ENTREVISTAS
Jaap Blonk
Poesia Imprevisível
· 17 Jun 2009 · 10:33 ·
Como descobriu a “poesia sonora” e porque é que a utiliza como material central nas suas actuações?
Descobri a poesia sonora num workshop em 1978. Não acho que seja o material central das minhas actuações. O facto de as pessoas me verem mais como poeta sonoro do que músico tem a ver principalmente com factores económicos. É muito mais barato e fácil para um programador convidar um artista a solo do que um grupo, e daí grande parte do meu trabalho a solo é considerado poesia sonora. A parte do meu trabalho que as pessoas chamariam de “música” (cerca de 85-90 % do meu material gravado) é principalmente fruto de actuações com grupos, o que acontece em palco mais raramente.
A peça Ursonate de Kurt Schwitters é um tema clássico que utiliza nas suas actuações com alguma frequência. Como surgiu esta afeição especial por esta peça específica?
Essa peça marcoume porque foi a minha primeira actuação num solo de voz, antes de começar a compor o meu próprio material.Hoje em dia apenas a toco em ocasiões especiais, a pedido dos organizadores. Como não acontece muitas vezes, ainda me dá muito gozo.
Para o seu espectáculo Dr. Voxoid's Next Move assume que não sabe à partida o que vai acontecer no decorrer do espectáculo. É um processo para forçar a utilização de estratégias de improvisação?
É um pouco diferente: nesta performance eu escolho livremente peças do meu repertório, alguns temas antigos e outros mais recentes, e vou introduzindo algumas improvisações livres pelo meio. Para mim funciona melhor assim do que com uma ordem de temas fixos à partida. Algumas vezes utilizo as electrónicas de maneira que funcionem como um parceiro imprevisível.
Entre as várias técnicas que utiliza, canta em línguas inventadas, como o “Onderlands”. O grupo islandês Sigur Rós também se serve se um processo similar. Será esta uma forma de suplantar as limitações dos idiomas comuns?
Para mim é uma forma de libertar a imaginação do espectador, ao não forçá-lo em direcções específicas com palavras cheias de significados. Uma vantagem adicional é que os ouvintes podem usufruir o som de uma linguagem que desconhecem (por exemplo, o "Onderlands" soa a holandês), sem aquela ideia de que o significado das palavas lhes escapa, uma vez que não existe qualquer significação ao nível semântico.
Para esta actuação em Lisboa, no Teatro Maria Matos, vai utilizar a voz, electrónicas e animação vídeo. Como combina a vertente vídeo com a performance musical (vocal e instrumental)?
Por vezes a ligação é feita através de software: os efeitos visuais são determinados pelo som (ou vice-versa). Outras vezes não há ligação através de software, eu improviso o som a partir de uma imagem, ou improviso uma imagem para um som (através do desenho) - ou improviso ambos em simltâneo.
Já colaborou com músicos de jazz como os saxofonistas John Tchicai e Mats Gustafsson, mas também colaborou com o grupo quase-punk The Ex. Qual é o elemento em comum entre as suas diversas colaborações musicais?
Na verdade o único ponto em comum sou só eu. Há diferenças enormes entra cada situação – em termos de flexibilidade, energia, na relação composição/improvisação, etc. Também já colaborei com ensembles de música clássica, com bailarinos, actores, poetas… cada situação é sempre diferente.
Teve a experiência de liderar as bandas Splinks e Braaxtaal. O que recolheu dessas experiências? Utiliza algum desse material hoje em dia?
A composição sempre foi para mim a coisa mais importante. Por isso, utilizei essas bandas para tocar as minhas músicas, as minhas composições. Mas com o passar do tempo vim a descobrir que quanto maior o grau de composição de uma música, menos interessante se torna numa actuação ao vivo. De todos os discos que gravei, "Consensus" e "Off Shore" são aqueles que mais gosto. Estou muito feliz com esses discos, não tenho necessidade de voltar a tocar esse material ao vivo. A maioria das composições que faço hoje em dia são trabalhadas com o computador e eu estou liberto da necessidade de fazer música agradável aos ouvidos humanos. A minha única necessidade que tenho neste momento é perceber que faço boas gravações. Uma coisa que neste momento gostaria de fazer mais seriam bandas sonoras para filmes experimentais.
Em 2005 colaborou num projecto sobre a escrita de Samuel Beckett, com a bailarina Lotta Melin e o saxofonista Ken Vandermark. Foi possível combinar todas essas diferentes formas de expressão numa direcção comum?
O nosso objectivo não foi espremer essas três linhas numa só. Nessas actuações cabia ao público fazer as ligações entre as várias coisas que aconteciam em simultâneo em cima do palco – fazer isto é muito mais satisfatório para um espectador inteligente.
Concorda com a afirmação de que a voz humana é o mais espectacular de todos os instrumentos musicais mas ao mesmo tempo o menos explorado?
A voz humana é um grande instrumento, sem dúvida. Como compositor, não posso optar por escolher um instrumento único, tudo depende do som que necessito para o tema que esteja a compor nesse momento. É verdade que a voz tem sido menos explorada que outros instrumentos. Mas o que se há-de fazer, há cerca de seis mil milhões de vozes no mundo e são todas diferentes…
Considera que o seu trabalho partilha elementos em comum com o trabalho de Phil Minton?
Sim, nós partilhamos algumas técnicas. Mas também há grandes diferenças. Por exemplo, tanto quanto sei, o Phil não escreve textos nem compõe música. Quando ele canta textos ou temas escritos, tratam-se sempre de composições alheias.
Qual é a sua opinião sobre as experiências vocais de Bobby McFerrin e de outros músicos focados na voz humana, como o disco Medulla de Björk ou o álbum Specified Encounters de Iris Garrelfs?
McFerrin é claramente um virtuoso. Quanto ao estilo e estética: uma crítica num jornal americano fazia uma comparação entre ele e eu, relacionando-nos da forma que o Walt Disney estaria para Pablo Picasso. Os outros discos não conheço.
Utiliza electrónicas e “samples” para expandir as possibilidades de composição?
Sim, tudo começou pela necessidade de ter uma maior amplitude e densidade de som como solista. Mais recentemente virei-me para matemática e tenho usado a electrónica para modelar uma série de processos naturais em som, com resultados extremamente orgânicos e lógicos.
Sabe quantificar que percentagem da sua música é previamente escrita e que percentagem é improvisada? Como estrutura as suas actuações ao vivo entre composição e improvisação?
Algumas das minhas partituras têm liberdade de direcção e de escolhas, podem incluir partes abertas à improvisação, muitas vezes com indicações específicas. Podem ser 100% composições ou 100% improvisadas, e tudo pelo meio. Isto aplica-se não só às gravações, como também às actuações ao vivo.
Nuno CatarinoDescobri a poesia sonora num workshop em 1978. Não acho que seja o material central das minhas actuações. O facto de as pessoas me verem mais como poeta sonoro do que músico tem a ver principalmente com factores económicos. É muito mais barato e fácil para um programador convidar um artista a solo do que um grupo, e daí grande parte do meu trabalho a solo é considerado poesia sonora. A parte do meu trabalho que as pessoas chamariam de “música” (cerca de 85-90 % do meu material gravado) é principalmente fruto de actuações com grupos, o que acontece em palco mais raramente.
A peça Ursonate de Kurt Schwitters é um tema clássico que utiliza nas suas actuações com alguma frequência. Como surgiu esta afeição especial por esta peça específica?
Essa peça marcoume porque foi a minha primeira actuação num solo de voz, antes de começar a compor o meu próprio material.Hoje em dia apenas a toco em ocasiões especiais, a pedido dos organizadores. Como não acontece muitas vezes, ainda me dá muito gozo.
Para o seu espectáculo Dr. Voxoid's Next Move assume que não sabe à partida o que vai acontecer no decorrer do espectáculo. É um processo para forçar a utilização de estratégias de improvisação?
É um pouco diferente: nesta performance eu escolho livremente peças do meu repertório, alguns temas antigos e outros mais recentes, e vou introduzindo algumas improvisações livres pelo meio. Para mim funciona melhor assim do que com uma ordem de temas fixos à partida. Algumas vezes utilizo as electrónicas de maneira que funcionem como um parceiro imprevisível.
Entre as várias técnicas que utiliza, canta em línguas inventadas, como o “Onderlands”. O grupo islandês Sigur Rós também se serve se um processo similar. Será esta uma forma de suplantar as limitações dos idiomas comuns?
Para mim é uma forma de libertar a imaginação do espectador, ao não forçá-lo em direcções específicas com palavras cheias de significados. Uma vantagem adicional é que os ouvintes podem usufruir o som de uma linguagem que desconhecem (por exemplo, o "Onderlands" soa a holandês), sem aquela ideia de que o significado das palavas lhes escapa, uma vez que não existe qualquer significação ao nível semântico.
Para esta actuação em Lisboa, no Teatro Maria Matos, vai utilizar a voz, electrónicas e animação vídeo. Como combina a vertente vídeo com a performance musical (vocal e instrumental)?
Por vezes a ligação é feita através de software: os efeitos visuais são determinados pelo som (ou vice-versa). Outras vezes não há ligação através de software, eu improviso o som a partir de uma imagem, ou improviso uma imagem para um som (através do desenho) - ou improviso ambos em simltâneo.
Já colaborou com músicos de jazz como os saxofonistas John Tchicai e Mats Gustafsson, mas também colaborou com o grupo quase-punk The Ex. Qual é o elemento em comum entre as suas diversas colaborações musicais?
Na verdade o único ponto em comum sou só eu. Há diferenças enormes entra cada situação – em termos de flexibilidade, energia, na relação composição/improvisação, etc. Também já colaborei com ensembles de música clássica, com bailarinos, actores, poetas… cada situação é sempre diferente.
Teve a experiência de liderar as bandas Splinks e Braaxtaal. O que recolheu dessas experiências? Utiliza algum desse material hoje em dia?
A composição sempre foi para mim a coisa mais importante. Por isso, utilizei essas bandas para tocar as minhas músicas, as minhas composições. Mas com o passar do tempo vim a descobrir que quanto maior o grau de composição de uma música, menos interessante se torna numa actuação ao vivo. De todos os discos que gravei, "Consensus" e "Off Shore" são aqueles que mais gosto. Estou muito feliz com esses discos, não tenho necessidade de voltar a tocar esse material ao vivo. A maioria das composições que faço hoje em dia são trabalhadas com o computador e eu estou liberto da necessidade de fazer música agradável aos ouvidos humanos. A minha única necessidade que tenho neste momento é perceber que faço boas gravações. Uma coisa que neste momento gostaria de fazer mais seriam bandas sonoras para filmes experimentais.
Em 2005 colaborou num projecto sobre a escrita de Samuel Beckett, com a bailarina Lotta Melin e o saxofonista Ken Vandermark. Foi possível combinar todas essas diferentes formas de expressão numa direcção comum?
O nosso objectivo não foi espremer essas três linhas numa só. Nessas actuações cabia ao público fazer as ligações entre as várias coisas que aconteciam em simultâneo em cima do palco – fazer isto é muito mais satisfatório para um espectador inteligente.
Concorda com a afirmação de que a voz humana é o mais espectacular de todos os instrumentos musicais mas ao mesmo tempo o menos explorado?
A voz humana é um grande instrumento, sem dúvida. Como compositor, não posso optar por escolher um instrumento único, tudo depende do som que necessito para o tema que esteja a compor nesse momento. É verdade que a voz tem sido menos explorada que outros instrumentos. Mas o que se há-de fazer, há cerca de seis mil milhões de vozes no mundo e são todas diferentes…
Considera que o seu trabalho partilha elementos em comum com o trabalho de Phil Minton?
Sim, nós partilhamos algumas técnicas. Mas também há grandes diferenças. Por exemplo, tanto quanto sei, o Phil não escreve textos nem compõe música. Quando ele canta textos ou temas escritos, tratam-se sempre de composições alheias.
Qual é a sua opinião sobre as experiências vocais de Bobby McFerrin e de outros músicos focados na voz humana, como o disco Medulla de Björk ou o álbum Specified Encounters de Iris Garrelfs?
McFerrin é claramente um virtuoso. Quanto ao estilo e estética: uma crítica num jornal americano fazia uma comparação entre ele e eu, relacionando-nos da forma que o Walt Disney estaria para Pablo Picasso. Os outros discos não conheço.
Utiliza electrónicas e “samples” para expandir as possibilidades de composição?
Sim, tudo começou pela necessidade de ter uma maior amplitude e densidade de som como solista. Mais recentemente virei-me para matemática e tenho usado a electrónica para modelar uma série de processos naturais em som, com resultados extremamente orgânicos e lógicos.
Sabe quantificar que percentagem da sua música é previamente escrita e que percentagem é improvisada? Como estrutura as suas actuações ao vivo entre composição e improvisação?
Algumas das minhas partituras têm liberdade de direcção e de escolhas, podem incluir partes abertas à improvisação, muitas vezes com indicações específicas. Podem ser 100% composições ou 100% improvisadas, e tudo pelo meio. Isto aplica-se não só às gravações, como também às actuações ao vivo.
nunocatarino@gmail.com
ÚLTIMAS ENTREVISTAS
ÚLTIMAS