ENTREVISTAS
Jaap Blonk
Poesia Imprevisível
· 17 Jun 2009 · 10:33 ·
O holandês Jaap Blonk é um dos mais fascinantes performers do mundo. Utiliza a voz como instrumento primordial, mas explora as suas infinitas possibilidades com o auxílio de electrónicas. Trabalha brilhantemente a “poesia sonora”, uma forma de composição baseada na utilização de elementos fonéticos da voz humana, com resultados que vão da imitação de sons de câmara até ao mais imprevisível humor. Tem colaborado com músicos de origens diversas, de Mats Gustafsson aos The Ex, de Ken Vandermark a Phil Minton, e vai desenvolvendo uma discografia que se aproxima das duas dezenas de títulos. Numa iniciativa em parceria com a Granular, no dia 21 de Junho o Teatro Maria Matos vai acolher um dos mais originais exploradores sonoros do nosso tempo.
Como descobriu a “poesia sonora” e porque é que a utiliza como material central nas suas actuações?

Descobri a poesia sonora num workshop em 1978. Não acho que seja o material central das minhas actuações. O facto de as pessoas me verem mais como poeta sonoro do que músico tem a ver principalmente com factores económicos. É muito mais barato e fácil para um programador convidar um artista a solo do que um grupo, e daí grande parte do meu trabalho a solo é considerado poesia sonora. A parte do meu trabalho que as pessoas chamariam de “música” (cerca de 85-90 % do meu material gravado) é principalmente fruto de actuações com grupos, o que acontece em palco mais raramente.

A peça Ursonate de Kurt Schwitters é um tema clássico que utiliza nas suas actuações com alguma frequência. Como surgiu esta afeição especial por esta peça específica?

Essa peça marcoume porque foi a minha primeira actuação num solo de voz, antes de começar a compor o meu próprio material.Hoje em dia apenas a toco em ocasiões especiais, a pedido dos organizadores. Como não acontece muitas vezes, ainda me dá muito gozo.


Para o seu espectáculo Dr. Voxoid's Next Move assume que não sabe à partida o que vai acontecer no decorrer do espectáculo. É um processo para forçar a utilização de estratégias de improvisação?

É um pouco diferente: nesta performance eu escolho livremente peças do meu repertório, alguns temas antigos e outros mais recentes, e vou introduzindo algumas improvisações livres pelo meio. Para mim funciona melhor assim do que com uma ordem de temas fixos à partida. Algumas vezes utilizo as electrónicas de maneira que funcionem como um parceiro imprevisível.

Entre as várias técnicas que utiliza, canta em línguas inventadas, como o “Onderlands”. O grupo islandês Sigur Rós também se serve se um processo similar. Será esta uma forma de suplantar as limitações dos idiomas comuns?

Para mim é uma forma de libertar a imaginação do espectador, ao não forçá-lo em direcções específicas com palavras cheias de significados. Uma vantagem adicional é que os ouvintes podem usufruir o som de uma linguagem que desconhecem (por exemplo, o "Onderlands" soa a holandês), sem aquela ideia de que o significado das palavas lhes escapa, uma vez que não existe qualquer significação ao nível semântico.

Para esta actuação em Lisboa, no Teatro Maria Matos, vai utilizar a voz, electrónicas e animação vídeo. Como combina a vertente vídeo com a performance musical (vocal e instrumental)?

Por vezes a ligação é feita através de software: os efeitos visuais são determinados pelo som (ou vice-versa). Outras vezes não há ligação através de software, eu improviso o som a partir de uma imagem, ou improviso uma imagem para um som (através do desenho) - ou improviso ambos em simltâneo.

Já colaborou com músicos de jazz como os saxofonistas John Tchicai e Mats Gustafsson, mas também colaborou com o grupo quase-punk The Ex. Qual é o elemento em comum entre as suas diversas colaborações musicais?

Na verdade o único ponto em comum sou só eu. Há diferenças enormes entra cada situação – em termos de flexibilidade, energia, na relação composição/improvisação, etc. Também já colaborei com ensembles de música clássica, com bailarinos, actores, poetas… cada situação é sempre diferente.

Teve a experiência de liderar as bandas Splinks e Braaxtaal. O que recolheu dessas experiências? Utiliza algum desse material hoje em dia?

A composição sempre foi para mim a coisa mais importante. Por isso, utilizei essas bandas para tocar as minhas músicas, as minhas composições. Mas com o passar do tempo vim a descobrir que quanto maior o grau de composição de uma música, menos interessante se torna numa actuação ao vivo. De todos os discos que gravei, "Consensus" e "Off Shore" são aqueles que mais gosto. Estou muito feliz com esses discos, não tenho necessidade de voltar a tocar esse material ao vivo. A maioria das composições que faço hoje em dia são trabalhadas com o computador e eu estou liberto da necessidade de fazer música agradável aos ouvidos humanos. A minha única necessidade que tenho neste momento é perceber que faço boas gravações. Uma coisa que neste momento gostaria de fazer mais seriam bandas sonoras para filmes experimentais.


Em 2005 colaborou num projecto sobre a escrita de Samuel Beckett, com a bailarina Lotta Melin e o saxofonista Ken Vandermark. Foi possível combinar todas essas diferentes formas de expressão numa direcção comum?

O nosso objectivo não foi espremer essas três linhas numa só. Nessas actuações cabia ao público fazer as ligações entre as várias coisas que aconteciam em simultâneo em cima do palco – fazer isto é muito mais satisfatório para um espectador inteligente.

Concorda com a afirmação de que a voz humana é o mais espectacular de todos os instrumentos musicais mas ao mesmo tempo o menos explorado?

A voz humana é um grande instrumento, sem dúvida. Como compositor, não posso optar por escolher um instrumento único, tudo depende do som que necessito para o tema que esteja a compor nesse momento. É verdade que a voz tem sido menos explorada que outros instrumentos. Mas o que se há-de fazer, há cerca de seis mil milhões de vozes no mundo e são todas diferentes…

Considera que o seu trabalho partilha elementos em comum com o trabalho de Phil Minton?

Sim, nós partilhamos algumas técnicas. Mas também há grandes diferenças. Por exemplo, tanto quanto sei, o Phil não escreve textos nem compõe música. Quando ele canta textos ou temas escritos, tratam-se sempre de composições alheias.

Qual é a sua opinião sobre as experiências vocais de Bobby McFerrin e de outros músicos focados na voz humana, como o disco Medulla de Björk ou o álbum Specified Encounters de Iris Garrelfs?

McFerrin é claramente um virtuoso. Quanto ao estilo e estética: uma crítica num jornal americano fazia uma comparação entre ele e eu, relacionando-nos da forma que o Walt Disney estaria para Pablo Picasso. Os outros discos não conheço.

Utiliza electrónicas e “samples” para expandir as possibilidades de composição?

Sim, tudo começou pela necessidade de ter uma maior amplitude e densidade de som como solista. Mais recentemente virei-me para matemática e tenho usado a electrónica para modelar uma série de processos naturais em som, com resultados extremamente orgânicos e lógicos.

Sabe quantificar que percentagem da sua música é previamente escrita e que percentagem é improvisada? Como estrutura as suas actuações ao vivo entre composição e improvisação?

Algumas das minhas partituras têm liberdade de direcção e de escolhas, podem incluir partes abertas à improvisação, muitas vezes com indicações específicas. Podem ser 100% composições ou 100% improvisadas, e tudo pelo meio. Isto aplica-se não só às gravações, como também às actuações ao vivo.
Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com

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