ENTREVISTAS
Dennis Driscoll
O génio da ingenuidade
· 12 Fev 2007 · 08:00 ·
A ingenuidade é intraduzível. Tal como o amor, é um lugar estranho. Quando Dennis Driscoll aborda, nesta entrevista, o porquê de ter trajado um fato de urso na sua passagem pela última edição do festival indie as fuck What the Heck?, em Washington, fala disso com o entusiasmo de uma criança que descobriu a porta traseira da Disneylândia - não se justifica com nada de concreto e aparenta até um pouco de Alberto Caeiro. Não se estranha isso ao songwriter que afirma convictamente ter nascido numa ostra. E apesar de ser sempre debatível a atribuição do título de génio a um músico, sob pena de se tornar gratuito o termo, Dennis Driscoll merece-o certamente: pela impressionante espontaneidade demonstrada na recolha de adocicada e categórica seiva ao que de mais precioso pode oferecer a ingenuidade ao formato canção. Depois de três deleitosos discos (um desses conheceu o selo da K) e uma infinidade de canções soltas (nunca qualitativamente inferiores), a generosidade que antecede ao lançamento DYI do quarto My Grave is Kept Clean abriu já mão de três canções que lançam gigantescas expectativas sobre aquele que pode vir a ser o Pet Sounds ou Smile a descobrir ao tímido percurso musical do mais famoso escritor de canções de Illwaco, Washington.
Tenho-me sentido cativado e entusiasmado com as novas canções disponibilizadas no teu My Space (http://www.myspace.com/dennisdriscoll). É suposto virem a ser incluídas no teu próximo disco? Esclarece-me um pouco em relação a isso.

Obrigado por gostares das minhas novas canções. Tenho-me vindo a dedicar ao novo disco desde há algum tempo. Já se encontro pronto, na verdade. Ainda não o misturei e continuo a desenvolver o artwork e o grafismo. Contratei a Fontaine Anderson da Austrália para efectuar o artwork.

Estas três novas músicas parecem-me mais elaboradas e preenchidas com mais do que as tuas habituais componentes. Que recursos te tens sentido mais impelido a explorar ultimamente?

Extraí os beats ao software Reason e o resto fiz no Digital Performer. Liguei o meu velhinho teclado Alesis ao meu Mac com um conversor da Motu. Depois toquei com um placa de som vintage e outras coisas.

O título atribuído ao novo disco - My Grave is Kept Clean - é uma referência à música de Blind Lemon Jefferson mais tarde adaptada por Bob Dylan?

Sim. Em vinil, tenho um álbum do Dylan simplesmente intitulado Bob Dylan. Inclui a cover de “See That My Grave is Kept Clean”. Já alimentava a ideia de incluir no artwork uma imagem do meu corpo enterrado e à superfície da terra, e achei que o título se adequaria a isso. Além disso, os meus pais já me compraram uma campa. Contudo e a bem da verdade, não sei se quero ser enterrado ao lado deles.


Que outros discos esperas lançar na Stereophonic Egg?

Tenho toneladas de material – imensos projectos de Liceu que, à sua maneira, são varias de punk alternativo ou grunge. (risos)

Adoro o sample que usaste em “I like to sleep” e o pequeno zunido em “Monsters” (ambas incluídas na compilação do primeiro material caseiro, Is it love?). Tens gravado alguns samples com potencial para integrar futuras músicas? Que sons rotineiros captam a tua atenção?

Samplei o Kurt Cobain a dizer Shut up na “Hades Nighgown”, que fará parte do novo disco. Achei que podia ser interessante. A música, todavia, não é acerca do Kurt Cobain. Mas... Eu gostava de o ter conhecido e acho que esta é a minha forma de lhe dizer olá. Na música “Crybaby” incluí alguns sons de tempestade e chuva que tinha gravada num Mini-disc, a partir do exterior dos estúdios Nor-Va-Jak, em Clovis, Novo México, há alguns anos, durante uma viagem no meu carro por entre um enorme temporal. Usei esse mesmo som no disco lançado pela Yoyo (Mysterium Mysterium), mas achei que o podia usar novamente.

Que músicas tuas se encontram directamente relacionadas com a vivência em Illwaco (pequena vila piscatória de Washington onde Dennis viveu a sua infância)? Também vivo numa vila com tradição na prática de pesca.

Existe uma canção chamada “Foggy Day Illwaco”, que faz parte do disco Hello Dennis Driscoll. Devido a situar-se na Costa do Pacífico. É interessante também manteres uma relação com uma pequena vila piscatória. Eu nasci em Seattle, mas mudava-me para Illwaco durante o verão. É uma loucura viver em dois lugares diferentes. Tenho a agradecer ao meu pai por isso. Durante o ano lectivo, ele era professor de ginástica, enquanto que, durante o verão, era cultivador de ostras. Continua vivo e tem 72 anos de idade. Tenho outra canção intitulada “Cranberry Road” e trata de uma estrada perto de Illwaco. Encontra-se na compilação Is it Love?.

O que aconteceu aos lançamentos perspectivados que mencionas na entrevista a ti mesmo (momento disponível no My Space do songwriter)? Coisas como Waiting in Line e Astoria 2001... Eram títulos inventados por ti?

Waiting in Line era o nome atribuído a imenso conjunto de gravações que foram apenas lançadas em cassete numa label que tinha há muito tempo chamada “Brown Recordings”. Mudei o nome da minha label várias vezes. Estou a pensar abreviar o nome “Stereophonic Egg Records” para “Egg Records” ou “Golden Egg Records”. Espero manter esse desígnio a partir daí. Ainda tenho livro de banha-desenhada que tinha preparado para Astoria 2001. Quando chegou o ano de 2002 e ainda não o tinha lançado, acabei por colocá-lo de parte. Essas músicas também não chegaram a ser lançadas, mas uma dessas – “Chelsea” – chegou a estar disponível no site da K durante algum tempo.

Tens andado em digressão recentemente?

Nem por isso. Toquei numa casa em Portland. Tentei conseguir um lugar na primeira parte de Sean Lennon, quando ele tocou aqui em Seattle, mas acabei por ficar no público. Acho que eu e o Sean éramos as únicas duas pessoas a usar gravatas nessa noite passada no Crystal Ball Reading Room da sala de espectáculos Neumo.

Continuas em contacto com Dame Darcy (famosa cartoonista de culto que também envereda por outras áreas artísticas)?

Fui assistir a um concerto da sua banda, Death by Doll, quando tocaram pela última vez em Seattle. Não sei o que a Dame Darcy pensa acerca de mim, mas é socialmente delicada. Passa muito tempo entregue aos seus pensamentos – o que é importante quando se é a Dame Darcy. Tal como costuma dizer o meu amigo Patrick da Danger Room Comics:A Dame Darcy é uma força da natureza. Eu concordo. Estou empenhado numa BD que, de certa forma, representa um tributo a ela. Tem o título de Helium Hands.

Fala-me um pouco mais desse Helium Hands.

O Helium Hands será um livro normal de BD como o Meatcake da Dame Darcy. Ela começou muito nova (a desenhar) e eu tenho 29 anos, mas acho que ainda vou a tempo. Sinto-me entusiasmado com a hipótese de o completar. Outra grande influência para mim foi o Chris Ware.

Li no teu My Space que gostas do Carnival of Souls. Também adoro esse filme! Aquele pavilhão é realmente hipnótico. Qual é a tua sequência favorita?

Eu gosto das cenas em que ela guia. É tão intenso...

Já te decidiste quanto aos animais [Dennis revelara o dilema no seu diário de My Space]? Irás finalmente adoptar um animal de estimação em 2007?

Não sei. O cabelo, sim, é um problema. Mas penso muito em animais – adoro-os! Se os adoptasse, ficaria com um cão e um gato de uma só vez.


O que te levou a usar o traje de urso no concerto do último Festival What the Heck? Sentes-me mais confortável ou inspirado com o fato?

Comprei-o no Mercado em Amsterdão e achei que era muito bonito. Queria cantar “Teddy Bear’s Picnic” e achei que se enquadraria bem com o fato. Pensei que podia ser ridículo e era isso que me cativava. Gosto de bandas da Elephant 6 (uma label que funciona também enquanto colectivo) como os Apples in Stereo. Assisti a um concerto deles em que se comportavam estranhamente e faziam parvoíces – ao usarem fatos e adereços. Tal como quando o meu amigo de Santa Cruz agora a viver em Portland, Hugh Guthrie Holden, tocava “The Lowdown” e eles faziam coisas muito “à Beatles” – como, por exemplo, carregar alguém para fora do palco. Coisas completamente aparvalhadas!

Interrogo-me acerca de qual era o sentimento dos pequenos concertos tocados na casa do Marc e Curt, em Portland (mais tarde compilados em A House Full of Friends). E, já agora, lembras-te de quão especiais eram os concertos em Fort Awesome, Nova Iorque? Costumas assistir a alguns?

Não me lembro ao certo. Existem tantas bandas que mantêm um histórico das suas prestações ao vivo para a posterioridade. Eu baralho tudo! Mas tocar em Fort Awesome, em Nova Iorque, foi a melhor cena. Lembro-me de ir ao showcase da Rádio KRS e foi logo após o Elliott (Smith) ter falecido. Comprei algumas flores por causa da música de Phil Ochs, “The Flower Lady”, mas as mesmas eram de uns tipos floristas e isso tornava tudo um pouco diferente. Estou empenhado em renovar o meu website (http://www.dennisdriscoll.org/) e quero arquivar todos os meus concertos. Toquei tantos, mas não tantos quanto isso... Estou certo disso.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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