ENTREVISTAS
Mylene
Português Suave
· 14 Nov 2007 · 08:00 ·
A sua porta de entrada definitiva em Portugal foram os Madredeus. Apesar de ter tido existência no nosso país enquanto parte do grupo Téléphatique, foi com a banda de Teresa Salgueiro que Mylene chamou a atenção dos portugueses pela primeira vez. A brasileira assinou um disco de versões dos Madredeus (com o título Não muito distante)e deu a essas canções um ritmo tipicamente brasileiro. As novas roupagens agradaram tanto a Teresa Salgueiro como Pedro Ayres Magalhães, que se tornaram desde logo padrinhos de Mylene em Portugal, que agora vive entre a música e a literatura. Em entrevista ao Bodyspace, Mylene conta um pouco mais desta curiosa história de existência musical em Portugal.
Como nasce a ideia de fazer um disco apenas com canções dos Madredeus. Quando é que a banda entrou na tua vida? Como é que essas canções entraram no teu imaginário?

Primeiro de tudo, a ideia nasce da própria semelhança entre a Música Brasileira (em suas raízes primárias) e a Música Portuguesa. A chamada MPB (Música Popular Brasileira) é toda baseada em conceitos rítmicos e melódicos da música medieval ibérica, acrescidos dos batuques africanos e, em menor escala, da sonoridade musical dos índios – que infelizmente foi ofuscada pela presença da Inquisição e dos jesuítas naquela tal "Terra Brasilis". Assim é a nossa História. Os arranjos que criamos para as letras e as melodias dos Madredeus, como se pode comprovar no disco, são mesmo nascidos da presença arcaica que o rico imaginário dos portugueses deixou no Brasil. A banda entrou na minha vida já desde o primeiro show que eles fizeram, em 1993, e por acaso nesta época eu vivia uma grande crise pois queria ser cantora mas andava na faculdade e minha família não gostava nada dessa ideia da Mylene "não ter uma profissão". E assim um dia vi o show dos Madredeus, e fiquei encantada com aquela cena, e isso gerou boas energias para a minha decisão, dois anos mais tarde, de fazer e viver de música. Depois dessa decisão, decidi estudar os ritmos brasileiros e conhecer a MPB e a minha escolhida profissão mais a fundo. E no meio dessa minha pesquisa, eu iria reencontrar os Madredeus novamente, porque depois de aprender sobre o samba, sobre o chorinho, o forró, o maracatu, o xote etc, eu comecei a perceber que a música dos Madredeus se encaixava completamente nesse cenário. E que descoberta!

Como é que os brasileiros em geral se relacionam com a música dos Madredeus? Tens alguma noção disso?

Sim, os Madredeus são uma banda de culto no Brasil. No entanto, o mercado brasileiro é um mercado de massas, onde alguns artistas chegam a vender milhões de cópias, por essa razão, não dá para dizer que eles são "famosos", mas têm lá os seus fiéis fãs.


Foi difícil dar um ritmo brasileiro a temas tão melancólicos e tão portugueses? Como foi o desafio de moldar as canções à realidade brasileira?

À primeira vista, parece muito difícil que estes temas que você chama de melancólicos e tão portugueses possam ter uma roupagem tropical, mas para mim não foi tão complicado assim, meu entendimento com o produtor do álbum, Fernando Nunes, foi tão completo que às vezes pensávamos a mesma coisa ao mesmo tempo e quase sempre tínhamos ideias muito semelhantes sobre os arranjos e para onde aquelas músicas nos levavam. As melodias, as letras, as harmonias e às vezes até o jeito de alguns dos membros dos Madredeus tocar o seu instrumento conduziam-nos directamente ao ritmo brasileiro que queríamos usar. E tudo aconteceu de forma bem tranquila. Nós ouvíamos as canções originais com muita atenção e ao final delas, eu e o Fernando pensávamos, esta é um samba, esta é uma bossa-nova e assim por diante.

Como foi a gravação do disco propriamente dito? Como foram aqueles dias?

Foi muito intenso o processo de gravação. Primeiro porque gravamos em 3 cidades diferentes e andávamos de aeroporto em aeroporto. Mas isto também foi positivo, porque cada um dos músicos morava num lugar diferente e podia trazer o seu próprio tempero para o disco. Em Salvador, gravamos as percussões, aliás como tinha de ser, porque Salvador é uma cidade muito alegre, muito percussiva, muito africana. Foi lá que o álbum começou a tomar forma e os ritmos brasileiros ficaram mais presentes. Depois ficamos entre o Rio de Janeiro e São Paulo, gravando guitarras, violoncelo, acordeão e outros instrumentos como a guitarra portuguesa, banjo, cavaquinho, requinto, etc. O momento de colocar as vozes também foi muito emocionante para mim, pois até então, os arranjos para cada música só existiam na minha cabeça e iam tomando forma a cada sessão de gravação. Mas depois, no final de tudo, ter tudo aquilo nos phones, ao alcance dos meus ouvidos, para ser registado por mim, em definitivo, foi mesmo encantador... Gravei tudo com a emoção à flor da pele, chorando quando precisava chorar e rindo, quando precisava sorrir.

Como é que foi depois encontrar editora para o disco? Ou existia já um acordo? Como é que surge a Farol?

O acordo já existia com a Elec3city, que apostou no projecto desde o início. A Farol surgiu depois, para distribuir.


Como reagiste ao ler o press release escrito pelo Pedro Ayres Magalhães? Como foi ler aquelas palavras?

Fiquei sem palavras. Aquilo foi o melhor presente de todos, o verdadeiro bálsamo. Não quis acreditar quando li pela primeira vez. E costumo dizer que mesmo que nada acontecesse a esse projecto, mesmo que esse disco se perdesse no meio de tantos outros que existem nas lojas para serem vendidos, ainda assim, para mim teria valido a pena, só por causa desse texto do Pedro. Ele pareceu perceber que aquilo que eu e os meus músicos fizemos veio mesmo do fundo dos nossos corações.

A Teresa Salgueiro também deu a sua opinião acerca do que ouviu no teu disco?

Sim, ela também adorou. Queria fazer a promoção comigo, e deu todo o apoio. E depois, convidei-a para cantar comigo na noite de lançamento do meu livro O amor que tu me tinhas e ela aceitou. Foi um momento mágico da noite.

Ao mesmo tempo que lançaste um disco com versões dos Madredeus a Teresa Salgueiro lançava um disco com cheiro a Brasil. Já ouviste o disco. O que te pareceu?

O disco é lindo, adoro o repertório do Você e Eu. Ela soube escolher as canções como faria uma cantora brasileira que verdadeiramente conhece a bossa nova e viveu aquela boa fase da música brasileira.

Porque é que escolheste “Não muito distante” para título do disco? Tem alguma coisa a ver com a proximidade (ou falta dela) entre Portugal e o Brasil?

Sim, primeiramente porque é título de uma das faixas do disco, uma canção que eu gosto muito. Nós transformamos a “Não Muito Distante” numa milonga e eu adoro a letra, que diz “Eu queria mais alegria, isso é que eu queria”. Isso tem muito a ver com os portugueses, mas também muitíssimo com os brasileiros. Diz-se que o povo brasileiro é um povo muito alegre, mas só Deus sabe quanto aquele povo sofre! E depois, claro, porque a distância que nos separa de Portugal é mesmo muito pequena.

Estiveste há algum tempo em Portugal a promover o teu disco. Já conhecias o bem o país? Como te parece o estilo de vida dos portugueses comparado com o dos brasileiros?

Eu estou vivendo em Portugal desde quando voltei do Brasil com o álbum pronto e pretendo ficar aqui até o final deste ano, de 2007. O estilo é muito diferente, não há qualquer comparação possível, poderia até arriscar que são povos que caminham em direcções opostas.


Na tua biografia musical faz também parte um projecto chamado Téléphatique, dado a territórios mais electrónicos. Em que ponto está esse projecto?

O álbum dos Téléphatique Last Time on Earth está aí no Brasil agora, pelo selo Urban Jungle, um selo voltado para a cena urbana da cidade de São Paulo. Estamos muito contentes com isso. Nós tocamos muito em Portugal e também fora no ano passado e depois o Erico (DJ Periférico) precisou de voltar ao Brasil e eu fiquei aqui levantando o projecto “Não Muito Distante”. Fizemos essa pequena pausa, mas agora volto ao Brasil no fim do ano para promover o álbum lá. E também começaremos a gravar um disco novo, que é a nossa intenção para 2008.

Além da música, parece que também queres que a literatura faça parte da tua vida. O teu primeiro romance, que tem como título O Amor Que Tu Me Tinhas está aí. O que é que nos podes contar acerca deste lançamento?

O livro estava pronto desde o ano passado, aliás terminei as últimas páginas aqui em Lisboa. Não estava muito certa de que iria publicar, mas por curiosidade enviei ao Vasco Santos, da Editora Fenda, e ele disse: vou publicar. Eu adoro ler e escrever. Pretendo ter a carreira de escritora, paralelamente à de cantora.

Agora uma pergunta extra musical. É fácil perceber que és fã de tatuagem. Como começa isso? É suposto ser de alguma forma o reflexo do que tu és?

Tatuagem é um vício, quem tem sabe do que falo! Para ser sincera, não sei de onde vem esse meu desejo de ter desenhos no corpo, mas as minhas tattos com certeza reflectem traços da minha personalidade. Pretendo fazer outras, já tenho mil ideias na cabeça!
André Gomes
andregomes@bodyspace.net

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