ENTREVISTAS
Gabriel Ferrandini
O Incrível
· 05 Jan 2009 · 17:23 ·
© Nuno Martins
Ele é um puto. Apareceu do nada e já anda por aí a dar que falar. É baterista e toca como gente grande. Toca com o RED Trio (com Hernâni Faustino e Rodrigo Pinheiro), com o trio de Rodrigo Amado e Miguel Mira e na Variable Geometry Orchestra (VGO) de Ernesto Rodrigues, entre outros projectos. É provavelmente o mais promissor músico da cena "free" tuga e farta-se de dar nas vistas. Já tocou ao lado de gente como Rob Mazurek ou Alberto Pinton e participou na megalómana Luso-Skandinavian Avant Music Orchestra. É capaz de marcar o ritmo com uma precisão impressionante e nunca deixa de surpreender, servindo-se de uma enorme variedade de recursos. Ele tem a imaginação de Han Bennink e a energia de Milford Graves. Ele é o nosso Paal Nilssen-Love. Ele anda por aí e está pronto a explodir para voos mais altos. Ele é o futuro da bateria. Ele chama-se Gabriel Ferrandini e é incrível.
Como é que foste parar à bateria?

Comecei a tocar bateria por volta dos treze anos. Tinha um fascínio brutal pelo instrumento! Não sei bem porquê, mas o ritmo e aquele universo quase abstracto de musicalidade era incrível, o "groove" era a cena certa para mim. Nesta altura ouvia muito punk, ska e hardcore, mas também já ouvia jazz em paralelo. Fui introduzido ao jazz por um amigo, porque nem o meu pai e a minha mãe são fãs de jazz, e mais tarde comecei a ouvir muito drum'n'bass, jungle, IDM e hip-hop. A escola de música começou logo aos treze anos, na escola Crescendo em S. João do Estoril (onde estive dois anos), depois aos dezoito entrei para a escola do Hot Clube (onde fiquei dois anos) e saí para estudar na Academia de Amadores de Música, onde estou ainda hoje.

Quem são as tuas referências no jazz, especialmente ao nível de bateristas?

As referências são uma coisa altamente complexa, pois sei que sou influenciado por montes de músicos de montes de estilos e géneros e que talvez nem aplique muito na minha linguagem, mas a influência artística esta sempre presente. Oiço muita música diferente, mas dentro do jazz posso dizer que os grandes mestres para mim são Coltrane, Eric Dolphy, Miles, Rollins, Bill Evans, Ornette e Andrew Hill, entre outros, muitos outros... Dentro da cena mais contemporânea são músicos como o Peter Brötzmann, Evan Parker, Sten Sandell, Jonas Kullhammar, Mats Gustafsson. A nível de bateristas da velha guarda oiço muito Elvin Jones, Tony Williams, Billy Higgins, Roy Haynes e Max Roach. Na cena mais actual, oiço bateristas como Paal Nilssen-Love, Paul Lytton, Paul Lovens, Jeff Ballard, Alexandre Frazão, Nasheet Waits, Michael T. A. Thompson, entre outros.

Como é que surgiu o RED Trio?

O RED Trio surgiu originalmente na cabeça do Hernâni Faustino. Eu tinha a minha bateria na Trem Azul onde estudava (e ainda estudo) todos os dias e ele já conhecia a minha "cena". Só tínhamos tocado juntos na VGO e nunca em formações pequenas. O Hernâni já conhecia bem o trabalho do Rodrigo Pinheiro, já tinha tocado com ele noutras situações. A partir daí resolvemos juntar-nos num ensaio na Trem Azul e logo aí, a partir desse nosso primeiro encontro, soubemos que ia resultar e que íamos fazer um trio único. E agora em Janeiro um ano fazemos um ano.

© Nuno Martins

Também estás muito envolvido num trio com Rodrigo Amado e Miguel Mira. Há planos para um disco em breve?

O trio é brutal! É um prazer e uma honra para mim tocar com um músico como o Rodrigo, ele é incrível, tem uma musicalidade única. O Miguel também é um músico especial, por ter um "background" mais da velha guarda e por tocar violoncelo e não o habitual contrabaixo. A música do trio é uma fusão de linguagens jazzísticas (erudita, improvisada, near silence, straight), cheia de energia e cumplicidade. Estivemos em estúdio e temos muito material para escolher para um disco, este ano já deverá estar cá fora.

Como é que tem sido trabalhar com a VGO do Ernesto Rodrigues?

A VGO é um conceito incrível. Foi onde dei o meu primeiro e segundo concerto. A VGO tem músicos incríveis e na maioria das vezes a condução do Ernesto é muito boa. O único problema é que na teoria tudo funciona muito bem, mas às vezes na prática acaba por não ser assim tão fácil...

Participaste na Luso-Skandinavian Avant Music Orchestra, um ensemble de músicos portugueses e nórdicos, que actuou na Casa da Música. Como foi essa experiência?

A Luso-Skandinavian Avant Music Orchestra foi uma das experiências mais incríveis da minha vida! Foi brutal que o Rodrigo Amado achasse que eu estava ao nível e me tivesse convidado. Os músicos que lá estavam eram todos de topo e fui influenciado por todos eles durante os três dias que estivemos juntos. Eu já conhecia a música de todos eles e acho que a noite do concerto foi inesquecível, um concerto cheio de nuances, pormenores, energia, explosões, tudo! Eram músicos de vários "backgrounds" juntos a improvisar sob a condução do ilustre Raymond Strid. Espero que a orquestra continue activa para podermos fazer mais música incrível como aquela.

Rodrigo Amado Trio

Também já tocaste com nomes grandes, como Alberto Pinton ou Rob Mazurek - que apareceu de surpresa para uma jam session na Trem Azul. O que tens aprendido com estes músicos?

Tocar com grandes músicos é incrível. É uma das chaves para a evolução, tocando com eles, somos puxados a tocar ao nível deles. A relação de um grande músico com o seu instrumento é algo muito especial e único, daí a sua enorme musicalidade e cumplicidade enorme! Tenho aprendido muito com músicos como esses, a todos os níveis! Espero continuar a ter oportunidades como estas.

O que achas dos bateristas portugueses: Alexandre Frazão, José Salgueiro, Mário Barreiros, João Lobo, João Lencastre, etc.?

São todos muito bons! A linguagem pessoal do Alexandre e do Salgueiro são muito fortes e isso é incrível de se ver e ouvir. Os bateristas mais novos, como o João Lobo e o Lencastre também são muito bons, com um grande futuro à sua frente! Por mim só tenho pena não termos grandes bateristas da "improvisada" ou até dos dois mundos (straight e improv). Portugal ainda tem muitas portas fechadas e os músicos ainda são um bocado "antiquados", por assim dizer... Há muita música e não nos devemos fechar no passado por ser mais seguro, os músicos tem de arriscar e inovar e ouvir mais música, especialmente a que é feita hoje, coisa que não acontece muito...

És um ouvinte atento de música? Que discos é que mais te marcaram neste ano que passou?

Oiço de tudo desde hip-hop ao jazz, jungle, trip hop... Este ano ouvi muitos discos que me marcaram. Todos os discos da Clean Feed são marcantes, são todos excepcionais! O dueto do Paal Nilssen-Love com o Lasse Marhaug ["Stalk"] é muito bom. Outro disco também muito bom é o "Sweet Sweat" do Brötzmann com o Paal.

Estás agora a começar. Quais são os teus planos mais imediatos e quais são os objectivos a longo prazo para a tua carreira?

Por enquanto estou na Academia de Amadores de Música e tenho aulas com o Frazão, por isso estou muito feliz. A longo prazo conto passar um ano ou dois lá fora. Ainda não sei bem onde mas estou numa busca constante do melhor "spot"!
Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
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