ENTREVISTAS
Organic Anagram
Paisagens Protegidas
· 19 Fev 2009 · 19:31 ·
Residente em Londres, o projecto Organic Anagram, liderado por Miguel Meruje, é veículo preparado para mexer e remexer no underground. O seu território preferido são as netlabels; os lançamentos já são alguns. Miguel Meruje parte da música electrónica para chegar onde lhe convier; neste último lançamento, Surrealist Landscape, com selo da MiMi, o prato forte são os samples. Começou por ser uma tentativa de ser uma nova versão de Endtroducing..., o álbum seminal de DJ Shadow, mas depois ganhou vida própria e tornou-se paradeiro de inúmeras confluências, abraço de paisagens complexas e caóticas. sobre Surrealist Landscape e outros temas, fomos à conversa com Miguel Meruje que levantou o véu aos genes de Organic Anagram.
Organic Anagram cumpre hoje as mesmas funções que cumpria quando tudo isto começou? Porque é que existe este projecto?

Não, nem pensar. Nunca imaginei que chegasse até aqui, principalmente pelo modo relaxado como tem sido feito tudo. Organic Anagram surgiu porque não consegui encontrar ninguém para tocar comigo, e ao mudar-me para a universidade, em vez de rebentar os miolos com drogas, andava de skate pela noite fora e fazia musica. Hoje em dia, vai-se fazendo. Existe porque demasiada gente demonstra interesse e apoia-me, e não podia encontrar melhores seguidores que os meus amigos. Basta-me isso.

Com este novo disco propunhas primeiramente uma nova versão de Endtroducing..., ou seja, um disco construído apenas com samples. É um disco que admiras, que resume a tua forma de estar em Organic Anagram?

Foi uma maneira de tornar isto mais acessível e ter material para tocar ao vivo. Há quem se sinta realizado a fazer ruídos com panelas ou com um overdrive, isso para mim ao vivo tem pouco interesse. Ao ir buscar estas musicas, pude tocar ao vivo, mas já não tenho interesse depois de o ter feito no ambiente que queria. Organic Anagram só volta a tocar ao vivo nalguma ocasião muito especial, daqui a uns anos.

Entretanto o disco acabou por evoluir e incluir também instrumentos, vozes e field recordings. O que é que te fez mudar de direcção?

Senti-me bloqueado, e eu tenho de estar livre. Não suporto limites. Posso, como toda a gente devia poder, seguir a vontade própria. Mas deixando os idealismos, foi para dar um toque pessoal. Ao trabalhares com excertos de outras músicas, estás a criar ambientes novos, mas ao mesmo tempo, se calhar ao gravares uma batida por cima, estás a dar aquele toque na composição que a faz mais próxima do completo.

Foi complicado conceber este disco? Como é que foi todo o processo?

Pode dizer-se que sim. Duas semanas intensas foram a recolher samples. Ouvir cerca de 20 mil músicas por alto. Havia coisas que já tinha idealizado e sabia que funcionava, mas depois foi uma questão de encontrar um fio condutor de tudo aquilo. Uma espécie de sentimento comum. Acho que é um disco muito limpo, porque cheguei a uma altura em que decidi não mexer mais. O sample mais descarado, por ser de uma musica conhecida, corre repetidamente por 4 minutos, com pequenas alterações, sobrepondo, mudando a frequência e afins, no entanto tive de correr esse risco, porque quando oiço a musica e aquela sequencia interminável, é como se enchesse o peito de ar e me entrasse inspiração. E não há muitas musicas que me façam sentir assim, capaz de levantar a cabeça e sorrir.


Li a palavra “caos” usada por ti próprio para descrever a tua própria música. Consegues desenvolver essa ideia em termos musicais ou estéticos?

Penso que sim. Pollock é caos. Rothko é caos. Magritte é caos. Em termos estéticos, todos eles são um bombardeamento aos sentimentos, uma pessoa olha para aquilo e as ideias que começam a surgir, é como ser abalado por um caterpillar. Sempre me senti bem no caos, porque para mim é natural, não é uma coisa estranha. Havia uma coisa filosófica do Schopenauer com Wagner, acho que a minha noção de musica dissonante vem daí, uma coisa que nos transtorna, que tem impacto.

Li também algures que vivias entre Londres e as montanhas beirãs. A qual destes a tua música mais bebe influências?

Até esta altura, foi Londres. O álbum anterior, London By Night, e este Surrealist Landscape, são urbanos. O primeiro EP, Despair & Solitude, é diferente, é denso, mas também não é alguma coisa que tu imagines um tipo numa cabana a fazer, tem a sua dose de civilização. Agora vou virar-me para uma das fases iniciais, o black metal instrumental/orquestral. Da última vez que tive em Portugal fiz umas viagens sozinho pela Beira Interior, Portugal mesmo profundo, aldeias com cinquenta pessoas em que me punha a pensar em como é que ali chegava electricidade. Aprendi muito, e tenho noção que é um bocado como o Torga dizia, que as pessoas sobre quem ele escrevia, não eram capazes de o ler. Por isso vou pegar naquela linha de Burzum sem guitarras e por alguma coisa folk/popular para o interior de Portugal. Obviamente que só pessoal da cidade com internet se interessa por isso, mas eu também não sou viking e ando a aprender Norueguês. Entretanto, isto há-de passar-me e voltarei ao noise com muitos detalhes e algumas melodias, tal como no primeiro EP.

Ambiental/Experimental é uma etiqueta que te cai bem ou preferes pensar e fazer música sem as balizas impostas pelos estilos?

Cai bem, sim. É isso, não é musica comercial, e tenta passar uma atmosfera em vez de agarrar o ouvinte com uma melodia de refrão repetida quatro vezes. Isto falando em Organic Anagram, se me perguntasses o que eu queria tocar, era baixo ou cantar numa banda tipo On Broken Wings. Mas ando sempre de um lado para o outro, é complicado concretizar isso.

Que tipo de música te entusiasma hoje em dia? Quais são os projectos ou editoras que segues mais de perto hoje em dia?

Hardcore beatdown é a minha escola. Muitas correntes dentro desse estilo me agradam, mas são coisas que quem está por fora nunca ouviu falar, dos Minor Threat e Black Flag aos Out To Win e Bun Dem Out. Rucktion Records, Londres, LBU, é apoiar. Gosto da Deathwish apesar de haverem muitas bandas más. Converge é das bandas que colecciono tudo, e tenho uma das melhores colecções de prints do Jake Bannon. True Norwegian Black Metal. Redescobri a primeira demo de Mayhem, que tal como o resto da discografia é brilhante, Darkthrone, Burzum 1349. Gosto de grind, daquele que puxa o género para a frente, Agoraphobic Nosebleed, Cretin, Origin, Regurgitate. Continuo a saber praticamente todas as letras de Wu Tang e Mobb Deep. Em casa ponho a tocar principalmente blues, country, bluegrass e musica étnica, coisas aborígenes, música Italiana e por aí fora. Mas isto faz de mim um bocado nerd, eu saio muito à noite para ouvir musica, seja nu metal, pop ou drum n bass e dubstep. Sou bastante curioso quanto a tudo, mesmo artistas indies, coisas que apareçam no jornal e já sei que não gosto, eu ando a par do que se passa.


Já editaste na Test Tube, Enough e agora na MiMi. Sentes-te confortável entre as netlabels ou preferes as edições físicas? Há prós e contras de ambos os lados?

Só há uma edição física de Organic Anagram, um DVD com a discografia completa, mixtapes, fotos, flyers, textos. Mandem-me uma mensagem pelo myspace que a gente arranja alguma coisa. É um orgulho para mim poder representar essas 3 netlabels nacionais, muito bem inseridas no contexto mundial das netlabels. Quando a mim, não tenho muito interesse nas edições físicas, porque me cortam as asas. Se alguém me dissesse “queres 200€ e a gente edita isto e tu não tens de te preocupar com nada?”, eu dava-lhes logo tudo e ainda agradecia. Mas não sou eu que vou andar a bater em portas. Os prós das netlabels é a divulgação. Sempre disse, se não fosse a Enough, eu não podia sequer sonhar em fazer nada. Mandei uma demo, ele contactou-me e disse que queria editar. Eu tinha feito a musica em 15 minutos e postado num fórum. Para editar um CD, tinha de ir fazer covers do Astor Piazolla em ukulele ou qualquer coisa, quem é que ia pegar nisto? Para vender 30 cópias aos meus amigos? Não vale a pena o esforço nem eu quero que eles paguem por isto.

Só para terminar, pergunto-te se trabalhas intensamente na criação musical? É de prever novos lançamentos para breve?

É por fases. Há alturas em que estou 1 mês a mexer nisto quase diariamente. Arranjaram-me uns programas diferentes para fazer musica, o Reason e o Logic podem ser muito bons, mas se eu não tenho a tecnologia ao meu dispor, é obsoleta. Nem consigo por aquela treta a gravar os ritmos que eu digo, por isso acho que vou voltar ao que sei e a explorar isso mais longe. Sim. Há muita coisa já feita, apenas ideias contudo, não musicas, dessa tal brincadeira do black metal orquestral. É levar isso em frente e esperar que não me lembre de outra coisa, porque eu já tinha este álbum gravado e entretanto perdi tudo num disco estragado. Como me desmotivei, comecei então a pegar nos samples e a construir a partir daí, mas agora queria completar isto. Já agora, obrigado pelo interesse, o Bodyspace deve ser lido regularmente por quem se interessa por formas de música alternativas. E isso não são os Buraka Som Sistema, porque esses são música podre.
André Gomes
andregomes@bodyspace.net

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