ENTREVISTAS
The Locust
Erecção é a nova insurreição
· 21 Mai 2007 · 08:00 ·
O terrorismo sónico que levavam a cabo os dianteiros Locust no marco Plague Soundscapes não era apenas uma história de fazer medo que se contava ao punk melódico Epitaph antes de este adormecer por esgotamento numa cama que entretanto ficou ensopada pelo xixi picuinhas do emo de cabelo pontiagudo e descolorado, dramas familiares e namoradas perigosamente promíscuas. Entendê-lo como um esporádico boo!, ampliado pelo hype que mereceu, é simplesmente subestimar as qualidades visionárias de um manifesto apocalíptico capaz de fazer crer que podia ali estar o hardcore que se haverá de escutar a dias ainda mais conturbados e tóxicos que os de hoje. Crendo que os Locust representam emissários proféticos do pós-hardcore ruinoso e cacofónico vislumbrado a partir dos seus discos, Plague Soundscapes pode bem estar para 2012, como o recente New Erections para 2016. Entre um e outro, residem garantias de maturidade conferidas pelo inesperado passo progressivo tomado com o complexamente condensado EP Safety Second, Body Last e pela consolidação dos mesmos mecanismos pestilentos que obrigam a que um petardo como a novidade “We Have Reached an Official Verdict: Nobody Gives a Shit” obrigue a dezenas de escutas antes de ter o seu minuto e vinte e dois segundos assimilados. A sensação é a de que os Locust de hoje mais se assemelham a uma centopeia que reside cerebralmente num ponto superior, quando ainda só se começou a descodificar a movimentação que levam as pernas traseiras. A renovada erecção do novo ataque dos Locust só torna mais dolorosa a mind fuck a que se sujeita quem por aqui arriscar rumar. Justin Pearson, baixista e vocalista, mutilou o corpo de perguntas que lhe foram dirigidas e criou, a partir daí, espaço para que se pondere antecipadamente sobre o hardcore que veio do futuro sob a forma de praga.
Existe um tal turbilhão na rotação de géneros que descreve New Erections que a primeira questão a colocar tem obrigatoriamente de ser a seguinte: que barreiras e exigências colocaram a vós mesmos quando comparando este novo disco com Plague Soundscapes?

Bem... São dois discos distintos. Enquanto artistas, encontrávamo-nos em diferentes estados de espírito, havíamos obtido diferentes capacidades e ideias em termos de composição e, sobretudo, mantínhamos a vontade de não repetir o mesmo álbum duas vezes. Diria que não existe comparação – apenas um sinal de evolução. No que respeita a géneros, não prestamos atenção às fronteiras entre esses, ou aos géneros em si.

Parecem-me sempre movidos por uma vontade de providenciar uma banda-sonora a determinados eventos, tal como descrito no perfil do vosso site, que menciona o facto de terem capacidade para transpor para música as duas Guerras Mundiais anteriores. O New Erections serviria de banda-sonora a que ocasião?

Hmmmmm... Terceira Guerra Mundial, não?

Sim, quando mencionas a Terceira Guerra Mundial como um provável acontecimento futuro a que poderiam eventualmente aplicar uma banda-sonora, interrogo-me sobre se não vislumbras essa Guerra nos filmes de ficção científica que parecem inspirar a vossa música? Se sim, eras capaz de nomeá-los?

Parece-me a mim que se vislumbra a Terceira Guerra Mundial aos tempos actuais. Isso resulta na inspiração que procuramos para o que criamos a nível musical e artístico. No que diz respeito a filmes, qualquer coisa desde Holy Mountain a Filhos do Homem. Tudo já foi sugerido de formas artísticas de toda a espécie e desde há bastante tempo.

Quão protectores são em relação ao que cada um transporta até às sessões de estúdio?

Feitas as contas, é sabido que seja o que for que cada um traga para a mesa durante o processo de escrita dos Locust, será inevitavelmente alterado. É um dado certo por esta altura. Acho que essa é uma das características que faz de nós os Locust. Enquanto gravamos, as alterações que acontecem em estúdio acabam por ser, em grande parte, subtis. Na transição que nos leva da sala de ensaios ao estúdio de gravação, as coisas ainda estão a ser remexidas. Leva isso a que não exista forma concreta de antever o que seja como um produto final, até abandonarmos o estúdio. É habitual lidarmos com as vocalizações em último lugar e com conflitos entre frequências quando as faixas estão assentes, e daí em diante.


Este novo disco serve como sequela a Plague Soundscapes ou devemos considerar o EP Safety Second, Body Last como um capítulo lógico também?

Julgo que a nossa carreira é uma saga decorrente acerca do que somos e do que fazemos. Por isso, todos os aspectos são capítulos. Os álbuns são meros documentos daquilo que decidimos solidificar e tornar numa espécie de pedaço de história musical.

E como avalias agora toda a experiência Ipecac (que lançou o EP Safety Second, Body Last)?

Foi excelente.

Qual foi a reacção do Mike Patton (semi-deus e patrão da Ipecac) em relação à vossa integração?

Bem... Não creio que tenha havido uma dada ocasião em que ele tenha manifestado uma reacção explosiva. Tudo começou quando nos conhecemos e teve continuidade quando tocámos com ele. Acabámos depois por gravar para a label dele. Todos esses passos foram interessantes, assim como excitantes.

É habitual questionar-me em relação a que quantidade de material elaborada pelo Joey Karam, em termos de sintetizadores e ruídos, acaba por ser excluída do processo. Ele acaba por elaborar mais material do que aquele que acaba por integrar o disco?

Excluído? Não me parece que parte que seja do nosso material seja excluída do processo, quer em termos colectivos tal como em individuais.

Que qualidades do Alex Newport (ex-Nailbomb) vos levaram a revalidar a sua escolha para a produção de New Erections?

Em primeira instância, quando optámos por colaborar com ele no Plague Soundscapes, terá sido essencialmente pela forma como fazia soar a bateria. Tinha escutado o EP de Mars Volta que gravou para a Gold Standard Labs (intitulado Tremulant) e fiquei convertido. Com o passar do tempo, o Alex foi-se tornando parte da banda até certo ponto. Ele proporciona vários desafios e, ao mesmo tempo, entende aquilo que ambicionamos enquanto músicos. Ele acaba por se enquadrar no nosso processo democrático de trabalho e isso resulta numa bom acrescento.

Quão diferente virá a ser o aspecto gráfico de New Erections no seu lançamento em vinil?

Exceptuando o aspecto de cores derramadas pela sua porção vinil, será mais ou menos igual.


É hilariante assistir ao concerto dos Holy Molar que surge no DVD Dentist, the Menace. Como foi aquilo organizado e qual foi a mais preciosa reacção obtida nessa ocasião?

Quem sabe? A própria existência da banda assenta sobre uma imensa confusão.

Chegas a ter dificuldade em alternar entre a abordagem criativa ao trabalho dos Locust e Holy Molar?

Não. Quando nos dedicamos aos Holy Molar, acaba por ser durante uma porção curta de tempo normalmente limitada a alguns dias aqui e ali. E as coisas ficam-se por aí. A maioria do tempo é dedicado aos Locust. Tinha a sensação de que isso fosse aparentemente óbvio.

Importas-te de elaborar um comentário acerca destes imitadores de Locust, o Gafanhoto (mítico colectivo desaparecido a conhecer em http://www.myspace.com/ogafanhoto)?

Imitadores? Nem tão pouco me parece que se assemelhem no que seja aos Locust. Suponho que até assim possa ser aos ouvidos de alguém pouco esforçado. Não nos consideramos glam ou trash e não temos um método de escrita idêntico ao deles. Para mais, eles têm uma forma diferente de intitular as faixas. Quase ao jeito do que fizeram os Arab on Radar num dos seus discos. Não vou maldizer estes músicos, até porque uma questão como esta parece instigar a essa reacção. Não é a minha cena. Talvez devas perguntar aos An Albatross o que acham deles.

O que nos reserva o ano de 2007 na Three One G (casa-forte de hardcore genuíno gerida por Justin)? Adoro aquelas discografias reunidas num só disco. Que bandas entretanto terminadas achas que viriam a servir a esse tipo de lançamentos?

Estamos a preparar o lançamento de um DVD dos Arab on Radar. Existem mais algumas coisas na calha, mas nada suficientemente sólido para merecer a minha menção. No que toca a discografias de bandas integradas no catálogo da Three One G, não sei se poderemos fazer muitas mais. Já compilámos bastantes: Jenny Piccolo, Festival of Dead Deer, Swing Kids, Jaks, Asterik e The Crimson Curse.

Sei que têm marcadas algumas datas no México para breve. Que diferenças encontras ao tocar além da fronteira? Sentes-te mais estimulado por salas de aparência ameaçadora ou por grandes palcos como Coachella?

No que respeita a concertos na América do Sul, só tocámos em Tijuana que fica bem perto da fronteira sul dos Estados Unidos. Estou certo de que os concertos serão bem diferentes de algo como Coachella. Mas pegar em Coachella como termo de referência não é muito eficaz, atendendo a que essa experiência não se assemelha em nada a 99% dos concertos que tocamos nos Estados Unidos, Europa, Japão, etc.. Ainda assim, diverte-me a tua escolha de palavras quando referes “salas de aparência ameaçadora”. Devemos esperar vir a tocar em pisos imundos de arenas próprias para lutas de galos? Duvido disso. Volta-me a contactar quando a digressão terminar e inteirar-te-ei acerca disso.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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