ENTREVISTAS
The Slits
A revolta das gigantes
· 28 Set 2009 · 00:04 ·
Quando falamos das Slits não falamos de uma banda qualquer. Falamos da banda que em 1977 andou na estrada com os Clash, Buzzcocks e Subway Sect numa digressão que se poderá apelidar de histórica. E quando dizemos que foram – e são – uma banda punk, temos a obrigação de acrescentar que não foram uma banda punk qualquer. Esteve sempre na génese das Slits a vontade de levar o punk para um patamar seguinte e isso ficou bem claro logo aquando da publicação de Cut (em 1979), um disco eternamente apaixonado pelo reggae e pelo ritmo, e pautado por uma certa indisciplina que sempre as acompanhou. Aí, em 1979, tornaram-se uma banda essencial na entrada para um dos períodos mais ricos da história da música: o pós-punk.

Numa entrevista muito especial, Ari Up, figura indispensável do nosso ideal punk e criança terrível para sempre, não se coibiu de dizer toda a verdade – sem papas na língua – nem de contar alguns episódios do tempo em que as Slits foram rainhas. Não há grande lugar a arrependimentos, mas Ari Up não consegue esconder um certo sabor amargo pelo hiato que as Slits impuseram a si mesmas entre 1982 a 1995, e que lhes poderá ter custado uma porção significativa da sua importância na música moderna. Uma coisa é certa: ninguém apagará a importância de Cut. Duas coisas são certas, afinal: as Slits não são mesmo – mesmo, mesmo - raparigas típicas
Estão para lançar o vosso novo disco, intitulado Trapped Animal, que é o primeiro álbum propriamente dito em mais de 25 anos. Como é que é gravar música de novo? Para vocês

É muito necessário e divertido.

Sentem-se confortáveis com este novo conjunto de canções? Como estão as coisas em estúdio? Como é que sentem este novo disco?

Sim, muito confiantes. Acredito mesmo que é uma obra-prima (e na Jamaica eles acham que é um álbum de Grammy) As coisas em estúdio foram bastante slitsy.


Em 2009 celebram também o 30º aniversário do álbum de estreia das Slits, Cut, o álbum histórico lançado na Island Records. Como é que se lembram desses dias?

Vai sair agora de novo e estou bastante feliz por dizê-lo e vai mostrar como nos sentíamos nesses dias porque essa edição terá demos e a sessão para o John Peel.

O álbum ficou também conhecido pela sua capa, em que aparecem nuas cobertas de lamas. Alguma vez hesitaram ao lançar o artwork de Cut? Qual é a história por detrás dessa capa?

É por demais sabido que nós não fomos quem hesitou mas sim o resto do mundo (ainda hoje). E quando eles viram os posters do álbum nas ruas de Londres pelo menos duas pessoas, sabe-se, tiveram acidentes de automóveis e uma delas tentou processar a companhia discográfica, indignada por toda a gente pendurar posters como aquele.

Como é que foi regressar em 2005? Quais eram os vossos planos para esse retorno à vida das Slits?

Estávamos cheias de esperanças e sonhos e visões e por isso lançamos o incrível EP Revenge of the Killer Slits.

Alguma vez se arrependeram do tempo em que pararam entre 1982 e 2005, o longo hiato das Slits? Ou acham mesmo que foi melhor assim, que foi uma paragem necessária?

Essa é uma óptima questão. Eu, Ari Up, pessoalmente, estou muito agradada que tenhas feito uma pergunta que mais ninguém fez. Acho que a resposta seria agridoce e é duro arrependeres-te de alguma coisa ou então não podes andar para a frente. E se eu tivesse começado a arrepender-me em 2005 talvez não tivesse existido outra hipótese para as novas Slits existirem. Mas agora posso dizer-te que o hiato das Slits para mim é ao mesmo tempo trágico a um nível pessoal e para o mundo. Tivessem as Slits continuado, tenho a certeza que o contributo para a cultura e para a música teria sido incrível.

Muitas coisas mudaram desde 1979/1982 até aos dias de hoje. O que é que vos faz escrever uma canção hoje em dia, começar a trabalhar em música? Quais são os maiores alvos e objectivos das vossas letras, dos vossos textos?

As letras são ainda motivadas pelos mesmos sentimentos que fizeram com que as Slits fizessem música no primeiro momento. Os alvos principais foram sempre contra o sistema, sobre as relações, ou espirituais, ou humorísticos.

Qual é a sensação de tocar ao vivo neste momento? Como é que se sentem ao confrontar as canções de Trapped Animal, o disco que aí vem, com o material dos vossos primeiros discos?

Sentimos tocar ao vivo como um processo natural e da forma como sempre sentimos mas, obviamente, com novos elementos e novas raparigas. Sentimos o novo álbum exactamente como uma continuação. É uma mistura – velho e novo.


O que é que acham que o punk significa hoje em dia. É algo tão urgente como era naquela altura, em 1977, quando se celebrizou?

Sim, acho que é tão urgente agora como naqueles tempos embora não se possa repetir o mesmo que na altura se fez.

As Slits tentaram sempre ir mais longe com o punk, com a sonoridade, com o vosso som. Com o vosso segundo disco incorporaram alguns elementos étnicos, e introduziram novas opções estilísticas. Sentiram que o punk tinha necessariamente que abrir o seu terreno, a sua condição?

Isso é muito interessante porque eu acho que os europeus especialmente reparam mais neste som étnico das Slits. Sim, ajudaria a abrir o seu terreno. Mas eu diria que não existem regras porque essa é que é a ideia, porque o punk não é um rótulo uniformizado. Não te esqueças do Segundo álbum, Return of the Giant Slits, que leva o som étnico a um novo patamar. E o nosso novo álbum – tens de o checkar – é uma verdadeira mistura.

Ao longo dos tempos as Slits inspiraram sempre imensas bandas, cmo por exemplo os Gossip e os Sonic Youth, com quem tocaram em 2007. Acham que o vosso legado na música foi bem aproveitado, bem canalizado?

Nós basicamente influenciamos todos os artistas que vieram depois de nós a não ser que não tenham estado no nosso caminho. E acho que é verdadeiramente respeitoso quando as pessoas nos dão o crédito que nós merecemos. Sentimo-nos muito lisonjeadas que estes grupos e outros que se sentiram inspirados por nós.

Para breve está previsto o lançamento de um livro sobre as Slits, intitulado Typical Girls? The Story Of The Slits, escrita por Zoe Street Howe. Já leram o livro? O que é que acham dele? Quais são os episódios principais?

É óptimo que haja um livro sobre as Slits. Tristemente, nem toda a informação que surge nele é 100% correcta mas a Tessa e eu estamos a trabalhar numa autobiografia definitiva.

A propósito do título, e seguindo por uma das vossas maiores canções, como é que são as raparigas típicas dos dias de hoje?

Como e quem são as raparigas típicas dos dias de hoje, porque nós não somos certamente.

Deslocam-se a Portugal brevemente para um concerto no Optimus Clubbing, na Casa da Música. O que é que as pessoas e todos nós podemos esperar desse concerto no Porto?

Não seremos aborrecidas. Vamos tocar canções de cada episódio das Slits incluindo o velho, o médio e o novo. Estamos mesmo ansiosas por tocar em Portugal. Será a primeira vez das Slits aí. Finalmente…
André Gomes
andregomes@bodyspace.net

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