ENTREVISTAS
Thee Oh Sees
Espanta-espíritos
· 12 Mai 2008 · 08:00 ·
Reter a noção de que nunca se deve confiar num rocker é o primeiro dos passos rumo à aceitação de que John Dwyer é actualmente uma das mais exactas personificações da inconformidade mantida a custo por uma restrita América zelosa do verdadeiro e mais carismático rock cultivado entre fronteiras. Assim resulta o efeito John Dwyer, independentemente das bandas que decidir colocar de pé ou desintegrar num estalar de dedos, dos conflitos que instala entre colaboradores (e dos feudos prolongados que tantas vezes sucedem a isso), da sua convicção de suicida e não de uma tentativa de suicídio. Repare-se até nas semelhanças físicas que John Dwyer mantém com o actor de culto Crispin H. Glover (o pai McFly de Regresso ao Futuro) e como ambos são duas individualidades intrigantes ao ponto de isso provocar comichão cerebral.

Retomemos então à ponta do fio tal como solto antes da comparação: isto porque vale a pena relembrar que a boa tirania de John Dwyer ditou que a pacificação stoner e folk adormecida sobre a relva, tal como escutada ao anterior Sucks Blood dos The Oh Sees, desse agora lugar ao rock de monstro tresloucado e evadido da jaula, conforme se descobre à novidade The Master’s Bedroom is Worth Spending a Night In a cargo do bando entretanto renomeado Thee Oh Sees (tendo sido o e acrescentado em nome do novo êxtase, encavalgamento, ensejo). O inominável e estupendo eco “maior que a vida” continua também por aqui (com o bónus de conhecer novamente a produção de Dave Sitek dos TV on the Radio que havia já tornado mais fantasmagórica a atmosfera de The Cool Death of Island Raiders). Quanto a John Dwyer, já se sabe, a sina é a mesma: deita as mãos à guitarra como uma criatura que não deu conta da pelugem e garras afiadas adquiridas assim que o pêndulo indicou as doze badaladas no relógio. Faz isso com que o John's way e o hard way sejam essencialmente a mesma coisa. Em que ficamos, então? Por agora, ficam todos convidados a pernoitar na suite do mestre John Dwyer para saber que malícias tem a partilhar nas seguintes respostas.
Acreditas que o facto de terem cumprido algumas das sessões de gravação do novo disco em Nova Iorque, numa altura em que se encontravam a meio de uma digressão norte-americana, ajudou-vos a dar um melhor uso à boa forma e entrosamento acumulados nos concertos? Tinham já tentado regularmente algumas das músicas que levaram para estúdio?

Foi certamente bom andar a tocar as músicas a cada noite, porque já as conhecíamos de trás para a frente, mas, ironicamente, as que acabámos por trabalhar nessas sessões nem sequer tinham vindo a ser tocadas em concerto – acabámos por “amanhá-las” na hora quando entrámos em estúdio com o Dave (Sitek) e o Chris (Woodhouse).

Como se sucedeu a produção do Dave Sitek nas faixas incluídas no novo disco? Apreciavas peculiarmente alguma das suas produções anteriores?

Há alguns anos, ele dirigiu-se a mim num concerto em Nova Iorque, em que eu ia tocar apenas com um baterista, e mostrou interesse em colaborar connosco assim que regressasse de uma viagem até ao deserto, onde iria estar por uns tempos para refrescar as ideias. Quem o conhece sabe bem que essa necessidade é compreensível para alguém como ele que é mesmo obrigado a espairecer a mente uma ou duas vezes por ano. O gajo é mesmo intenso. Gosto de tudo aquilo em que se envolve. Ele surge com ideias que não correspondem ao meu método de trabalho, o que pode ser um enorme alivio quando estás em estúdio...

E como foi ter o Chris Woodhouse a gravar-vos em São Francisco? Ouvi dizer que estava semi-retirado do mundo da música ultimamente. Tinhas já apreciado o trabalho dele quando gravou as tuas guitarras incluídas no The Island of Jocks and Jazz de Hospitals?

Também ele é um mestre – tem uma nova banda chamada The Mayyors que é uma cena brutal. O cabelo dele quase cobre por completo as manobras radicais que faz numa guitarra. Gosto dele pela forma como pega num registo gravado como se fosse ao vivo e transfere isso para fita – um método que não está ao alcance de todos e que nem sequer deixa todos à vontade.

Já gravaram algum material novo desde aí?

Estão prestes a sair dois singles e um EP que gravámos com o Chris por essa altura. Além disso, existem também três novas músicas em desenvolvimento que estão ainda por gravar.

Continuaram a desenhar monstros entre a conclusão do Sucks Blood e o início das gravações de The Master’s Bedroom is Worth Spending a Night In? Descobres especial inspiração num dos monstros daquele período clássico da Universal?

Eu desenho quase exclusivamente monstros. Em resposta à segunda questão, tenho mesmo de referir que o Lobisomem teve um enorme impacto em mim enquanto criança, ao ponto de eu desejar ser um. Teria sido a cena mais fixe. Contudo, não tenho praticamente pêlo no corpo. Nem sempre podemos ter aquilo que desejamos.

Foi surpreendente testemunhar as reacções da Brigid às exigências do novo disco ou tinhas já consciência total da versatilidade assumida pela voz dela?

Ela surpreende-nos a todos. Quando pega numa canção, tem sempre a sua própria abordagem que leva muitas vezes a ideia inicial por uma direcção totalmente inesperada. Adoramos a Brigid.

Músicas como “Quadrospazzed parecem mais abertas à possibilidade de se tornarem mais longas quando tocadas ao vivo? Sentem-se ultimamente mais tentados a tentar alongar as jams tendo estas novas canções por base?

Temos ultimamente, enquanto banda, soltado as rédeas às canções pop e seguiremos nessa direcção daqui em diante. Muito por causa do nosso baterista Michael Shoun que instala as fundações para as movimentações mais soltas. Estamos quase sempre a persegui-lo nessas circunstâncias.


Podias esclarecer-me um pouco mais quanto aos field recordings incluídos no Sucks Blood?

Tudo isso foi da responsabilidade do Patrick Mullins. Fez algumas das gravações num campo situado nas traseiras da nossa casa. Sendo que os espanta-espíritos e aviões foram todos momentos de sorte que ele captou.

Como foi tocar no festival SXSW este ano? Tiveste a oportunidade de ver algumas outras bandas?

Foi divertido. Eu adoro estar na Beerland. É sempre uma daquelas salas que instantaneamente proporciona um grande espectáculo em vez de um espectáculo em que tudo é estático e todos os presentes estão entediados. É como estar em casa fora de casa. Tivemos a oportunidade de conhecer o Bruno Wizard dos Homosexuals, embora não os víssemos a tocar. Vi os Eat Skull. Foi do caralho. Recomendo-os vincadamente. É o Rod (Meyer) que toca guitarra. O guitarrista original dos Hospitals. O gajo arrasa.

E o que nos reserva ainda este ano em termos de outros projectos teus?

Existe um álbum de Yikes que deve ser lançado por uma label alemã. Tenho também um novo projecto que tem merecido todo o meu entusiasmo:The Drums, que sou eu e um tipo chamado Anthony, que fazia parte dos Easy Tiger, a tocar numa mesma bateria e a cantar. Sem guitarras. Esperamos gravar alguma coisa em breve.

Quão excitante e divertido foi gravar aquele EP dos Yikes para a label Kill Shaman?

A Kill Shaman é fantástica. Ainda assim, a banda estava amaldiçoada. Três companheiros, muitos problemas. Mas agora todos nos damos bem desde que ninguém pegue num instrumento. Acho que a música transparece o sentimento geral das sessões de estúdio, concertos e ensaios. Sombria e merdosa.

Estás de alguma forma entusiasmado com o facto do Brian Chippendale (baterista de Lightning Bolt) vir a tocar no próximo disco de Lee “Scratch” Perry?

O Brian merece todo o crédito do mundo. Velho amigo que, conforme qualquer um pode comprovar, invoca até ao seu corpo alguns deuses da bateria ou merda parecida. Ou seja, o Lee Perry fumará montes de erva e o Brian não. Estou interessado em ouvir isso, sim.

Não consigo resistir a perguntar-te acerca de qual era a real intenção daquele mitra quando pegou no microfone antes daquele lendário momento se tornar na situação “Holy Shit” que encontramos no DVD dos Coachwhips?

O gajo nem sequer era um mitra. Era o promotor do concerto. Chamava-se Dan qualquer coisa. Acho que estava a tentar interromper a actuação. Ainda hoje não sei ao certo.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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