ENTREVISTAS
M. Takara
Conta recheada
· 11 Set 2007 · 08:00 ·
Na ponte que estabelece entre figuras internacionais merecidamente prestigiadas e alguns dos mais cativantes músicos da sua pátria brasileira, Mauricio Takara tem sido pouco menos que um fenómeno a que não se descobre o fim do fôlego criativo. Tem, enquanto ponto de contacto desse intercâmbio, conseguido também alternar e cruzar as linguagens respeitantes ao sentimento de euforia e celebração tipicamente brasileiro e o que de mais sofisticado se vai fazendo na electrónica do seu país, que bem pode exportar o progresso que se descobre a discos em nome próprio como Com Chakas e Jon e o recém-editado Conta. A versatilidade excepcional e sensibilidade camaleónica de M. Takara tornam-no imediatamente num músico de eleição que conta já com um currículo que fará com se prolonguem além das 2 horas da madrugada as histórias contadas a netos. Muito haverá a relatar acerca da associação livre entre São Paulo e Chicago partilhada com o impressionante cornetista Rob Mazurek no projecto São Paulo Underground, contributo sólido nos Hurtmold e Instituto, conspirações mangue junto dos Nação Zumbi e Otto, tratados amigáveis assinados com Damo Suzuki e Scotty Hard (subestimado produtor da escola Crooklyn da Wordsound), sincronização de anomalias em glitch no já citado Com Chakas e Jon. Antecipando-se aos netos, o Bodyspace pediu a Takara que nos contasse a história da actualidade que, nas suas mãos, não há-de estagnar.
Em que projectos te tens envolvido ultimamente?

No momento, estou a trabalhar numa banda-sonora para ser apresentada ao vivo para o filme alemão da década de 20 chamado A igreja do diabo. Acabei de fazer uma série de concertos em São Paulo com São Paulo Underground e estamos a terminar o disco novo que deve sair no fim do ano. O disco novo de Hurtmold sai em Setembro. Além disso, tenho feito concertos a solo para promover o meu último disco Conta.

No que respeita ao Conta, podias seleccionar dois samples basilares e detalhar um pouco o processo de selecção e integração dos mesmos no disco?

Um sample bem forte no disco está na primeira música “Umas". É um coro de vozes que eu montei a partir da reconstrução de um sample da Jovelina Pérola Negra, que é uma cantora de samba antiga daqui. O coro acabou por se tornar o tema forte da música e deu origem a todo o resto do arranjo. Outro sample importante está na música "Meu mundo numa quadra" - são algumas frases recortadas da Maria Bethânia e que deram um clima bem forte de encerramento ao disco, um clima meio de despedida para essa que é a ultima música.

Parece-me que neste disco assumes aquela tendência para adornar e colorir o espaço que rodeia um sample central que tenha impacto. Essa vontade já vinha um pouco de trás, não é verdade? Admites por aqui a influência da música javanesa / gamelan?

Acho que sim. Isso acontece de forma natural e espontânea, mas faz sentido sim. Já gostava de trabalhar dessa forma, mas antes as bases mais fortes eram melodias que eu tocava em certos instrumentos. Tenho usado mais samples, mas só quando consigo desconstruir e renová-los. Gosto muito, sim, de música javanesa e, enquanto fazia esse disco em especial, estava a ouvir muita música tradicional do sudeste asiático em geral.


Como se tem transformado e enquadrado ao vivo o Conta?

Ao vivo, eu uso minhas composições apenas como material básico para criar novas - através de misturas, recortes ou, às vezes, até samplando as minhas próprias músicas. Tenho usado bastantes elementos do Conta, mas todos tocados de forma bem diferente.

Quem é o Carlos Dias a que é dedicada a música incluída no Conta?

Carlos Dias é um amigo meu de longa data, um grande artista plástico e cantor também. Em principio, eu queria que ele cantasse nessa faixa, mas, por causa de desencontros, eu mesmo cantei.

Calculo que a imensa criatividade que se sente ao Sauna: Um, dois, três (de São Paulo Undergroud) parta do entrosamento e química entre ti e o Rob. Que descobertas conjuntas recordas das sessões que levaram a esse disco? Sentiste, em alguma circunstância, que o Rob oferecia ao disco a versatilidade de um músico de jazz que também domina optimamente algumas áreas da música brasileira?

A composição desse disco foi um processo bem aberto e variado. Gravámos uma série de ensaios e improvisações que fizemos e usámos alguns trechos disso para compor algumas músicas. Outras são coisas que o Rob criou sozinho misturadas com coisas que eu criei sozinho. Então, chamámos outros músicos e artistas para tocar nelas. Com certeza o Rob é um músico muito versátil e que conhece muita música em geral, incluindo a brasileira. E isso foi bom porque trabalhámos sem limites e sem barreiras para chegar onde queríamos.

Qual era o conteúdo dos primeiros CD's que gravaste para trocar com o Rob na altura em que se encontrava em gestação o São Paulo Undeground?

Em geral, era uma mistura de sons electrónicos e improvisações livres que eu achava que dariam abertura e inspiração para criarmos coisas novas e, a partir daí, se sentir a vontade de tocar ou apenas descartá-las.

Mencionaste há pouco a existência de um segundo disco de São Paulo Underground? Em que ponto se encontra esse?

Nós já estamos com o disco novo inteiro pronto, sim. Só falta terminar a parte gráfica. Deve sair até ao fim do ano.

Em que ponto se encontram actualmente os Hurtmold?

Estamos no momento à espera que fique pronto o disco novo que sai em Setembro. Daí vamos começar então a fazer concertos para divulgar este disco e começar a trabalhar em novas composições.

Como se sucedeu o convite de Joe Lally para integrares a banda dele? Durante essa digressão, reparaste se havia, por parte do público, um maior respeito para com a carreira do Joe enquanto baixista de Fugazi ou isso complementava-se com a noção de que ele mantém uma óptima carreira a solo?

Durante as negociações para a sua digressão aqui no Brasil, os promotores falaram-lhe sobre mim e ele gostou muito da ideia de trabalharmos juntos. No começo, não sabíamos bem até onde ele gostaria de tocar as músicas de forma diferente do disco, mas, depois de alguns ensaios e de uma sessão muito boa numa casa no campo, chegámos a arranjos bem fortes e que funcionaram muito bem. Em muitos lugares, as pessoas não tinham a mínima ideia do que era a carreira a solo dele e insistiam nos Fugazi. Mas foi muito bom – tocámos em algumas cidades pequenas que não costumam ter concertos de atracões independentes internacionais.

Recordo-me de há um par de anos ver-te a actuar no Sònar de Barcelona. Tiveste a oportunidade de assistir a outros concertos na edição desse ano? Em que ponto te encontravas criativamente por essa altura? Já existia base para o novo Conta ou ainda tinhas o Com Chakas e Jon muito presente?

Vi bastantes concertos no Sònar desse ano: Battles, Mouse on Mars, Radian, De la Soul, Sutble, etc.... Estava numa fase meio de transição – tinha uma pequena parte pronta do Conta, mas já tinha uma ideia forte do que viria a ser esse disco. Estava também a mudar a formação do meu concerto ao vivo, de um duo baseado em guitarra e bateria para um quarteto com bateria, percussão, projecções de vídeo e electrónica.

Que memórias preservas da tua passagem por Portugal nessa mesma digressão?

Gostámos muito do concerto em Portugal - a Galeria Zé dos Bois é um espaço muito bom e que nos deixou muito confortáveis para tocar. Não havia muito público, mas quem estava lá foi bem receptivo e pareceu ter gostado da noite. Tive a oportunidade de conhecer a cidade melhor também e comer comidas muito boas.

Gostaste do último disco dos Eternals, o radiante e efervescente Heavy International?

Muito. Os Eternals são uma banda espectacular e estão cada vez com um som mais original e coeso.

Enquanto fã, não poderia deixar de perguntar em que aspectos se sente a herança de Chico Science na actual música brasileira? Recife ainda “rola”?

Chico Science ainda é um nome muito forte na música brasileira, tanto no mainstream quanto na independente. Recife é, hoje em dia, uma das cidades mais importantes do Brasil em relação a cultura - tem muitas bandas de estilos bem diferentes, vários festivais, etc..
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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