ENTREVISTAS
RJD2
Uma das maiores revelações do ano que passou, fruto do memorável álbum de estreia “Dead Ringer”
· 20 Fev 2003 · 08:00 ·
Uma das maiores revelações do ano que passou, fruto do memorável álbum de estreia “Dead Ringer”, RJD2 esteve em Portugal pela primeira vez para um dj set no Lux. Poucas horas antes, o Bodyspace teve o privilégio de privar um pouco com o dj/produtor americano...
Sei que nunca, mesmo no princípio, te restringiste a um ou dois estilos de música. Tiveste diversas fases em que te interessaste por soul, hard rock... Em que medida isso foi decisivo na construção daquilo que és hoje, enquanto DJ?

RJD2
Bem, na verdade eu não acho que faça o que quer que seja de especial. Acho que não passa de um instinto básico, ouvir o máximo de coisas possível, e foi isso o que se passou comigo... até porque não há ninguém que ouça apenas e só um estilo de música... não mais que isso, foi perfeitamente natural.

Como é que te sentes melhor? Trabalhando como produtor com alguém, ou fazendo o teu próprio disco, sozinho?


RJD2 Fazendo o meu álbum, sem dúvida nenhuma. É mais difícil, é um maior desafio mas é muito mais gratificante. Fazes uma música totalmente sozinho, demoras muito mais tempo, mas tens tantas vantagens... Eu detesto situações de compromisso; assim, faço a música, pode sair uma porcaria, pode sair muito bem... e para o bem ou para o mal, serei eu o responsável, e eu gosto disso.

De onde foste buscar a ideia para as capas do Cd?

RJD2 Bem, tem a ver com o título. O título (“Dead Ringer”) surgiu primeiro, e achei que teria piada simular um crime, de forma realista... daí o sangue, e essas coisas. [risos]

Que expectativas tinhas a respeito do disco, quando foi lançado? O El-P disse que seria uma revolução...

RJD2 Pois, ele tinha mesmo muita fé neste álbum, no seu sucesso, mas eu... nem tanto. Quer dizer, eu gosto do álbum, fi-lo da forma que queria, mas nada me dizia que ele seria bem aceite pelo público. Não sabia o que ia acontecer. Sabia apenas que, naquele dia, quando o disco saiu, era o melhor que eu podia e sabia fazer. E por isso estava satisfeito com o meu trabalho, tive a perfeita noção de que investi tudo o que podia.

E hoje? Se voltasses a pegar no teu trabalho e pudesses mexer em alguma coisa... Lançavas um disco diferente do “Dead Ringer”?

RJD2 Sim sim... sem dúvida nenhuma...

Totalmente diferente?

RJD2 Não, totalmente não. Eu fiquei muito satisfeito com certas coisas, ainda há algumas músicas que eu consigo perfeitamente ouvir, e gostar... Mas é perfeitamente natural: quando és um DJ, o teu trabalho tem sempre, sempre a ver com... com...

Escolhas.

RJD2 Exactamente, escolhas. Basicamente és pago pelo teu gosto. Grande parte dos DJ não prestam. Tecnicamente, são maus DJ, mas acabam por ser DJ porque têm esse sentido apurado, um ecletismo que leva as pessoas a respeitá-los.

“Dead Ringer”, sendo um álbum instrumental, acaba talvez por não ser tão negro, tão denso como se poderia à partida imaginar. Para mim é um álbum de festa, por excelência... que achas?

RJD2 Perfeitamente de acordo! Eu tentei fazer um álbum divertido, era esse o meu objectivo... aliás, voltando ao ponto anterior, se eu pudesse mudar alguma coisa no disco, tornava-o de certeza menos... pesado, menos escuro em alguns momentos... percebes? Em algumas partes...

“Smoke and Mirrors”?

RJD2 ...talvez... não, essa não... apesar de ser melancólica, acho-a bastante directa e concisa. Agora, aquelas músicas bastante longas, muito “banda sonora”... cinemáticas, aquele pessoal que faz músicas com 9 minutos de duração... eu não quero fazer cenas dessas. Não quero nada com isso. Quer dizer, às vezes é porreiro ouvir, mas não é isso que quero fazer com a minha carreira. No “Dead Ringer” há coisas bastante uptempo, mas quero que o meu próximo disco seja mais divertido. Talvez com algumas coisas mais lentas, mais melancólicas, mas não tanto como desta vez.

Achas que, de alguma forma, algumas dessas faixas acabaram por ficar algo desenquadradas do resto do disco?

RJD2 É capaz... acho que sim. Acho mesmo que acabaram por alterar um pouco todo o conjunto... Ate mesmo se olhares para a capa do disco, parece-te tudo muito carregado, e não era isso que eu pretendia fazer. É verdade que eu queria que tivesse um pouco disso, mas não tanto. Ficou demasiado sombrio...

Nesse “Smoke and Mirrors” há um sample, uma voz... “Who knows what tomorrow brings, maybe sunshine maybe rain”. Escolheste o sample depois de teres começado a música, ou pegaste naquela voz e construíste o resto em seu redor? Estou-te a perguntar isto porque é um daqueles casos em que há uma harmonia perfeita entre os diversos elementos, está tudo muito bem “encaixado”...

RJD2 Esse foi um dos casos em que construí a música à volta do sample... Sabes, é muito difícil fazer uma música e colocar uma voz por cima, porque... pelo menos para mim é difícil. Há pessoas que o conseguem fazer, mas eu não, porque dou muita importância à forma como as coisas resultam... embora faça hip-hop, embora trabalhe com um sampler, embora sejam cenas digitais... eu tento evitar que soe digital, que soe a música feita num computador. É muito difícil trabalhar com vozes, porque não as podes manipular muito. Tu tens uma música e decides meter-lhe qualquer coisa por cima... seja voz, guitarra, ou piano... não interessa o quê, seja o que for, tu vais ter de manipular. Vais ter de mexer nisso. O que acontece com as vozes e que é muito fácil que depois de lhes mexeres um pouco, deixem de soar aceitavelmente bem. Por isso, o melhor que tens a fazer se queres que o som pareça minimamente natural, orgânico, é: escolher o sample, não lhe tocar, e mexer em tudo o que houver em volta. Construir a música toda à sua volta.

Por falar em vozes, eu gosto bastante do “F. H. H.”. Muitas vezes sinto que uma das maiores preocupações de muita gente que faz música é dar a sensação de que tudo é perfeito, limpo... aposta-se muito na produção, e esse tipo de coisas. Acho que não vais por esse caminho, quando trabalhas com um MC pareces dar-lhe uma certa liberdade, permitir-lhe que soe puro, duro... um pouco sujo, até... Estou enganado?


RJD2 Não não, estás totalmente certo. Eu quis que este álbum tivesse duas músicas com rap, com uma batida simples... Não quis que a produção inundasse tudo e tornasse as coisas muito complexas... não sei se me estou a fazer entender... por exemplo, repara no Endtroducing, do Dj Shadow...

[o entrevistador ri, apontando para o seu guião onde está a alusão a DJ Shadow]

RJD2 Eu sei que vais falar nisso, tenho a certeza absoluta, e possivelmente também vais falar no Moby, mas não faz mal... [risos]

Descansa, o Moby não. [risos]

RJD2 Como eu estava a dizer, tu pegas nesse álbum e tudo parece tão complexo, todas as músicas têm tanta técnica, ele faz tantas merdas pelo meio... Ele brilha em todas as músicas, e eu não quis fazer isso... quis fazer algumas músicas muito, muito simples. Também tem tudo a ver com o contexto, repara: se tu comeres um jantar de 75 dólares todas as noites, se começares a comer sempre tudo do melhor e do mais caro que há, vais aborrecer-te. Mas se fores ao McDonald’s dois ou três dias e então voltares, vai saber-te muito melhor. É exactamente essa sensação que eu quis transmitir, a existência de um contexto.

Essas comparações irritam-te?

RJD2 ...sim e não. Sabes, o teu objectivo quando fazes música é dar a entender que ela está livre de influências. Eu sei que é impossível isso acontecer, mas...

Confesso que já me aconteceu ouvir o teu disco e identificar certas pontes com o som do Shadow. Acho que tem tudo a ver com os beats. Mas apesar disso, não deixo de achar que continuas a ter algo que te distingue perfeitamente, o teu som é independente dessas semelhanças.

RJD2 Também acho que tem a ver com a percussão. Mas isso é porreiro, desse prisma não me incomoda tanto o apontar dessas semelhanças.

Qual o álbum que mudou a tua vida? Se é que houve algum...

RJD2 O álbum que mudou a minha vida... deixa-me pensar... Rubber Soul, dos Beatles... deixa ver... há vários...

Gostas de pop? Anos 60, 70... os Beach Boys...?

RJD2 Sim, bastante... dos Beach Boys nem tanto, nunca fui muito com os Beach Boys... Tenho muita dificuldade em escolher álbuns, gosto de todos do Stevie Wonder... talvez escolhesse o Music Of My Mind e o Where I’m Coming From, esses mudaram a minha vida, decididamente.

E do ano passado, houve algo de que gostasses muito?

RJD2 Sim, gostei muito do disco do Beck, Sea Change. Não gosto das coisas hip-hop que ele fez, acho patético...

[RJD2 esbraceja e esboça algumas caretas imitando a pose do Beck]

RJD2 Não gosto daquelas palhaçadas, o hip-hop acaba por ser uma piada... parece muito pouco...

Genuíno?

RJD2 Sim, pouco genuíno. Eu gostava bastante do Mutations, mas acho este último ainda melhor. As músicas são muito boas, muito bem trabalhadas.

E hip-hop? Saíram tantos discos no ano passado...

RJD2 É verdade. Acho o disco do El-P excelente, também gosto bastante do Mr. Lif... Mas o meu favorito é mesmo o Sea Change.

E hoje à noite, como vai ser o teu set?

RJD2 Hoje à noite... vai ser uma mistura, vai ter coisas do meu disco, juntamente com outras coisas...

Eu imagino a multidão a vibrar quando começar o “The Horror”...

RJD2 [risos] Normalmente é com essa que começo. O que costumo fazer é pegar em alguns discos e mostrar as coisas que samplei. Dar a ver às pessoas o meu trabalho sob outra perspectiva, em outro contexto... Mas hoje vai ser longo, normalmente costuma ser uma hora, e mostro coisas que fiz com outras pessoas... hoje vai ser mais tempo, por isso vou passar também algum soul, funk, rock...
Carlos Costa

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