ENTREVISTAS
Couple Coffee
Redondo vocábulo
· 17 Jul 2007 · 08:00 ·
No ano em que o calendário marca duas décadas deste a morte de Zeca Afonso, os Couple Coffee são um dos projectos que assinam uma homenagem ao cantautor. Primeiro porque Luanda Cozetti e Norton Daiello são cidadãos brasileiros e depois porque a relação que têm com Zeca Afonso e com a sua música é, de certa forma, especial. Co’as Tamanquinhas do Zeca!, o segundo disco dos Couple Coffee, é quase como uma resposta à resposta de Zeca Afonso em relação à luta que o pai de Luanda travou no Brasil em tempos problemáticos para o país. Estas e outras questões foram motivo de conversa na entrevista a Luanda Cozetti e Norton Daiello, reveladora das relações entre Portugal e o Brasil e da relação dos portugueses com a música de Zeca Afonso.
Há quanto tempo tomaram contacto com a obra do Zeca?

Luanda Cozetti: Eu particularmente, tive conhecimento da obra do Zeca através da canção que ele dedicou ao meu pai, no álbum Co'as Minhas Tamanquinhas!, nos anos 70. Eu tinha meus 7/8 anos... e de cara adoptei aquelas músicas... "Havia na terra um homem que tinha uma gaita bem de pasmar... se alguém a ouvia, fosse gente ou bicho, entrava na roda a dançar..." Qual a criança que não se encantaria com estas trovas? Já o Norton, começa ainda no Brasil... Eu colocava os CDs para ele, me emocionava, e ele adorava... [risos]

Norton Daiello: A Luanda mostrou-me os CDs Cantigas do Maio, Venham mais Cinco e Co'as Minhas Tamanquinhas. Lembro-me que adorei e fiquei muito impressionado com o tom surreal do Cantigas, o ano do LP era 1971 e aquilo me soou moderníssimo e intemporal. Quando soubemos que viríamos para Portugal logo pensei naquela sonoridade, foi instintivo. Os dois últimos anos desde nossa chegada aqui foram dedicados a conhecer a fundo tudo o que conseguisse do Zeca desde a época do Dr. José Afonso em 1953 nos Fados de Coimbra - ainda em 78 rpm - passando por tudo até os concertos do Coliseu em 83. Depois fui buscar a literatura e conheci o livro "As voltas de um Andarilho" do Viriato Teles e também "Textos e Canções" de 88, que contém os textos musicados e não-musicados além das "Quadras populares" completas, que quase foram incluídas algumas no encarte do nosso CD. Quando vi estava imerso no universo Zeca Afonso e fazendo parte dele como coadjuvante, tendo em vista que o meu sogro é o Alípio de Freitas da canção e seus amigos ligados ao Zeca tornaram-se também nossos amigos.

No Brasil existe a consciência da importância do Zeca em Portugal?

L.C.: Não! Mas há várias razões para que tal ainda não tenha acontecido. Uma delas remonta há muito mais tempo do que nós nos habituamos a pensar: a grande parte da emigração portuguesa que foi para o Brasil tentar a sorte (minha trasmontana família incluída! [risos]) estava em paz com Salazar e Nossa Senhora de Fátima. [risos] Os motivos da travessia foram económicos, e jamais passou pela cabeça deles culpabilizar a ditadura pelas suas dificuldades e mazelas. Era da vida e pronto, Esta gente rija lançava-se mais uma vez ao mar e aportava em outras terras. Á medida em que o tempo avança, o Brasil também vai passando pelas suas ditaduras de "autoria própria", e é claro que com isso, se desenvolve o nosso cancioneiro de protesto e indignação; esperança e alento. Muitos destes autores estão por aí, vivos, actuantes, usufruindo da sua liberdade de expressão... Então voltando ao Zeca, não partiria da comunidade portuguesa residente no Brasil, um interesse particular por estas canções. Movidos pela saudade escutavam mesmo era a insuperável Amália, o Tony de Matos, e mais à frente, porque sem os pimbas também não se vive, o Roberto Leal, [risos] que alegrou muitas tardes e noites em associações de patrícios! Quando se dá o 25 de Abril, em 1974, o Brasil está ainda numa fase muito dura da repressão, com a censura muito activa em todos as áreas culturais, e o Zeca com sua verve directa, não seria assim "possível" de se ouvir pelos meios difusores (rádios e televisões), quem conhecia o havia feito através de algum amigo e assim por diante... Mas nós, os intérpretes, somos os "bibliotecários das canções" e com isso nenhuma palavra se perderá. Este é o nosso compromisso.

N.D.: Se até em Portugal não existe essa consciência como deveria, seria impossível no Brasil ser diferente? Chegamos aqui e ficamos surpresos com a névoa ao redor da obra do Zeca entre a nova geração, salvo uns poucos jovens mais esclarecidos e informados cujos pais fizeram um bom trabalho. Na semana do 25 de Abril e no aniversário de 20 anos de sua morte, os canais de televisão portugueses fizeram várias reportagens sobre o assunto, basicamente mostrando para quem quisesse ver que a grande maioria da geração actual não sabe, não gosta e acha datado tudo relacionado a Zeca Afonso. “Grândola Vila Morena” era por muitas vezes a única canção conhecida aos menos de 30 anos, isso soou-me muito bizarro. Até a AJA, Associação José Afonso, estava abandonada e esquecida. É como se os jovens brasileiros de hoje associassem o Chico Buarque apenas como cantor de intervenção e o datassem como tal… Desperdício imperdoável para com o compositor e o poeta. O Zeca está para a música e a cultura portuguesa assim como o Chico para a música brasileira, acima de qualquer rótulo, crença ou preconceito, genial enquanto artista e motivo de orgulho para qualquer sociedade. 2007 está sendo de grande utilidade para quebrar esse tabu visto que os CDs editados com versões de sua obra e os originais voltaram a fazer parte do imaginário e da prioridade de quem consome cultura de qualidade. Queremos ajudar a levar sua música e poesia ao vizinho perto e ao vizinho longe, ajudar a espalhar aos quatro ventos a semente de quem é solidário por natureza. Vamos todos desejar que esse não seja apenas o ano Zeca Afonso, mas que se inicie uma nova era Zeca Afonso a começar por Portugal. Então com todo o gosto poderei finalmente responder SIM à sua pergunta…


Zeca Afonso morreu há 20 anos. Foi daí que nasceu a determinação decisiva de se lançarem ao reportório do cantautor?

N.D.: A vontade nasceu, cresceu e transformou-se em necessidade à medida em que avançava no conhecimento de causa. Quanto mais descobria mais queria descobrir. Foi intenso e rápido, há dois anos atrás que tudo começou para mim.

L.C.: Eu sempre quis incluir alguma música do Zeca no meu repertório. Mas sempre esbarrava no facto de não conseguir escolher apenas uma, alguma que definisse toda a criatividade e versatilidade dele. E aí resolvi esperar pela "deixa" do destino, porque o destino sempre te dá uma dica sobre a hora certa. Quando chegamos a Portugal há dois anos, com o Puro, o nosso primeiro CD na bagagem, o meu pai disse: “vocês deveriam gravar um CD só de José Afonso”! Guardei a ideia no coração, e quando houve uma homenagem ao Zeca em Guimarães pelos 19 anos da morte dele fomos convidados e apresentamos pela primeira vez o tema "Teresa Torga" e "Alípio de Freitas"! A reacção da plateia foi calorosa e eu e Norton sentimos que a semente estava lançada... Daí passamos um ano arando a terra, e o resultado eu creio ser uma sincera flor... Porque sonhar deve ser isso: o equilíbrio delicado entre não desistir e saber esperar...

O João Afonso está a dedicar especial tempo à obra de Zeca Afonso, a Cristina Branco encontra-se a gravar um disco de homenagem também. Como se sentem ao fazer parte desta homenagem?

L.C.: Sentimo-nos Inseridos no contexto! [risos] Para ilustrar: há alguns dias atrás fomos à casa da Filipa Pais (uma das mais belas vozes que eu já ouvi). Enfim, estávamos lá para comemorar o aniversário da Filipa, o João Afonso inclusive. [risos] A minha muito amada galega Uxia e é claro, assim que um violão apareceu nos pusemos a cantar... Ora eu sou brasileira, nas festas de amigos todos cantamos muito... Aquele à-vontade de se estar entre camaradas de profissão e caminho e aí deu-se o "milagre dos peixes": várias canções do Zeca, entoadas a muitas vozes, Brasileiros, portugueses, galegos, africanos... Uma mistura de sotaques e influências, mas principalmente o amor àquelas palavras e melodias... Lindo, lindo! Senti-me feliz por estar ali, por termos gravado este CD e principalmente por saber que outros virão! Já quis muito a era de Aquário. Agora eu quero mesmo é a "era Zeca Afonso"! [risos]

N.D.: Estamos trabalhando nesse disco desde a nossa chegada. Antes do nosso CD Puro ser editado em 2005 já estávamos tocando “Teresa Torga” e “Alípio de Freitas” em Guimarães numa homenagem ao Zeca, como a Luanda disse. Já estávamos nos livros, tirando e escrevendo as partituras, lendo e ouvindo tudo quando ainda nem se falava nada sobre o assunto. Quando o trabalho é levado a sério e com o respeito merecido leva-se tempo a fazer. Co’as Tamanquinhas do Zeca! saiu na hora certa por uma feliz coincidência. Um ano e meio de muita pesquisa e trabalho, um trabalho de pinças em punhos de bordados, artesanal ao limite... muito artesanal. Na verdade foi o Alípio o primeiro a falar sobre um CD do Zeca gravado por nós, com disse a Luanda, era Agosto de 2005 e estávamos no Alvito, sua casa no Alentejo. Não víamos como homenagem mas sim como obrigação moral e artística. Zeca Afonso é sinónimo de solidariedade, é exemplo cristalino de como usar a arte em benefício de um propósito mais relevante do que vaidade pessoal. O anti-artista tímido em palco que ultrapassa suas próprias barreiras em prol de algo maior, a visão no futuro, sempre à frente do seu tempo, semeando suas utopias. Jamais conseguiria dormir à noite em paz com minha consciência se tivesse sido de outra forma esse processo.

Luanda, o Zeca Afonso dedicou em tempos uma música ao seu pai que também tinha genes de revolucionário. O que nos pode contar acerca dessa história?

L.C.: Os meus pais foram presos políticos na década de 70, no Brasil. A minha mãe, Wanda Cozetti, ficou cinco anos presa e meu pai, Alípio, 10. Eu tinha um ano e alguns meses quando eles foram para a prisão pelos seus ideais. O Zeca tomou conhecimento da existência do meu pai através de uma carta que ele, o meu pai, escreveu, denunciando as situações de morte e opressão pelas quais passavam os presos políticos no Brasil. Nesta época ele estava na Fortaleza de Santa Cruz, uma prisão especialmente tenebrosa, com grandes muros à volta e um mar bravio por fronteira... Quando eles, os presos ouviram a canção ficaram muito emocionados, assim como nós, os familiares e amigos... Para mim foi um alento, um gesto que eu jamais esquecerei... Do outro lado do mundo, alguém que nunca nos tinha visto, sabia que o pai de uma menina estava injustamente preso... O meu pai, este "homem de grande firmeza", o avô do Bruno e da Luíza, os meus filhos!

Poderá ser este disco também uma espécie de resposta a Zeca Afonso da canção que escreveu para o seu pai?

L.C.: No meu coração grato é! A "rapariga da canção" cresceu e hoje pode retribuir o gesto solidário com o canto... Estar na vida pode ser muito bacana, né? [risos] Mas este é um facto muito peculiar para nortear toda a decisão de se fazer um CD com a obra de um autor. Eu tive sorte, porque o autor da canção era o Zeca... Aí é gratidão em dobro, a da filha e a da artista! [risos]

Tanto quanto sei teve a oportunidade de conhecer Zeca Afonso. O que é que recorda dessa experiência?

L.C.: Ele já estava muito doente, frágil, toda aquela alma concentrada no olhar... A casa clara, com as janelas abertas... A serena espera pela morte, que pode ser um reencontro ou uma descoberta, cercado pelos amigos e familiares... Relembrando aquela cena, com meu actual olhar e entendimento, acho que posso dizer que o Zeca teve uma linda, dolorida sim, mas linda cerimónia de adeus!


Como foi dar novas roupagens aos temas do autor de “Grândola Vila Morena”, como foi o desafio para dois brasileiros?

L.C.: Um ano de intenso, intenso mesmo, trabalho! Ouvir tudo, escolher os temas, achar a tonalidade perfeita, a prosódia. A forma da canções, o agregar dos novos instrumentos – aqui saliento a delicadeza, o talento e carinho do Ruca e do Sérgio, Estes dois músicos companheiros, que estão connosco nesta viagem! -quais seriam os ritmos abordados, como eles seriam executados, a dinâmica em função da palavra, o uso das harmonias, dos acordes para ilustrar o poema, o que seria triste, o que se tornaria alegre, o alinhamento, a capa... Enfim, todo o conceito do CD. Mas o que melhor pode definir este desafio para dois brasileiros, por mais "lusófona" que eu seja [risos] é um trecho de "Refavela", letra do sábio Gilberto Gil, onde ele explica a "brasilidade" assim: que o samba "é brasileirinho pelo sotaque, mas de língua internacional!". Parafraseando à vontade: o Zeca, "é lusitaninho pelo sotaque, mas de língua internacional!”. [risos]

N.D.: Foi divertidíssimo, um desafio e tanto. O Zeca deu-nos todos os elementos, as misturas de influências nas sonoridades e instrumentações, as possibilidades de formas e ausência de regras. Depois de escrever tudo no papel foi olhar para aquilo tudo e brincar com reestruturação de motivos a partir dos poemas. Luanda decidiu como aquilo deveria soar e depois pensei nos arranjos decifrando as “cores” e “mensagens subliminares” que ela descrevia com metáforas, foi engraçado. Não vejo o facto de sermos brasileiros (no caso da Luanda, meio-a-meio) relevante e que mereça despertar tanta curiosidade de porquê gravar Zeca Afonso, se a sua música é claramente universal e de qualidade incontestável. Gravamos Zeca Afonso, além de tudo que já disse anteriormente, pelo simples motivo de que é bom e tem qualidade. É bom e ainda não totalmente explorado. Tom Jobim, por exemplo, é tão universal que ainda não ouvi cantora portuguesa que não tivesse ao menos uma música sua ou da nossa MPB no seu repertório. Nós brasileiros não acham isso estranho ou diferente, o desafio é do mesmo tamanho para os dois lados. Isso tem a ver talvez com a falta de crença do português de que Zeca Afonso seja mesmo bom o suficiente para merecer releitura de músicos, intérpretes e compositores que vêm da terra de Tons, Chicos, Caetanos, Vinícius, Noel Rosa, etc. Zeca Afonso é mais do que as pessoas percebem, ouçam suas melodias com atenção.

Co’as Tamanquinhas do Zeca tem recebido bastantes elogios especialmente pelos arranjos e pela não obediência às versões originais. Concordam com essa visão?

L.C.: A gente só "trocou a roupa" das músicas! [risos] As melodias estão todas lá... Mas concordo sim, porque foi nossa intenção mudar mas não alterar. Acho que a obra do Zeca não precisa de "renovação"... Só de respirar outros ares.

N.D.: Muito gratificante ouvi-lo, esse foi nosso propósito desde o início. Jamais poderíamos despertar a vontade e necessidade de alguém ir buscar o original se já tivéssemos feito algo parecido ou igual ao que já lá está. É uma lógica simples, o maior elogio para nós é quando vem alguém dizer-nos que por nossa causa foi à loja comprar o CD do Zeca. Já não é o suficiente para ficarmos muito felizes? Tive isso em mente nas noites em claro pensando nas músicas, buscava inspiração para despertar curiosidade nas pessoas através de algum resultado surpreendente sobre algo que elas achavam que já conheciam. Redescobrir o Zeca faz bem à cabeça e à saúde, ouçam Co‘as Tamanquinhas do Zeca! e venham aos nossos concertos!

Gostei especialmente da versão que fizeram da “Era um redondo vocábulo”. É um tema-referência na carreira do Zeca Afonso. Já conheciam por exemplo a versão da Cristina Branco no Ulisses?

N.D.: Sim, conheci quando estávamos pesquisando o que já se havia feito até então de releituras do Zeca. Fazer releituras de músicas perfeitas é correr o perigo do chover no molhado, a redundância está sempre eminente. “Era um Redondo Vocábulo” para mim é a “Stairway to Heaven” do Zeca Afonso, uma música que mete medo e respeito, talvez a obra-prima de construção poética e melódica. Dediquei-me a sério nela, tanto na técnica para executá-la no baixo como nas respirações do vocalize do Zeca. Foi a música que nos criou mais expectativas sobre qual seria a primeira reacção das pessoas, a nossa própria confiança foi posta à prova ali. Precisávamos acreditar piamente em nosso conceito, acreditamos e felizmente deu muito certo o resultado. Fico feliz que tenhas gostado, de certa forma aliviado também.

L.C.: Toda obra de um autor de excelência parte de uma abordagem pessoal de algum fato e/ou sentimento. De alguma forma você consegue decifrar aquele "universo" e trazê-lo para a sua própria experiência e amadurecimento de expressão... Essa é a "graça da brincadeira". Mas algumas canções têm características muito "pessoais", para o autor e isso torna o nosso trabalho de intérprete mais árduo, mais demorado. O "Redondo Vocábulo" é um desses casos: o Zeca está preso em Caxias, quando escreve este poema, e eu precisava da chave para conseguir mais do que entendê-lo com o coração, compreendê-lo com a minha voz... Só o consegui quando entendi que algumas ou muitas vezes a empatia que você estabelece com algum autor, também passa pelas experiências similares que vocês tenham passado, mesmo que em séculos diferentes! [risos] Neste poema eu reconheço as muitas "salas de espera" das prisões aonde ia visitar meus pais nos finais de semana de minha infância... A angústia, a ansiedade, a sensação de se estar na "toca do lobo", refém de um poder que pode tirar a liberdade de alguém... E na rua os meninos brincam, o sol se deita e se levanta... e muitas Lauras ainda aguardam educadamente, nas "salas de espera", das ainda inúmeras, prisões do mundo. A versão da Cristina Branco é linda e foi muito "libertadora" para mim! [risos] Eu adoro a do Janita Salomá também! Que bom que você gostou, foi um take único! [risos]


Já apresentaram este disco algumas vezes tanto quanto sei. Como tem sido transpor estas canções para o palco e qual tem sido a reacção do público?

L.C.: Em todos os concertos eu digo o mesmo:”Tô" muito contente! [risos] Contentamento é a palavra certa... As pessoas vem falar connosco muito felizes, surpresas com esta possibilidade de um Zeca "além-mar"... Senhoras, crianças... Todo o mundo canta junto... é emocionante! "Tô" muito contente! [risos]

N.D.: O nosso Zeca Afonso é um Zeca com sorriso nos lábios, um Zeca optimista. Quem o conheceu faz questão de salientar que ele era alegre e brincalhão, não se levava muito a sério e fazia piada com tudo o tempo todo. Nada dessa imagem fechada, carrancuda que algumas pessoas têm aqui e fazem questão de disseminar, a imagem daquelas fotos horríveis dos cartazes, sempre as mesmas. As interpretações de suas músicas na sua maioria são sérias, densas em demasiado, cheias de caretas... Muitas situações aonde quem canta não está ouvindo a própria letra da música ou não entendeu nada do que ela está querendo dizer, interpretações equivocadas por falta de respeito à obra. As crianças também vão aos nossos concertos, saem muito felizes e querendo comprar o CD das Tamanquinhas coloridas para ouvir mais em casa. Os adultos saem surpresos com o novo Zeca sorridente e optimista que a eles está sendo re-apresentado. Assim como foi no Puro, é um concerto onde as pessoas querem voltar para ver de novo e ter a certeza de que foi tão bom como tinham pensado que foi realmente.

Como nasceu a vossa relação com o JP Simões. O que é que nos podem contar acerca disso?

N.D.: Quando chegamos a Portugal, a nossa editora, a Transformadores, deu-nos para ouvir uma caixa com todo seu catálogo editado de CDs e junto estava Exílio do Quinteto Tati. Havia um excelente músico que tocava quase tudo, o Sérgio Costa, eu estava prestando atenção nesse detalhe quando entrou o JP, cantando. Fiquei muito impressionado com as letras, com os arranjos, com a originalidade. Fiz o que há muito não fazia, abri o encarte e acompanhei as letras todas com o Cd tocando directo umas duas ou três vezes. Na semana seguinte estávamos em estúdio gravando com o JP a voz de “É Feio” e com o Sérgio Costa a flauta de “Asa” do CD Puro. Nesse dia descobrimos tantas coisas em comum que desde então tornamo-nos todos quase inseparáveis, daí para fazermos trabalhos paralelos juntos foi automático. As participações portuguesas no Puro foram ideia do Gonçalo Riscado e do Alex Cortez, sócios da Transformadores… Ainda participaram no CD o Gabriel Gomes, que tocou acordão em “Último Desejo“, o Vitorino que cantou “O Orvalho Vem Caindo” e o lobão Jorge Palma que voou no “Tapete Mágico“. Um ano mais tarde, quando terminou as composições do seu CD 1970, o JP convidou a mim e à Luanda para ajudá-lo a dar uma roupagem mais brasileira aos arranjos de algumas músicas novas. Fiquei com as bases para trabalhar de “Só Mais um Samba”, “Vestido Vermelho”e”Fábula Bêbada”. Luanda ficou com os arranjos gerais dos coros e com o dueto feminino de “Se Por Acaso”. O resultado do CD surpreendeu a todos, inclusive a nós músicos. Couple Coffee e JP Simões dá samba…

L.C.: Nasceu como o Norton disse da boa ideia do Gonçalo Riscado e do Alexandre Cortez, nossos amigos e destemidos editores, que ao ouvirem a master do Puro, nos propuseram convidar alguns artistas portugueses para dividirem connosco alguns temas do CD... E o JP foi o primeiro nome sugerido! Eu e o Norton ainda estávamos sob o impacto da audição do Exílio do Quinteto Tati e imediatamente topamos. Para nossa sorte o JP também alinhou... E o que vem acontecendo connosco é uma feliz consequência! E o que é lindo é que nos tornamos amigos de todos os convidados: Gabriel Gomes, Sérgio Costa, Jorge Palma e Vitorino e ao longo destes dois anos que aqui estamos, temos dividido muita música e risadas... E camaradagem. Porque esta é uma profissão de camaradas, companheiros... Ou pelo menos deveria ser! [risos]

Concordam que não existe apesar de tudo um intercâmbio musical entre Portugal e o Brasil que espelhe a relação entre os dois países? O que é que poderá estar a falhar?

N.D.: O Brasil é mais eficiente ao exportar sua cultura musical. Portugal exporta Amália Rodrigues e Roberto Leal, é o que a grande maioria dos brasileiros conhece da música portuguesa, se conhece alguma. Portugal tem um profundo conhecimento e admiração pela música brasileira de qualidade principalmente por ter mais acesso a ela e também por achar que não há alternativas ou não acreditar nos que aqui estão. Sinto que se intimidou um pouco, falta lutar mais pela sua própria cultura, acreditar mesmo na grande qualidade que há por aqui. Não gosto de ir aos clubes e ver cantoras portuguesas cantando em brasileiro, queria vê-las cantando em português de Portugal os compositores daqui. Teve que vir o Filipão para fazer a torcida vibrar, será que faz falta vir dois brasileiros para acordar a malta? Que venham mais cinco, Portugal vale a pena!

L.C.: Nós no Brasil temos uma produção musical mais do que sabidamente intensa e de qualidade... E acaba que somos sempre, apesar de influenciáveis por outras culturas, muito voltados para a nossa própria "produção"... Não se pode esquecer também do poder das grandes editoras, que nos inundam globalmente com suas "apostas musicais" e derivações de "estilos". [risos] Mas o que pega mesmo é o "sotaque"! [risos]

O que é que mais apreciam da música portuguesa actual? E brasileira? Os nomes, entenda-se…

L.C.: Essa para mim é sempre uma pergunta complicada, porque a "actualidade" de uma obra, não depende do "tempo actual"! [risos] Vou puxar a brasa para sardinha da meninas, já que estamos em épocas festivas e falar das cantoras que eu não conhecia antes de chegar aqui, e que tenho ouvido e gostado muito... Eneyda Marta, Sara Tavares, Ana Moura, Filipa Pais, Amélia Muge, Catarina Moura, Petra, o Segue-me a Capela. No Brasil: Andrea Dutra, Mariana Leporace, Ceumar, Patricia Mellodi, Suely Mesquita, Germana Guilherme, Káli C., Elisa Queirós, Cacala... Há tanta gente boa fazendo excelente música por aí fora, por este mundão de Deus! Nessas horas acho a internet um barato, porque colocou a nossa disponível audição uma pá de sonoridades... adoro! Esta aí o myspace para não deixar dúvidas, baby!

N.D.: Os Couple Coffee abrangem as duas cenas, pensei nisso agora… Somos artistas portugueses de formação brasileira e originais nos dois países, engraçado. Tenho um profundo respeito por quem tem anos de estrada, histórias para contar e algumas rugas no olho… Jorge Palma e Vitorino são dois exemplos que admiro muito, pessoas e artistas únicos nos seus estilos, JP Simões é a nova geração, orgulho futuro. Também Sara Tavares, Sam the Kid, Mesa, Garoto, Clã, WordSong, tantos outros… No Brasil prefiro ainda ouvir e ficar com quem tem rugas no olho…

Se tivessem de escolher uma personalidade musical portuguesa para um terceiro disco qual seria? Já alguma vez pensaram nisso?

L.C.: Estamos sempre pensando num próximo projecto... Tenho sempre a vontade do desafio do inédito, originais, que sempre exerci ao longo da minha carreira... Mas eu tenho uma "quedinha" pelo JP, [risos] pelo Palma, Vitorino, Juca Delgado, Jon Luz, Sérgio Godinho, Filipe Mukenga, pela poesia do Lobo Antunes... Nossa, muitas "quedinhas"! [risos] Mas isso há de acontecer mais a frente... quando eu e o Norton, este charmoso "par de bicas", já soubermos mesmo, navegar pelo Tejo...

N.D.: Sempre que estou com o JP ou com o Palma penso nisso…
André Gomes
andregomes@bodyspace.net

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