ENTREVISTAS
The Hospitals
O Anal dos Hospitais (Director’s Cut)
· 07 Jul 2008 · 08:00 ·
O terceiro e mais recente álbum dos Hospitals, Hardryer Peace, poderia merecer um dos seguintes dois subtítulos: Quatorze novos motivos para odiar a banda de Adam Stonehouse ou Quatorze justificações inéditas para atrever um pé a mergulhar num dos mais avinagrados e convulsos caldeirões aquecidos com a lenha do underground norte-americano. Não se adivinham poderes de bruxo a Adam Stonehouse, piromaníaco rock aprisionado no corpo de um típico engatatão de liceu americano, mas, a julgar pela total falta de moderação de Hairdryer Peace, é evidente que passa por ele o feitiço que torna cada novo disco dos Hospitals numa experiência mais indigesta e vertiginosa. Os estômagos que pudessem conviver mal com os riffs encharcados em reverb que formavam o vapor de I’ve Visited the Island of Jocks and Jazz, arriscam-se, desta vez, a encarar momentos traumáticos num Hairdryer Peace cujo descarado registo lo-fi faz com que a bateria, guitarras e berraria sejam confundíveis entre as sobras sobre uma marquesa que nesse dia tenha conhecido duas lipo-aspirações e uma matança do leitão. Enquanto isso, a voz cada vez mais fantasmagórica e distante de Adam Stonehouse recorda ocasionalmente a do songwriter de culto Daniel Johnston. Por sua vez, “This Walls” e “Animals Act Natural” contam com riffs anti-clássicos que reanimam de imediato toda aquela quantidade de ímpetos inexplicáveis que – em casa e ainda mais em concerto - tão bem combinam quimicamente com a música dos Hospitals. Tudo o resto sobre a novidade que serve de pretexto a estas linhas é revelado em por Adam Stonehouse, que, após uma troca apressada de palavras há coisa de ano e meio, alinhou numa entrevista integral com o Bodyspace.
Como estás, Adam? Que tens feito ultimamente?
Sinto-me completamente bem neste momento. O Verão começou por aqui e estou a reformular a minha relação com a cerveja após um longo afastamento. Tenho levado as coisas com calma desde que o disco saiu. Tenho ido à praia, falar ao telefone, merdas assim. Comecei também a tocar de novo com os Hospitals em preparação de uma próxima curta digressão. Tudo tem corrido bem com o novo membro Anthony e o Chris (Gunn).

Podias falar-me um pouco acerca do background do Anthony e do Chris?

O Chris Gunn faz parte da banda há alguns anos. Conheço-o há muito tempo. Ele racha tudo e foi ele que arranjou o primeiro concerto aos Hospitals. Foi o responsável por muitas das partes de guitarra no Hairdryer Peace. O Anthony entrou recentemente e tem-se dado excelentemente com isto. É como se fosse um sniper secreto. Fico orgulhoso de contar com ele a bordo.

Enquanto definias o tipo de som que pretendias para este novo disco, tentaste levar até ao limite os métodos que usaste no I’ve Visited the Island of Jocks and Jazz ou, em vez disso, renovaste totalmente todo o equipamento e arsenal de gravação?

Eu não me sentei a planear um som específico ou coisa do género. Mas, sim, acho que grande parte do novo material surge como uma extensão do que tinha feito no I’ve Visited the Island of Jocks and Jazz. Talvez demasiado obviamente, em alguns casos. Acontece que desta vez não apressei nada e encarreguei-me de toda a gravação. Além de que os músicos neste disco são mesmo os melhores neste género, por isso tudo resultou como um esforço de banda com cada um a desbundar à sua maneira.

Quando me referi à tentativa de levar as coisas até um limite nas gravações do novo disco, tentava saber se “subiste a parada” no que respeita a explorar volumes altos e extremos semelhantes. Gostava de saber se te sentiste mais à vontade em deixar à solta aquela muralha de som, entendes?

Sim, exercito esses extremos há algum tempo e acho que já melhorei a minha abordagem. Além disso, o nível é superior neste disco e todos os sons ganharam uma força redobrada. Ouvir uma banda a usar toneladas de reverb e delay, na tentativa de esticar a corda da gravação até ao limite, pode ser muitas vezes um malabarismo vazio que não aproveita qualquer esforço cerebral. Não é como se o estivesses a fazer isso em 1924, quando arriscar algo do género era completamente de loucos. Ninguém passa a ser um outsider só por causa disso. Está ao acesso de todos. Já está feito, mesmo agora em 2008. Grande parte do disco foi concebido com os ponteiros bem assentes no vermelho, mas não tentei isso de forma consciente.

Que factores levaram a que este novo disco sofresse um atraso ao estilo de Chinese Democracy?

Sofri um colapso – foi mais ou menos isso. Sofri também de uma péssima tinnitus que me deixou a ouvir zumbidos constantes até ao ponto da loucura e isso também me dificultou a vida durante um tempo. Todas as gravações sucediam-se aqui e ali quando eu podia. Fiquei completamente fodido e, em certa altura, vivi mesmo um dia de cada vez. Não queria apressar as coisas, porque, a cada vez que o tinha feito no passado, acabei por ficar zangado comigo mesmo por não submeter algumas músicas a mais tentativas ou remisturas, ou tudo o que pudesse fazer para melhorá-las. Acrescente-se a isso o facto dos gajos que tocaram no disco viverem em lugares diferentes: o Chris (Gunn) e o Rod (Meyer) vivem em Portland, mas não me perguntes porquê, e eu só podia avançar no trabalho colectivo quando eu ia até lá ou quando eles vinham até aqui (área de S. Francisco). E o Rob (Enbom) andou a viajar num autocarro movido a pizza e canções de amor, enquanto ia fazendo a sua cena, sendo fantástico nisso.

Sucederam-se alguns problemas de última hora que tivessem impedido que o Hairdryer Peace fosse lançado pela Siltbreeze, conforme tinham planeado?

Eu e o Rob queríamos de início que saísse pela Siltbreeze, porque, quando reparámos que tinham lançado um álbum de Times New Viking, pensámos:Foda-se! Este gajo voltou a editar discos e era bestial que fizesse o mesmo com o nosso. Ele lançou alguns dos meus discos favoritos da década de 90 – muito antes de aumentar a regularidade dos lançamentos. Era uma novidade nessa altura e a filosofia era muito semelhante à da SST Records. (risos) Queríamos mesmo era lançar o disco na SST, mas, como deves calcular, não existe maneira de encontrar o Gregg Ginn nos escritórios da SST. Eu bem queria esperar por ele sentado na recepção… Enviámos-lhe uma cassete com as primeiras versões de algumas das músicas, mas ele entornou massa fettuccine e molho de ostras e vinho branco por cima daquela merda e aquilo deixou de tocar. Mesmo assim, estou satisfeito por ter lançado o disco por minha conta, embora tenha sido uma chatice trabalhar todos os dias durante meses para suportar os custos de prensagem e masterização. Ainda bem que essa parte já passou.

Até que ponto o Rod Meyer foi uma ajuda neste novo disco? Permitiste que ele tentasse alguns enquadramentos técnicos durante as sessões?
Não, ele não participou na gravação – apenas tocou. Acho que ainda não estava familiarizado com as técnicas de gravação. Mas o gajo é um dos guitarristas mais fodidos do mundo. Foi ele que escreveu a “Dream Damage” que é um dos meus momentos favoritos no disco.

© PnL

No refrão de “Getting Out of Bed”, diriges-te especificamente à preguiça que te possa fazer ficar na cama e deixar o trabalho para mais tarde? Foi-te possível estabelecer algumas rotinas durante a gravação de Hairdryer Peace ou tudo avançou conforme a disposição de cada dia?
Obtive a ideia para essa música há muito tempo, quando tinha cerca de 18 anos e partilhava quarto com um colega que, certas vezes, punha a tocar no volume máximo uma canção de uma banda pop britânica que tinha um refrão onde se cantava Can’t Get Out of Bed!!. Nessa altura, eu era um jovem confuso e completamente “mamado” da cabeça e essa música enquadrava-se, de um modo estranho, nessa minha fase. Se bem que eles cantavam acerca da faltava de vontade de sair de cama por causa da boa erva que fumavam, dos bons broches e da comida preparada pelos excelentes papás.
Quanto à rotina, posso-te dizer que foi inexistente. Só me oriento quando estou mesmo na disposição para tal. É também por isso que sou incapaz de fazer o que seja num estúdio, o que me obriga a fazer tudo por conta própria. Se tiveres de cantar e tocar em determinadas músicas dentro de uma quantidade limitada de tempo, perdes metade desse tempo a forçar as coisas e isso reflecte-se no material. Quando eu e o Rob Enbom começámos a gravar o disco, acertámos um plano que me levava todas as sextas-feiras até Oakland, onde permanecia em casa dele a gravar durante todo o fim-de-semana até segunda-feira. Mantivemos esse ritmo durante um ou dois meses, e julgo que esse tipo de coisa forçou-me a trazer músicas novas para a mesa. Experimentámos um monte de “malhas” na cave dele. Foi mais ou menos assim que o Hairdryer Peace surgiu.

Existe algum material dessas sessões em Oakland que possa ter ficado de fora de Hairdryer Peace, mas que venha ainda a ser lançado mais tarde?

Existe uma quantidade infinita de cenas gravadas com o Rob e da temporada em que gravámos todos juntos no Inverno. Sobrou muito também das desbundas entre mim e o Chris. Eu tencionava lançar uma cassete que compilasse esse material, mas estou ainda indeciso. São cenas um bocado obscuras…

Não sei explicar bem porquê, mas a “Animals Act Natural” parece-me um tema ideal para o genérico de um programa de televisão dedicado a rodeos fodidos. Se pudesses compor uma música para o genérico de um programa de televisão, qual escolherias?

Eu gosto daqueles programas com os pontos altos dos jogos de hóquei no gelo. Eu gostava muito de hóquei no gelo e baseball quando era um jovem, e costumava graver todos os programas com esses pontos altos. Era um solitário. Uma estação de rock clássico de São Francisco teve a ideia de combinar relatos das grandes jogadas dos San Jose Sharks - quando a equipa de hóquei chegou aos play-offs desta época - com a hora Get the Led Out dedicada aos Led Zeppelin. Isso tornou a música Led Zeppelin bem menos deprimente e deixou-me completamente entusiasmado com o hóquei praticado pelos Sharks.

Tenho curiosidade em relação a como uma digressão pode diferir da outra pelo sentido crescente ou decrescente que assume, ou talvez por resultar ocasionalmente como uma montanha-russa cheia de altos e baixos. Como te sentes normalmente em relação aos ciclos das digressões? Existe um grande intervalo a separar a disposição com que encaras cada digressão?

Sim, andar em digressão é estranho. Eu gosto. Se achar que tocámos bem, sinto-me optimamente e pronto para curtir e, se achar que fomos medíocres ou aborrecidos, fico na merda e divirto-me sozinho. Sempre foi assim para mim.

Algumas descobertas recentes em termos de discos de sete polegadas?

Acabei de encontrar o single Panama dos Van Halen em que ele aparece agarrado a uma corda com um daqueles rádios enormes (boombox). Ofereci-o à minha namorada pelo aniversário. Adoro a música. Comprei também há alguns dias um single de Tickley Feather de que gosto muito. Adoro também os Eat Skull. Ultimamente tenho também curtido também uma cassete de uma banda do Kuwait que comprei numa loja de cenas importadas do Médio Oriente mesmo perto de minha casa.

Soube pelo John (Dwyer) que o tipo com que andaste ao soco no vídeo ”Holy Shit” dos Hospitals é, na verdade, o promotor do concerto. Toda a situação parece-me ser coisa de loucos. Achas que a abundância de bandas a tocar nos Estados Unidos faz com que sejam mais facilmente tratadas como merda pelos organizadores, comparativamente a como são recebidas na Europa?

Primeiro devo dizer que esse gajo era canadiano. O gajo não serve como exemplo para o tipo de promotores que encontras por aqui – é apenas um velho falhado… Sim, não sei ao certo referir as diferenças, mas diria que se trata essencialmente de uma questão de classe. Acho que existe um nível superior de classe e maneiras inerente à Europa, onde as pessoas têm maior consideração e apreciam o que fazes, ao contrário do que sentes nos Estados Unidos. Por exemplo, ao tocares em Seattle, é bem provável que o promotor que te convidou não se preocupe sequer em imprimir flyers para promover o concerto ou em ter uma refeição ou uma senha de bebida à tua espera. Que merda… Se uma banda forasteira chegar a Seattle, façam o favor de alimentá-la e arranjar um lugar onde possa ficar, porque eles não moram na cidade. E deixem de usar rabo-de-cavalo. Odeio Seattle.

Faz sentido que esse falhado seja canadiano porque o Nélson (da Filho Único) contou-me que ele tinha armado barafunda com os Black Lips em Toronto ou noutra cidade canadiana de que não me recordo. Sabes exactamente onde ocorreu aquela cena de pancada? O I’ve Visited the Island of Jocks and Jazz já tinha saído nessa altura?

Não, o disco ainda não tinha saído. Foi em Toronto, creio.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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