ENTREVISTAS
Carminho
Retrato de uma fadista enquanto jovem
· 25 Jan 2010 · 19:55 ·
Apareceu do nada, mas para trás havia já um caminho percorrido que começou literalmente nos primeiros dias da sua vida. Carminho, filha de fadista, prepara-se para trilhar um percurso reservado às grandes cantoras do fado. O seu disco de estreia, intitulado Fado, criou mais do que um burburinho e lançou-a para os palcos do país onde se ouve fado; os relatos são entusiasmantes e de Carminho, apesar da sua tenra idade, espera-se tudo aquilo que se pode esperar de uma fadista nos dias que correm: o respeito pela tradição mas a insubordinação para o libertar de algumas amarras características de cada género que envelhece ao seu próprio ritmo. Sabíamos que o fado era triste, saudoso, por vezes negro; com esta nova geração de fadistas ficamos a saber que também pode ser sexy. E porque o fado de Carminho é o fado de hoje, dos dias que correm lentamente, quisemos ir ao seu encontro para uma conversa que traça o seu retrato de fadista enquanto jovem.
Como nasce o fado na tua vida? Que capítulos consideras essenciais para se contar a evolução da Carminho até aos dias de hoje?

A minha história no fado começa na barriga da minha mãe… Que é a minha grande referência. Vivi os meus primeiros anos no Algarve aonde os meus pais organizavam tertúlias de fado em casa e mais tarde abriram uma casa de fados em Lisboa, para onde viemos viver. A partir daí comecei a frequentar bairros fadistas e a conhecer ainda mais à cerca desta forma de expressão tão antiga e profunda.

Como é que se construiu este disco do seu inicio ao seu fim? A escolha dos poemas, a escolha dos músicos, dos arranjos…

O repertório foi escolhido muito facilmente pois tratam-se de fados que canto e oiço há muitos anos. Os temas inéditos foram escritos e compostos por artistas que considero muito e que tornaram o disco ainda mais pessoal. A pessoa mais importante de todo este processo todo foi Diogo Clemente, produtor do disco. Conhece-me há alguns anos, conhece a minha voz, o meu gosto. Os músicos foram convidados por nós e os arranjos foram um trabalho do Diogo em conseguir ter um disco produzido sem retirar a personalidde de cada músico.

© Isabel Pinto

Quanto tempo demorou a concepção do disco? Houve alguma etapa que tivesse sido especialmente complicada? E alguma especialmente prazenteira?

Assim que entramos em estúdio foram duas semanas de gravações e experiências novas para mim. Correu tudo muito bem.

O teu disco entrou directamente para a vice-liderança do top nacional, apenas atrás do disco Amália Hoje. Isso surpreende-te?

Claro que foi uma surpresa. Não estava à espera mas fiquei muito feliz.

Em relação ao projecto Amália Hoje, não posso deixar de te perguntar a tua opinião sincera acerca do mesmo, se é que já tiveste oportunidade de o escutar…

Amália Rodrigues é esta voz e pessoa que continua a inspirar muitas áreas musicais e a levar o fado a outros “portos”. Amália Hoje é um projecto que leva grandes temas de Amália a outros estilos. Composto por grandes arranjos e uma imagem muito forte.

Diz-se que as canções da Amália já são em si versões definitivas. Concordas? Apetece-te enfrentar as canções dela no futuro?

Existem fados que, uma vez cantados por Amália, se tornam únicos e irrepetíveis. Há certos deles que prefiro ouvir e aprender do que fazer versões obviamente inferiores.

© Isabel Pinto

Mudando a conversa de sentido, já vi chamarem-se «atrevida» ou «sedutora». Como reages a estes adjectivos? Achas que o fado pode e deve ser também sensual?

O fado vai sendo aquilo que os seus intérpretes e poetas lhes dão. Cada um, com a sua personalidade, com as suas características.

Como tens reagido a toda esta atenção mediática repentina sobre ti? Alterou consideravelmente o teu dia-a-dia, quanto mais não seja pela quantidade de entrevistas e artigos publicados sobre o teu novo disco?

Tenho reagido bem a todas estas alterações. Tenho tentado aproveitar todas as mudanças, aprendendo dia-a-dia, gozando este lado agitado e delicioso que me tem surgido na vida. Gosto de dar entrevistas e quero trabalhar mais e mais neste sonho que aos poucos vou realizando.

Já levaste este novo disco a palco. Como é que o agarras ao vivo? Sentes-te totalmente confiante em cima de um palco ou ainda estás a aprender os truques da vida de concertos?

O palco é um lugar cheio de magia. Estou fascinada com tudo o que estou a aprender e quero evoluir. Sinto-me muito confiante pois estou a cantar aquilo que mais gosto.

Como foi participar em Fados, de Carlos Saura, em 2007? Acreditas que foi um passo fundamental para a construção da Carminho como fadista?

Foi uma honra ter sido convidada para o filme de Carlos Saura e de estar ao lado de grandes artistas que, como eu, participaram.

© Isabel Pinto

Não pude deixar de reparar que postaste no teu blogue um comentário sobre o Jeff Buckley. O que é que te atrai nele? Tens o Grace como um dos discos da tua vida?

Jeff Buckley é sem dúvida é um artista inspirador. Uma alma enorme que conseguiu transmitir verdade e magia. Uma influencia que me acompanha há muitos anos.

Que outros artistas para alem do fado aprecias verdadeiramente e porquê? Qual é a percentagem de não-fado que ouves habitualmente?

Oiço muita musica, de diferentes áreas. Brasileira: Chico Buarque, Elis Regina, Tom Jobim. Jazz e Anglo-saxónica com Keith Jarrett, Pat Matheny, Nina Simone, Frank Sinatra. Alternativa com Antony and the Johnsons. Maria Callas e clássica, etc..

No fado, tens algum nome ou alguns nomes que queiras destacar no que toca a fadistas recentes? Ou preferes não especificar e avaliar positivamente o panorama geral?

O panorama é realmente positivo. Existem muitas vozes a cantar muito bem e a contribuírem para o fado.

Com tão tenra idade, atreves-te a fazer prognósticos acerca da tua carreira ou preferes viver um dia de cada vez?

Sem dúvida, prefiro viver cada dia da melhor maneira. Têm surgido muitas oportunidades e pretendo ir vivendo-as à medida que vao aparecendo.
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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