ENTREVISTAS
Júlio Resende
Coisas da Alma
· 26 Mai 2008 · 08:00 ·
Ele que tem o mesmo nome de um pintor, é também autor de algumas das telas jazz mais entusiasmantes que nos últimos anos surgiram em Portugal. Com Da Alma, Júlio Resende, nascido em Faro, tornou-se num dos músicos a ter constantemente debaixo de olho na área em que se move. Começou a tocar piano com apenas 4 anos e agora é o que se vê: além de possuir uma sensibilidade admirável na composição, foi também capaz de pegar em "Wise Up" de Aimee Mann e descobrir-lhe o jazz que muitos não terão visto - nem imaginado. Basta entrar em Da Alma para descobrir em Júlio Resende algum do excitante presente e futuro do jazz feito em Portugal. Em entrevista, Júlio Resende, aborda algumas das questões que mais interessam no caminho que percorreu até aos dias de hoje - com uma sinceridade notável.
É sabido que começaste a tocar piano aos 4 anos. Mas quando é que surge o interesse pelo jazz? E de que forma?

O interesse pelo Jazz surge ao descobrir, através de um disco emprestado por um amigo, que nesta música havia muito espaço para a improvisação. Porque improvisar sempre foi a minha expressão musical favorita “pois tocar de ouvido” e com o ouvido (que era uma coisa que eu fazia desde miúdo) é uma das ferramentas fundamentais para a prática do Jazz.

Dessas descobertas chegaste ao teu disco de estreia. Como foi gravar este álbum? Foi difícil encontrar-lhe o caminho certo?

Gravar um primeiro disco, como foi este Da Alma é sempre um momento especial e que queremos executar com todo o cuidado. Ora, as composições estavam prontas e o grupo já tocava junto há bastante tempo, logo não foi difícil encontrar o rumo ao disco.


Há uma série de músicos neste disco. Como é o processo de interacção com os músicos? Que liberdade é que lhes é dada?

Bem, o grupo estava rodado e em forma e como tal os convidados sentiram essa segurança, o que lhes permitiu também explorar mais possibilidades. Acho que a interacção foi muito positiva e catalisadora de abordagens mais frescas e livres à minha música. Fiquei muito contente com o resultado!

Para além dos temas próprios, salta à vista uma versão para a belíssima “Wise Up” da Aimee Mann. O que te levou a escolher a canção? Viste algum potencial jazzistico nela ou a questão não foi realmente essa?

Como tu disseste, a canção é belíssima já por si, com uma melodia vincadamente melancólica, obstinada, lírica. Achei que daria uma bela balada-jazz, e foi isso que executámos, procurando sempre manter a força lírica do tema.

Mário Laginha, Bernardo Sassetti e João Paulo Esteves da Silva são actualmente considerados os 3 maiores pianistas de jazz portugueses. Tocas inclusive com alguns deles, mas pergunto: é fácil ser-se pianista de jazz fora deste grupo de pianistas?

Não é fácil, mas pela melhor das razões, eles são músicos extraordinários, mundiais, e comparar-me com eles é sempre motivo para eu dizer a mim próprio “tens de ir para casa estudar (ainda) mais”. [risos] Aprendo muito com eles, e como sabes actualmente tenho um grupo com o João Paulo – os Happenning – o que é para mim uma grande honra.

Como vês esta nova vaga de músicos de jazz que tem surgido em Portugal mais recentemente? Lembro-me do André Fernandes, da Joana Machado, da Sara Serpa, por exemplo…

É muito bom e sinal de grande vitalidade que vão aparecendo todos estes músicos excelentes e que vivem uma dedicação intensa à música. Todos nós ficamos a ganhar, músicos e público.

Abriste recentemente o VI Portalegre JazzFest. Qual é a recepção ao jazz fora dos grandes centros urbanos?

Para muitas pessoas o Jazz continua a ser um enorme mistério, mas eu acho que este tipo de festivais têm ajudado a que haja uma compreensão mais alargada do Jazz e de todas as suas possibilidades musicais. E eu sinto que as pessoas querem descobrir o Jazz. Dentro do “Jazz” há muitas correntes diferentes e quem à partida não goste de um concerto de um género, não quer dizer que não adore um outro concerto de outro género.


Este novo disco surgiu na Clean Feed. Que análise farias do percurso da editora até aos dias de hoje e ao lugar que ocupa no jazz português?

A Clean Feed está de parabéns, pois como sabes, foi considerada pela AllAboutJazz uma das 10 melhores editoras de jazz do mundo em 2007. É um feito extraordinário que merece ser divulgado. Actualmente as duas editoras de jazz que temos (a outra é a Tone of a Pitch) são fundamentais para que os músicos jovens poderem ter um espaço de apresentação do seu trabalho, pois como sabemos as major editoras têm pouco ou nenhum espaço reservado ao Jazz.

Falando noutros temas, sei que leccionas num curso de piano. Tens encontrado alunos entusiastas na tua carreira como professor?

Sim! A malta que é aficionada pelo Jazz não gosta só, adora! E como tal, normalmente são bastante entusiastas.

Hoje em dia, que músicos ou discos e jazz te têm prendido a atenção?

Xiii! Há tantos músicos incríveis por aí… Olha, acho que é importante que se saiba que Portugal tem músicos tão bons (e muitas vezes melhores) como todos os outros países “lá de fora”. Por isso vão a uma loja, escolham uns discos portugueses, vão ouvi-los um pouco e garanto que vos prenderão a atenção!
André Gomes
andregomes@bodyspace.net

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