a coisa mais fascinante da cultura e das artes nipónicas?

Eu fui lá numas férias há um par de anos e viajei de comboio. É um local extraordinário. Também lá tenho um afilhado meio-japonês, o Nori, a viver em Tóquio e que vem à Escócia durante o Verão. São estas as coisas que conheço do Japão, muito mais do que, por exemplo, discos ou filmes… Fiquei impressionado com o sistema público de transportes no Japão, que é muito bom. A rede ferroviária é incrível – tão rápida, tão eficiente, tão segura. A comida é muito diferente da comida ocidental. Quando bem preparada, é incrível. O Makoto preparou uma refeição tradicional japonesa que ficou deliciosa. Por outro lado, experimentei coisas que acho intragáveis. Adoro algas mas quando elas eram adocicadas com uma espécie de açúcar amarelo, não as suportava. O Natto [prato típico feito com grãos de soja fermentados, muito usado como pequeno-almoço] também é estranho. Tentei habituar-me àquilo mas ainda tenho de lhe tomar o gosto. Acho que se comeres peixe, coisa que eu não faço, a comida japonesa passa a fazer muito mais sentido. Respeito muito a auto-suficiência deles em termos de comida. E o Japão parece ser um lugar muito bem organizado. Dificilmente encontras lixo ou vandalismo. Senti-me incrivelmente seguro lá. Portanto, adorei o país e quero regressar. Mas nunca conseguiria viver lá.

E por que é que nessa colaboração [com Kawabata] todas as canções costumam ser designadas por “Long Blue Bar”, “Really Short Purple Bar” e outros derivados?

O inglês do Makoto é bom. O meu japonês é terrível. Quando nos sentámos a fazer a capa, fez sentido não usarmos palavras nos títulos – por causa da barreira da língua. Por isso, desenhámos barras de diferentes tamanhos e cores.

Ainda a propósito de colaborações, como é que te tornaste amigo do Damon e da Naomi? E como acabaste a entrar no DVD de bónus de Song to the Siren?

Eles estavam a tocar em Glasgow e foi-me pedido para fazer de artista-suporte. E assim fiz. Mantivemo-nos em contacto, tocámos outra vez quando eles voltaram a estar por perto e foi essa actuação que acabou por ser incluída no DVD.

A tua música baseia-se muito na circularidade, em súbitos (mas vincados) picos emocionais e numa profunda sensibilidade e humanidade. Isso tem alguma coisa que ver com a rotina do dia-a-dia? Tens hábitos muito rígidos na tua vida?

Eu tenho um emprego diário. A certa altura decidi que não ia fazer a cena habitual na música de entrar em digressão. Recordo-me de ir à América nos anos 90 e de fazer uma tournée com o Simon Wickham-Smith, e depois de quatro actuações em dez dias (longe de ser uma agenda cheia, eram mais umas férias a tocar música, na verdade) decidimos que isso não era vida para nós. Ambos queríamos manter o gozo na música e não arriscar fazer dela um emprego. Também tenho uma vida doméstica. Adoro estar em casa, com a minha namorada Madeleine. Sentiria muita falta disso se andasse na estrada. E todas essas coisas te libertam. Sou completamente livre para fazer a música que quero. Não tenho de pensar nas receitas dos discos, se as pessoas vão ou não aceitar o que estou a fazer musicalmente. E talvez ainda mais importante: nem sequer tenho de fazer música. Posso esperar até me sentir inspirado, até querer gravar qualquer coisa. Ou tocar numa data.

Como combinas as palavras e os sons? Como constróis as tuas canções?

Não tenho a certeza. Isso apenas surge, naturalmente. Penso que agora há mais palavras do que costumava haver, mas possivelmente isso é porque agora gosto mais de cantar do que antes.

Quando é que sentes que é altura de acabar uma melodia, uma nota repetitiva de um sentimento ou mesmo um disco?

Mais uma vez, não tenho a certeza. Costumava ser quando a fita da cassete acabava. Mas agora que uso computador, o tempo é ilimitado. O mais provável é acabar quando me aborreço.

O que pensas da emergência dessa nova folk encabeçada por artistas como Devendra Banhart, Six Organs of Admittance e P.G. Six?

Gosto muito de muitas dessas coisas. Vi o Devendra Banhart a tocar – ele foi magnífico – e os discos dele têm algo de mágico. Também gosto do que o Ben Chasny anda a fazer – tenho muitos dos discos deles. O Nightly Trembling é provavelmente o meu favorito. Ele também é um óptimo rapaz – conheci-o no festival Instal recentemente.

Quais são as tuas musas na música e na vida?

Eu sou filho único e um bocado egoísta. Faço música para mim próprio. Mas, na vida, espero ser mais dedicado e dar mais. Tenho um pequeno círculo de amigos e uma família pequena.

É verdade que trabalhas como colunista a tempo inteiro e dás dicas de pratos vegetarianos?

Não. Trabalho numa biblioteca.

(Bodyspace/Mondo Bizarre 2005)
Hélder Gomes
hefgomes@gmail.com
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