ENTREVISTAS
Aa
Alquimistas Anónimos
· 13 Dez 2007 · 08:00 ·
Divide-se como um átomo a experimentação a que se dão algumas das bandas de Brooklyn e GAaME parece-se muito com um apanhado lúdico do momento exacto em que alguém perdeu as rédeas à radiação de tal operação. Responsabilize-se por tal capricho e descuido uns Aa que têm no tal GAaME uma efervescente prova de que os mais ricos segredos de um disco podem bem residir numa profundeza que só se alcança após demorado convívio. A tal adaptação obriga um dicotómico conjunto de exercícios situados algures numa quinta dimensão ocupada por primitivos ataques de precursão colérica – a característica que salienta o nome dos Aa - e um enorme corpo gasoso que se limita a ser textura vaga nos seus contornos. O multi-instrumentista John Atkinson é presença de peso nos Aa e GAaME o inevitável tiro de partida para a conversa transatlântica.
Têm trabalhado em algum material novo ultimamente?

Sim, dois terços dos nossos concertos giram, por esta altura, em torno de novo material, que começámos a gravar em estúdio em Outubro. Esperamos ter o próximo álbum pronto no próximo Verão e talvez lançar um EP algures nesse período de espera.

E em que direcção têm rumado as novas faixas? As recentes sessões têm contado com alguém que não tivesse marcado presença no GAaME?

Algumas das novas músicas incorporam alguns dos elementos mais melódicos e “pop” que alguma vez criámos, e outros que muito mais abstractos e electrónicos. Julgo que todo o som se tem tornado, em geral, mais sintético e digital. Julgo que isso faz sentido. Em termos de novos membros, temos uma novo baterista: o Josh Bonati que substitui o Mike Colin, um dos principais baterista no GAaME, que, agora, está a estudar medicina em Telavive. Na verdade, o Josh substituiu bateristas temporários: o Hank Shteamer dos Stay Fucked e o Nick Lesley dos Necking, que, por sua vez, ocuparam a vaga que sobrou na temporada entre a partida do Mike e o Josh, que – graças a Deus – parece estar destinado a ser permanente.

O esforço dedicado ao disco e DVD aglomerados no GAaME parece-me evidente sinal de que acumularam a quantidade exacta de material de qualidade que pudesse representar o trabalho desempenhado durante os últimos anos. Em que altura exacta adquiriram consciência de que o GAaME estava pronto para sair? Sofreu algum impasse devido a dilemas?

Bem... A primeira metade do disco foi maioritariamente baseada no que tocávamos ao vivo e a maioria da segunda partiu de experiências de estúdio que demoraram mais tempo a ganhar forma. Mas toda a música foi feita em Março de 2006 e manteve-se num certo impasse, tal como referes, enquanto transitámos da label Narnack para a Gigantic. A Gigantic dispunha de um maior orçamento e estava disposta a lançar o disco com CD e DVD. Atendendo à demora implicada pela troca de label e lançamento do disco, achámos que o melhor seria mesmo reunir algo que realmente documentasse os primeiros 3 ou 4 anos da banda. É muito especial para mim ter o disco lançado, tal é a quantidade de excelentes momentos que vejo reunidos no mesmo, a partir de uma perspectiva pessoal.

A “Flag Day” parece instalar uma sensação de confronto, através daquela transição que a leva daquela faceta space is the place muito Carpenter até àquele explosivo contágio tribal. Acreditas que o GAaME evoluiu a partir do saltitar entre géneros ou mais através da colisão entre esses?

Acho que tentamos dar às pessoas um pouco de tudo, ou, pelo menos, todo o tipo de música que gostamos. Não necessariamente em simultâneo, mas como se fosse um DJ set que exige alguma atenção às suas movimentações. O álbum, enquanto um todo, foi estruturado de modo a que cada faceta dispusesse de uma maior quantidade de espaço – a primeira metade é mais agitada, enquanto que a segunda é mais paciente e meditativa. Queria que se parecesse com os álbuns do David Bowie como o Heroes ou o Low, que quase parecem dividir-se em dois discos diferentes, ao reservarem o lado A ao rock e o lado B aos mais experimentais instrumentais com a mão do Brian Eno – mesmo assim, mantendo a ideia de que ambos foram criados na mesma atmosfera.

Consegues imaginar-te, num futuro próximo, exclusivamente dedicado a um disco próximo dessa estética Eno que referiste?

Definitivamente. Quero gravar muito material desse género neste Inverno e ver onde isso vai dar.


A “Flag Day” também parece estar repleta de energia espontânea, não achas? Aquele tipo de energia que se obtém a uma “pica” súbita. Existem algumas ocasiões recentes que te tenham feito desejar fazer música logo após um momento de maior impacto?

Isso acontece-me constantemente, embora não me consiga lembrar de um exemplo especifico. Não posso obviamente falar por todos os membros da banda, mas eu sou uma pessoa um bocado temperamental – atravesso períodos em que tenho contida alguma energia irritada que desejo expressar, e outros em que me sinto muito menos cinético e mais meditativo. Sou muito sensível às estações. Agora que ficou muito frio em Nova Iorque, creio que vamos compor música mais sombria. Agora que penso nisso, a porção mais sombria e atmosférica da segunda metade do GAaME foi maioritariamente elaborada no Inverno, acho eu.

E que parte de GAaME foi transformada a partir de jams mais longas?

A maior parte das músicas que tocamos ao vivo começam como jams que vamos limando durante alguns meses até chegarem ao ponto de incluir apenas as partes com que todos concordamos, o que leva a que algumas se transformem em nada no fim. A segunda – e mais experimental - metade do álbum emergiu a partir de jams em estúdio, em que gravámos coisas sem noção apurada da direcção e que depois desenvolvíamos em casa. Acho que isso não é bem uma jam, porque, afinal, não estávamos todos a tocar em simultâneo, mas envolveu uma grande dose de improvisação.

Eras capaz de apontar duas peças especiais de equipamento e que funções assumiram no GAaME?

Usámos uma bateria Africana na “Fingers to Fist”, que tem um som único e lindo – é uma das minhas favoritas no disco. O resto foi feito com o nosso equipamento habitual: teclados, samplers e programas de edição de som.

Sei que a seguinte pergunta pode entrar por um terreno que é suposto manter em segredo, mas o refrão dessa “Fingers to Fist” não inclui também vozes dos TV on the Radio? Provavelmente estarei a alucinar...

Não quero dizer que estejas a alucinar, mas não existem vocalistas convidados na faixa – somos apenas nós.

Acho isso curioso. Demonstra verdadeiros dotes vocais. Como atingiram a harmonia daquele yeyey-hey-hey? Cantaram todos em vários tons ou usaram algum truque de produção?

Não houve truques produção além do uso de múltiplas pistas de gravação. Acho até que a maioria das pistas combinadas nessa harmonia contam só com a minha voz. Sem mudanças de tom ou coisa parecida.

Que outros lançamentos têm além do GAaME?

Existe um EP homónimo na Narnack, lançado há alguns anos, e um lado incluído num triplo LP lançado pela Deathbomb Arc este ano e que reunia seis bandas com muita percussão. Não sei se esses continuam disponíveis. Cada álbum foi gravado com um diferente conjunto de pessoas porque a banda tem vindo a sofrer mudanças durante os últimos anos. Todos os discos têm um carácter distinto – o EP na Narnack era especialmente lo-fi e totalmente gravado em casa. O próximo disco será também diferente do GAaME. Acho que vai ser mais colorido.

Existe alguma outra banda do catálogo da Gigantic que gostasses de destacar?

Os Dragons of Zynth, claro. Tocámos com eles numa série de concertos durante a digressão da anterior Primavera e eu gostei realmente de vê-los a cada noite. São mais uma daquelas bandas que procuram oferecer uma série de diferentes géneros: glam, soul, punk, reggae, showgaze, noise. Tudo isso de uma forma única e íntegra.

Fala-me um pouco da experiência organizada pelos Boredoms que reuniu os 77 bateristas em Brooklyn? Como te sentiste ao estar tão perto do centro do círculo? Foi intenso?

Esse dia foi completamente mágico. Acho que todos se sentiram privilegiados por fazer parte daquilo, enquanto bateristas ou membros do público. Existem inúmeras performances em Nova Iorque, mas esta parecia mesmo especial, quase como se fosse uma oportunidade única na vida. Nunca ouvi as baterias soarem tão poderosas – era possível ouvir o eco que partia do Brooklyn Bridge Park.

O vosso nome está relacionado com a música de Crass “Big A, Little A”? Gostas de Crass?

Sim, acho que uma parte da inspiração surgiu daí. O Aron e o Nadav são mesmo fãs, embora eu não os tenha escutado muito, o que acaba por ser um pouco embaraçoso. Nem sequer conheço a música!

E achas que o duplo A do nome pode ajudar-vos a ficar à frente nos sistemas de catalogação ou, pelo contrário, parece-te uma desvantagem pela confusão que pode gerar nos sistemas de busca e tudo isso?

Ambas essas constatações são certeiras. Não sei exactamente que balanço fazer disso, mas seria muito interessante ficar a saber.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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