ENTREVISTAS
Black Bombaim
Acreditar em Barcelos
· 06 Jul 2009 · 23:48 ·
© Joana Castelo
Acreditar. Em Barcelos. Em 2009. Quem o diz é Tójó, e estamos certos que Ricardo e Senra rapidamente assinariam por baixo. A verdade é que, no processo, fizeram alguns acreditar no stoner rock e na música psicadélica. De novo. Se é psicadélico está na lingua de Tójó, dizem alguns. Ao vivo é que a coisa rende, dizem outros. Os relatos dos concertos dos Black Bombaim são os mais entusiásticos: fala-se de riffs impossíveis, de uma certa e crescente vontade de movimentar a cabeça, de actuações suadas. O EP que se chegou à frente mostra todo o querer, toda a intenção. E há um novo disco que pode ser a prova dos nove. Porque não mexer com Barcelos e com o resto do país? E porque este rock pode ser do demo, quem sabe devolver os cornos à população? Tójó não confirma nem desmente, mas discute em conversa amena os genes dos Black Bombaim e Barcelos enquanto paraíso instalado.
Como é que está Barcelos?

Morto, vazio e deprimente. Nada de novo

É por isso que os Black Bombaim existem?

Eu normalmente digo que sim, as pessoas costumam-se rir quando digo que toco numa banda porque não tenho mais nada para fazer...mas a verdade é essa, não arranjo uma explicação melhor, e se arranjasse, estaria a mentir.

É tipo Ramones?

[risos] Pode-se dizer que sim, mas sem a fama, o dinheiro e as groupies...

Mas quanto tempo durou esse tempo de tédio? Quem é que atirou a primeira pedra?

Como assim? A primeira banda a levantar o rabo do sofá?

Mais o primeiro de vocês da banda a levantar o rabo do sofá...

Ahh... Posso dizer que foi o Senra (o baterista), porque é o mais velho e já tinha uma banda...que tanto eu como o Ricardo (o guitarrista) assistíamos aos ensaios e concertos nos nossos 15 aninhos. Nessa banda agora extinta, de nome Lip Poppers, estavam os nossos amigos rockeiros, e de certa forma, queríamos ser como eles...em vez de estarmos a assistir aos ensaios, decidimos nós também trabalhar no Verão para comprar instrumentos e começar a rockar como eles. E depois de uns aninhos para aprender a tocar e sempre a rodar amigos dentro da banda, a banda do Senra acabou e convidámo-lo para tocar connosco.

Mas agora que falas, o gigante rabo de Barcelos também parece querer estar a sair do sofá. Há mais bandas aí na ribalta. Como é que vês essa coisa toda?

De fora parece ser melhor do que é...digo isto porque sempre estivemos habituados a lidar com bandas em Barcelos, e não me parece assim nada fora do comum. Maior parte dos nossos amigos toca um instrumento ou tem uma banda. Mas a partir daí levar a coisa mais a sério e sair da cidade maldita acho que contou muito com a ajuda do Joaquim da L&L. Ele puxou e apoiou as bandas de Barcelos que de certa forma precisavam e mereciam aquele empurrão.

Ia mesmo falar do Fua, que carinhosamente chamas de Joaquim. O empurrão dele foi mesmo decisivo?

Sem dúvida, não fosse ele e ainda estaríamos a tocar em cafés obscuros a troco de 2 cervejas. Tornou possível a edição do disco e proporcionou um giro de concertos bastante agradável.

Como é que tem sido tocar por aí pelo país. Achas que o pessoal está a sentir a vossa cena?

Está a ser muito bom! Acho que desde que começamos a sair da terrinha encontramos um público diferente, mais vasto. Principalmente por não dar importância ao estigma de não haver vocalizações. É um público mais aberto e acho que curtem mais a nossa música, principalmente nas cidades maiores.

© Joana Castelo

Não achas incrível que ainda haja pessoas espantadas a esta hora do campeonato com bandas que não cantam? Isso terá fim algum dia?

Realmente, é estranho algumas pessoas ainda não estarem habituadas, principalmente agora com o "hype" do pós-rock, no qual muitas bandas não cantam. Mas também o pessoal que ainda estranha as bandas instrumentais não é de certeza o público do pós-rock eheh...Acho que já era tempo de as pessoas abrirem um bocado os ouvidos ao que se anda a fazer por aí e deixar de lado os "preconceitos do rock".

Achas que o vosso disco pode cumprir também essa função?

Pode facilitar...mas nós temos o defeito de não levar o disco demasiado a sério, quer dizer, andamos a promovê-lo mas ao vivo apenas tocamos uma pequena parte do disco. Somos todos rapazes novos e cansamo-nos facilmente das músicas, e o disco apesar de ter saído há muito pouco tempo, foi gravado no início de 2008. Desde aí já tivemos ideias novas e andamos a praticar isso ao vivo. O disco pode ser visto como uma parte mais light, mais descomprometida e certamente mais acessível de um concerto. É mais um método de promoção e de inserção no meio do que uma prova da música que fazemos.

Mas é também um disco que resume aquilo que vocês são? Estão satisfeitos com ele?

Estamos satisfeitos, mas também não gostamos de parar no tempo. A faixa “Complication (Amplify, Defy, Mistify, Deny)” é certamente a que nos resume, devaneios psicadélicos numa base claramente rock n' roll.

Essa base de que falas é influenciada por alguma fase especifica da música rock? Sentem-se capazes de explicar de onde vem a vossa música?

As referências são óbvias. O final da década de 60 e inícios de 70. São inúmeras as boas bandas nessa altura, e cada uma delas criou qualquer coisa nova. Principalmente Black Sabbath, Blue Cheer, Led Zep e Grand Funk Railroad. O aparecimento do chamado "stoner rock" nos 90's é nada mais que um tributo a essa mesma época.

Com alguns desvios preocupantes, terás de concordar...

Sim, claro... Talvez um desses desvios mais importantes foi o punk rock…

Falava mais de outras entidades, mas o punk é preocupante para ti?

Acho que foi muito decisivo no som de bandas como Kyuss...eles cresceram todos a ouvir Black Flag, e isso reflecte-se um bocado no som deles, mais uptempo e duro nalgumas músicas. Mas no caso de uns Sleep, aquilo é puro "Sabbath worship"…

Sacar riffs a la Black Sabbath é um bom estilo de vida?

É o melhor estilo de vida. Eventualmente irá cansar... Ou já cansou...

Não vês um futuro longo para os Black Bombaim?

Espero que sim, mas creio que uma banda deve-se reinventar e trazer qualquer coisa de novo se quer permanecer activa. Uma coisa um bocado hipócrita dita por um fã incondicional do rock clássico. Mas bandas como os Comets on Fire, Earthless ou Mammatus fizeram isso.

O que é que é preciso para fazer o que os Comets on Fire ou essas bandas fizeram? O que é que achas que eles fizeram de diferente? Eu por acaso concordo contigo, diga-se...

Não sei explicar muito bem, deve ter qualquer coisa a ver com as drogas. [risos] Acho que levaram os 70's ao extremo...não sei bem como, talvez nem eles saibam

Achas que o rock é tão melhor quanto menos calculista é?

Sim, sem dúvida. A filosofia do rock é mais de atitude e imprevisibilidade do que mega composições calculadas, com escalas musicais escolhidas a dedo e mudanças rítmicas propositadamente confusas. O calculismo tira a piada ao rock, na minha opinião.

Morte ao prog?

Talvez, ao recente. Bandas como Amon Duul, Pink Floyd, Van der Graaf Generator têm o meu maior respeito, porque nota-se que é mais sentido. Agora fazer música para músicos sem qualquer tipo de alma...

© Joana Castelo

Tipo Yes?

Yes escapa porque tem um dos baixistas mais cool de sempre...agora Rush, Dream Theater e afins...não obrigado.

Dirias então que estás mais próximo do Porkabilly Psychosis dos Tédio Boys do que do 10,000 Anos Depois Entre Venus e Marte do José Cid…

Sim, apesar de reconhecer a qualidade do disco do Cid, é bastante choninhas para o meu gosto.

Em Portugal, que bandas satisfazem o teu apetite? Ou fizeram em tempos…

Hmm...gosto dos nossos amigos de Barcelos, Green Machine, ALTO!, The Glockenwise, Aspen. A nível nacional tenho que dar crédito aos Born a Lion, Dawnrider e também Men Eater. Bandas extintas lembro-me de Z.E.N. e Arte e Ofício, que apesar de não conhecer a fundo, já ouvi grandes malhas.

Esse estilo de vida de que falavas... é um estilo de vida que vais aguentar como a partir de Setembro? Ouvi dizer que ias para Budapeste em Erasmus...

Vai ser difícil, vou tentar compensar ao ver concertos ao vivo. Tenciono ver Trouble e Pentagram em Outubro. De qualquer forma, está planeado um regresso em grande em Janeiro/Fevereiro. Talvez com disco novo.

Há canções novas no forno?

O disco já está gravado. Como sempre, questões financeiras atrasam tudo. A ideia é também fazer uma edição diferente, o que também leva tempo.

Há interesse de alguma editora?

Será uma edição semelhante à do disco homónimo. Com o apoio da Lovers & Lollypops. Será diferente pois queremos lançar o disco apenas em vinil

São fãs do vinil?

Sem dúvida. Só compro discos em vinil (quando posso claro). Acho que a mística do vinil também vai bem com o nosso tipo de som, além de que agora, muitas pessoas preferem comprar em vinil do que em CD, pelo factor coleccionável. Acho também que a edição exclusiva em vinil não vai ser um entrave a um possível comprador, pois no fundo, acaba-se sempre por arranjar o disco de outra forma.

Não podia estar mais de acordo. Para terminar, pergunto: no meio de tudo isto quais são os teus desejos para os Black Bombaim? E para Barcelos. Podem ambos ser a mesma coisa?

O meu desejo para os Black Bombaim é que continuemos tocar, a lançar discos. Somos ainda muito novos (por exemplo eu tenho 21 e o Ricardo ainda só leva 20). Não queremos parar por aqui. Quanto a Barcelos, acho que já não há nada a fazer. Espero só que continuem a aparecer bandas novas com qualidade e, acima de tudo, que tenham coragem de se lançarem para fora daquela terra. Acho que se notou bem o amor que sinto por Barcelos ao longo desta entrevista.
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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