ENTREVISTAS
Valerio Cosi
Guiado pelo saxofone
· 05 Nov 2007 · 08:00 ·
Valerio Cosi é um quase-prodígio italiano. Com apenas 22 anos, é dono de um discografia variada, que atravessa diversas músicas (o jazz à cabeça, mas também ragas, krautrock, folk virada do avesso, psicadelia variada) e abordagens (ruído e melodia, improviso e estrutura).

Em Janeiro vai partir em digressão europeia com os nossos Loosers, banda com a qual encontrou uma ligação espiritual que ultrapassa fronteiras. Foi, aliás, na Ruby Red, de Tiago Miranda, dos Loosers, que lançou o seu último disco em nome próprio, o belo Freedom Meditation Music, Vol. III. Prepara-se para lançar, em Dezembro, "Heavy Electronic Pacific Rock", o seu primeiro CD (depois de muitos CD-R) a solo, na Digitalis Industries.
És muito novo. Quando e como é que começaste a fazer música?

Tenho 22 anos e toco desde criança. A minha infância foi totalmente influenciada pelo meu irmão, que é 10 anos mais velho do que eu e me introduziu a muitos vinis rock (The Lamb Lies Down On Broadway [clássico dos Genesis] mudou completamente a minha vida!). Costumava tocar bateria quando tinha nove anos, toquei numa banda rock muito normal aos 18 anos enquanto vivia na minha pequena vila e comecei a tocar saxofone alto aos seis ou sete.

Comecei a fazer a minha própria música (electrónica a solo e manipulações de cassetes) em 2001. A música era feita sobretudo por instrumentos gravados em camadas e várias atmosferas. Um exemplo muito forte e negro desta fase pode ser encontrada no CD-R, editado pela francesa Ruralfaune e ainda disponível em algumas distribuidoras, chamado The Three Faces of Moongod. Gravei-o num gravador de quatro pistas quando tinha 17 anos.

Tiveste alguma formação de saxofone?

Concluí a formação num conservatório apuliano há alguns anos. Descobri que a intuição é uma força natural que aparece lentamente no coração de qualquer artista. Se estamos a falar de música, a intuição faz-te tocar melhor e de uma forma mais interessante para ti mesmo e para os teus ouvintes

Que referências principais tens no que toca ao saxofone?

Adorei muitos saxofonistas desde sempre, mas as minhas principais influências são seguramente estas: John Coltrane, Peter Brotzmann, Albert Ayler, Kaoru Abe e Ornette Coleman... Tenho que dizer que Ayler permanece ainda como um enorme ponto de referência em termos dos temas e as estruturas melódicas improvisadas.

Vais tocar com os Loosers. Eles são talvez a melhor banda a nascer em Portugal nos últimos anos. Como é que isto aconteceu?

Bem, o Tiago perguntou-me se eu queria juntar-me à banda na digressão e eu disse logo "Sim! Fantástico". Descobri a banda através do catálogo da Qbico de 2006. O vinil dele [ Bully Bones of Belgie] era mesmo alegre e louco - adorei-o logo. Acredito que o encontro das nossas mentalidades e sons resulte em algo divertido. Estou muito ansioso por andar em digressão com eles.

Há outras bandas portuguesas de que gostes?

Nos últimos anos ouvi bastante Osso Exótico e Rafael Toral, mas recentemente descobri os CAVEIRA, os DOPO, os Fish & Sheep, os Tropa Macaca (LP maravilhoso na Ruby Red!) e um projecto ligado aos Osso Exótico chamado Curia. São todos fantásticos! É uma cena que está a crescer bastante e estou bastante excitado para ver surgir mais artistas portugueses.

Tocas a solo mas pareces uma banda inteira. Tiveste alguma experiência de bandas, para além dos projectos que manténs, como os Pulga?

Nunca tive a hipótese de tocar numa banda que fosse mesmo boa, por isso é que caminho sozinho. A razão pela qual comecei a fazer música que soa a uma banda é uma consequência óbvia da minha pesquisa constante das possibilidades a solo ao longo dos anos. Fazer overdubs de mim mesmo várias vezes tem sido um processo espontâneo, que me levou a estes resultados.

Quanto aos Pulga, eu e a Vanessa temos diferentes formas de criar e manipular sons. Ela está muito ligada a um mundo sonoro alucinatório que pertence à música free folk na sua forma mais extrema (mesmo que ela se mova no campo electroacústico). A minha forma de conceber música é mais estruturada. Pulga casa na perfeição estas duas vertentes, o que me satisfaz muito.


A maioria dos teus projectos com outros músicos parecem ser colaborações à distância. Gostas desse processo? Estás aberto a aceitar colaborações de pessoas que não conheces?

Gosto muito disso, podes ter muito em comum com pessoas com ideias diferentes. É um processo muito estimulante. Tenho que admitir que alguns colaboradores são grandes amigos, como o Brad Rose, o Wilson Lee, a Vanessa Rossetto. Costumamos falar sobre tudo, somos primeiramente amigos e só depois colaboradores. Estou também aberto a música estimulante que surja de pessoas desconhecidas.

Encontro na tua música uma tensão entre melodias simples e limpas, produzidas no saxofone, por exemplo, com camadas mais ruidosas e abstractas. Procuras esse balanço?

Gosto muito de fundir géneros, sons e estilos. Todo este processo justifica o meu trabalho e faz-me sentir mais livre ("free") do que free jazz (que pode ser às vezes uma perigosa limitação auto-imposta).

Adoro criar tensões na música. Qualquer som ou melodia precisa de ter algum impacto psicológico no ouvinte. Quero mesmo comunicar algo diverso e especial às pessoas, algo que pertence à minha alma.

A tua música tem elementos de raga, krautrock, alguma folk, jazz, tudo numa mistela psicadélica. Como é que vês estes diferentes estilos a comunicarem entre si?

Acho que podes operar com um único instrumento em muitos géneros de música diferentes, é como ter um guia fixo numa viagem longa. Neste caso, tenho um saxofone, que é o guia que me ajuda a explorar todas as tipologias do som.

Vês-te como um músico jazz? Ou, reformulando, qual é a tua definição de jazz?

O jazz é algo que muda todos os dias, que cresce constantemente. Podes encontrá-lo em todo o lado. Também acho que ter poucas regras e muita liberdade e diversão… bem, isso significa fazer "jazz". Por isso, ficaria muito satisfeito se me classificasses como um "músico jazz".

A Ruby Red lançou o Freedom Meditation Music, Vol. III, o teu último disco a solo. Como é que vês esse disco no contexto da tua discografia? Achei-o muito diferente de um disco como o And The Spiritual Committee [também lançado este ano, mas na Foxglove], por exemplo.

Freedom Meditation Music, Vol. III é uma contaminação estranha de música africana, divagações noise e exploraçõe à Sun Ra, mas também tem os seus momentos mais drone. É talvez o disco mais duro dos três [da trilogia]. Gosto muito dos resultados. And The Spiritual Committee é talvez uma aventura mais psicadélica.

Os My Cat is an Alien (MCIAA) são provavelmente a banda underground mais conhecida de Itália. Como é que é o resto da cena?

Os MCIAA construíram o caminho deles no fim dos anos 90. A maneira de eles fazerem música é absolutamente importante e muitos indiesters têm que reconhecer isso. Li algures que eles são os "filhos perdidos de Sun Ra". Que bela definição do trabalho deles. Gosto muito de Fabio Orsi, Gianluca Becuzzi, Stefano Pilia, ThrouRoof, Donato Epiro e um novo talento em ascenção chamado Luigi Turra. Penso que estes são os melhores frutos nacionais. Queria sugerir algumas editoras: A Silent Place, Palustre, Akoustic Desease. Deixem-nas crescer!

Pelo que vejo, tens uma relação especial com o Brad Rose e com o império de música boa que ele montou. Como é que isso aconteceu?

Conheci o Brad em 2005, quando estava à procura de uma editora para lançar o meu disco Immortal Attitudes. Enviei uma versão não acabada ao Brad que adoro logo à primeira audição. A partir daí falamos sobre um lançamento na Foxglove. Foi o meu começo a sério! O Brad é uma pessoa mesmo importante na minha vida porque ajudou-me imenso a fazer o meu nome. A minha relação com ele transformou-se numa amizade a sério e fico muito contente com isso.
Pedro Rios
pedrosantosrios@gmail.com

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