ENTREVISTAS
The Astroboy
Informática do som
· 15 Mar 2007 · 07:00 ·
The Astroboy é a alcunha que o músico Luís Fernandes escolheu para apresentar A Derrota da Engrenagem, disco editado recentemente a meias entre a netlabel Test Tube e a editora de CD-R Lovers & Lollypops. A Derrota da Engrenagem é um conjunto de "canções" construídas com sintetizadores, uma caixa de ritmos, recepções FM processadas por efeitos e guitarra, num todo bastante inspirado pela sua relação com os computadores (como aquele que se pode ver na capa do disco). The Astroboy não esconde a forte influência do pós-rock; antes, junta a essas influências outras mais recentes. Na entrevista com Luís Fernandes, acaba por surgir um tema obrigatório e legitimo: a sua relação com Braga e tudo aquilo que representa ser The Astroboy na cidade dos bispos. Depois da estreia do projecto no Mercado Negro em Aveiro há poucos dias, The Astroboy actua no bar O Meu Mercedes é Maior que o Teu, no Porto, no próximo dia 23 de Março.
Como foram as tuas experiências musicais até chegares a este A Derrota da Engrenagem? O que é que nos podes contar acerca disso?

Penso que o meu percurso na música até hoje não foge muito ao padrão tradicional. Começou a partir da adolescência, estudando formação musical e guitarra numa escola da cidade de Braga. A partir daí passei por algumas “bandas de garagem” tal como a maioria das pessoas, que basicamente eram uma forma de passar os sábados à tarde. À medida que estes projectos iam ganhando alguma (pouca) consistência fomos participando nos típicos concursos de bandas, o que me permitiu tocar um pouco por todo o lado, desde uma cave duvidosa em Miranda do Douro, passando pela Alfândega do Porto (numa triste final de um concurso bem conhecido) até à Festa do Avante, entre varias dezenas de pseudo-concertos e concertos. Estas experiências, em bandas como Sterling moving company ou Frequency contribuíram para eu perceber o que queria fazer na música e julgo que aprendi bastante com elas. O projecto The Astroboy foi o primeiro a surgir de uma forma conceptual e pensada.

Como foi a concepção deste disco? Diz-se no teu myspace que acontece como uma espécie de fusão do shoegaze, da electrónica e do drone…

Este disco é o culminar de experiências que vinha a desenvolver dentro do campo do drone, influenciado por alguns músicos que tinha recentemente descoberto (Keith Fullerton Whitman, Chihei Hatakeyama e Loscil mais precisamente). Como o resultado me estava a agradar pensei em criar uma concepção mais específica, juntando aos sintetizadores a Roland tr-606 (uma caixa de ritmos que tem a minha idade e que eu tenho a sorte de possuir), recepções FM processadas por efeitos e a guitarra. A minha faceta de guitarrista levou a que o conceito de shoegaze estivesse ligado ao projecto pois é uma influência assumida. Como referi anteriormente, foi a primeira vez que trabalhei e compus de uma forma conceptual.


O imaginário de A Derrota da Engrenagem gira bastante em volta dos computadores, das máquinas. Tens uma relação saudável com os bichinhos?

Não me parece que seja muito saudável pois passo mais tempo do que devia à frente deles... [risos] No entanto são um meio importantíssimo e fulcral na minha vida, seja a ler o jornal do dia, a ouvir o álbum que “saquei” ontem ou a compor/gravar musica. O imaginário, bem como todos os títulos, surgiram depois de as musicas estarem gravadas e misturadas. Digamos que foram sugeridos pela música e, embora sendo um lugar comum, não resisti a explorar esse imaginário.

Também no teu myspace citas Ligeti quando ele diz que “as harmonias não mudam subitamente, em vez disso mesclam-se umas com as outras criando uma nebulosidade musical”. Isto é uma espécie de método para ti?

Embora eu não seja suficientemente competente para opinar sobre alguém como Ligeti, julgo que a sua música também foi percursora da sonoridade drone, daí a referência. Também acabou por reflectir um pouco o método de composição que adoptei para este projecto, principalmente nos temas que são puramente drones. Nos restantes temas esse método foi a base à qual posteriormente adicionei as minhas influências indie e, porque não, pop.

Os teus gostos musicais, aquilo que tu ouves, vão de encontro ao tipo de explorações que levas a cabo neste disco?

Um pouco, mas maioritariamente de uma forma indirecta. O álbum reflecte alguns aspectos da música que ouço e julgo que isso será perceptível para as pessoas que me conhecem. Para compor este álbum utilizei referências de alguns artistas de que gosto, como disse anteriormente, no entanto eu “consumo” tanta música de diferente cariz que seria sempre difícil agregar todas essas influências num disco. Ouço muita música pop e indie apesar do álbum não o indiciar.

O pós-rock é uma referência primordial?

É certamente uma das influências mas não sei se será primordial, pelo menos de uma forma consciente. Gosto muito das diversas correntes do pós-rock, seja da escola de Chicago (especialmente Tortoise) ou da vertente mais em voga (Red Sparowes, Explosions in the Sky por exemplo). Mogwai e GYBE! Estão entre as minhas bandas preferidas também...

Como é viver em Braga? Musicalmente, como é viver em Braga pré Theatro Circo e pós Theatro Circo? Também outras salas em Braga apresentam hoje em dia óptimas propostas… como vês tudo isto?

Vai longe o tempo em que Braga era uma referência ao nível do circuito da música underground e bandas como os Mão Morta já são consagradas há muitos anos... Desde há algum tempo que, em termos de oferta de concertos, a cidade de Braga vinha vivendo dependente do trabalho de casas como o bar Deslize e o Whisky bar, que a muito custo iam ocasionalmente proporcionando concertos de qualidade. Entretanto o Deslize foi forçado a terminar com os concertos, entrou em cena o espaço Censura Prévia mas pouca coisa mudou. Neste sentido o Theatro Circo foi, juntamente com a construção das salas de ensaio para músicos no estádio 1º de Maio, a melhor coisa que aconteceu à cidade nos últimos anos! Na minha opinião há um efeito que já se faz sentir: o Theatro Circo aproximou Braga ao panorama musical nacional e mesmo internacional, abalando o marasmo em que a cidade vivia anteriormente. Há outro aspecto em que o “efeito Theatro Circo” também se poderá manifestar, embora ainda seja muito cedo para o verificar: a proximidade de uma oferta musical com tanta qualidade e “actualidade” pode e deve contribuir para o aumento da qualidade e quantidade dos projectos musicais sediados em Braga. Os músicos devem tomar consciência daquilo que de melhor se faz e consequentemente aprender e evoluir sendo esta uma oportunidade de ouro para tal. E face ao deprimente défice de criatividade no panorama musical desta cidade é bom que as pessoas façam alguma coisa! Neste capítulo volto a referir a construção das salas de ensaio no estádio 1º de Maio pois são uma mais valia incontestável para os músicos da cidade. Julgo também que é caso único no país já que se trata de uma estrutura camarária. No dia 28 de Junho terei oportunidade actuar no pequeno auditório do Theatro Circo o que é um grande motivo de orgulho para mim!


Como nasceu a tua relação com a Lovers & Lollypops e a Test Tube, co-editores de A Derrota da Engrenagem?

Quando o projecto começou a ganhar contornos mais definidos tinha idealizado uma edição netlabel na medida em que era algo que nunca tinha experimentado e uma forma fácil de chegar a muitas pessoas. Como tal a primeira ligação foi feita com a Test Tube pois já conhecia o seu excelente trabalho. A reacção da Test Tube ao envio de uma amostra (a “O computador ganha sempre”) foi muito positiva e, como tal, propuseram-se a editar. Depois, a data apontada para a edição do álbum permitiu-me ter bastante tempo para compor os temas que faltavam para o trabalho final e entretanto ainda tive tempo de editar um EP de 3 temas pela netlabel japonesa Bumpfoot, servindo de experiência pré-album. A ideia da edição física surgiu a partir de algumas conversas com o Pedro Leitão (da Test Tube) e de um amigo, pelo que procurei saber qual seria a editora ideal para o fazer. Rapidamente me apercebi que queria trabalhar com a Lovers & Lollypops e eles também gostaram do meu trabalho pelo que tudo se resolveu de forma muito rápida e natural. Foi sem dúvida uma escolha acertada!

Como preparas as apresentações ao vivo de A Derrota da Engrenagem? Sei que contas com o Miguel Pedro dos Mão Morta nos sintetizadores e laptop…

A preparação do concerto foi levada a cabo por mim (guitarra e sintetizador) e pelo Miguel Pedro (Laptop e casiotone). Tem uma forte componente de improvisação tornando os concertos mais interessantes e imprevisíveis. Para alem disso o atelier Bolos Quentes (um grupo de estudantes da Faculdade de Belas Artes do Porto) teve a gentileza de criar vídeos para cada um dos temas do álbum o que enriquece o espectáculo. Também foi para mim uma honra ter oportunidade de actuar ao lado do Miguel que, além de um amigo, é para mim uma referência ao nível artístico e musical.

Como correu a actuação no Mercado Negro?

Foi a primeira vez que actuamos e tenho a ideia de que correu muito bem. Julgo que esta era a única forma de transpor o álbum para o formato concerto e esta actuação comprovou-o. As pessoas que tiveram oportunidade de assistir deram-nos excelente feedback. Espero que os próximos corram ainda melhor e que esteja mais gente a assistir.

Continuas a escrever novo material frequentemente? Tens alguma coisa pensada para os próximos tempos?

Tenho estado mais ocupado com a transposição do disco para concerto, como tal ainda não trabalhei em novos temas. De qualquer das maneiras o projecto The Astroboy foi uma concepção que culminou neste álbum e não terá continuidade no imediato. Porém, caso encontremos receptividade, é nossa intenção marcar mais algumas datas ao vivo para a segunda metade de 2007. Tenho a intenção de editar num futuro próximo com outra identidade e uma sonoridade muito distinta da de The Astroboy, para além disso, estou envolvido noutro projecto, os Jazz Iguanas, no qual tenho oportunidade de interagir com músicos que muito admiro como o Miguel Pedro, o Pedro Cravinho e o António Rafael. Está de igualmente nas minhas cogitações compor um segundo álbum de The Astroboy, mas apenas se sentir que posso acrescentar alguma coisa ao que já fiz.
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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