ENTREVISTAS
The Secret Society
Inverno para Sempre
· 01 Set 2006 · 08:00 ·
Ao longo dos tempos, sociedades secretas com mais ou menos poder, foram-se reunindo com um intentos comuns. Foram alvo de livros, de conferências internacionais, de teorias várias. Presentes desde a antiguidade, as sociedades secretas manifestaram-se em todos os domínios, quer a nível político, económico, cientifico, religioso, militar e até artístico. A sociedade aqui diz-se secreta mas não será assim tanto. The Secret Society é o projecto de Pepo Marquez, espanhol que alinha também nos Garzón e que em 2006 publicou Sad boys dance when no one's watching (pela madrilena Acuarela). Do cenário indie espanhol, do qual Pepo Marquez traça uma visão positiva, The Secret Society é sem dúvida um dos seus valores mais seguros; escritor de canções, fiel defensor do copyleft, habitual ocupante de palcos em Madrid e em Espanha (e não só), Pepo acredita que tem que existir algo mais na música para além da música. Em entrevista ao Bodyspace, Pepo Marquez mostra que a sua relação com a música é a mais saudável possível e que não é indie por escolha – mas sim por missão.
Quando começou a tua relação com a música? O que te lembras dos primeiros dias a tocar música?

Isso foi há muito, muito tempo. Quando eu tinha quatro ou cinco anos, os Três Reis Magos – versão católica em Espanha do Pai Natal – trouxe-me uma guitarra júnior como presente. A minha mãe disse que eu estava completamente encantado com o novo item. Eu tenho uma irmã gémea e um dia ela pisou a guitarra partindo-a em dois bocados. A minha muito promissora carreira acabou ali mesmo. Não guardo ressentimentos dela. Depois, o meu tio (que trabalha numa loja de guitarras) esqueceu-se de uma guitarra de nylon em casa uma vez. Nunca mais lha devolvi desde então. Comecei por mim mesmo. Eu era um caos. Imagina: a guitarra era maior do que eu (eu tinha cerca de dez anos) e eu nem sequer sabia como afinar. Quando comecei a escola secundária, comecei também a interessar-me na música. Mesmo muito. E pratiquei muito. Sozinho. Pratiquei vezes sem conta. Os Metallica e os Guns’n’Roses eram grandes influências. Conheci todas das canções deles. Depois, acho eu, é a mesma história: toquei em andas sem futuro nenhum - eu ainda acho que nada do que eu faço tem futuro de todo – e depois, quando estava a viver em Nova Iorque, todo o conceito The Secret Society veio ao de cima. Nada de especial, mas verdadeiramente pessoal.

Lançaste o EP January em 2003 na tua própria editora, a Winter Forever Recordings. Depois lançaste outro EP, Bomb the Past, na Yoyó Industrias. Como foram aqueles tempos de definição do projecto?


Eu quero sempre pensar que tudo em que estou envolvido é um ‘work in progress’. Eu ouço essas gravações agora e consigo ver-me a mim mesmo nessa altura. É claro que penso que melhorei (serei muito triste não senti-lo), mas também me reconheço a mim mesmo e às minhas palavras e forma como tocava guitarra nessas gravações. Não me arrependo de nada. A mudança mais importante (para não mencionar a questão do orçamento) é que durante a primeira gravação eu estava sozinho. Era só eu nos Secret Society. Depois, o meu não mais melhor amigo Jero chegou e tocamos uma série de concertos juntos. Pensei que a nossa amizade ia durar para sempre e gravamos Bomb the Past. Estava errado acerca da coisa da amizade e depois voltei a tocar sozinho. Estou sempre a crescer. Estou sempre em desenvolvimento. Agora, acredito que toco com as pessoas mais talentosas que já conheci. E estou contente.

Como é que acabaste por lançar Sad Boys Dance When No One’s Watching, o teu álbum de estreia, na Acuarela? Foi a tua primeira escolha?

Nunca enviei uma demo a ninguém. Nem sequer pensei nisso. Mas um amigo meu perguntou-me se ele podia mostrar os meus EPs ao Jesús, o chefe da Acuarela. A Acuarela é uma editora muito respeitada por todo lado e eu pude experimentar alguma vergonha quando eu pensei que algures em Madrid havia um tipo ouvindo todas as minhas estupidezes juntas porque um amigo mutuo lhe tinha dito para o fazer. Para minha surpresa, ele telefonou-me no dia seguinte. Ele adorou todas as canções. Fiquei chocado. Encontramo-nos para almoçar. Desde então, não passou um dia sem que falássemos ou escrevêssemos um ao outro. Somos amigos. Bastante íntimos. Não consigo ver Secret Society em nenhuma outra editora a não ser Acuarela, porque para mim, tem tudo a ver com as pessoas. Não somos as melhores pessoas no mundo, mas gostamos uns dos outros. E isso é mais do que suficiente para mim.

Admitiste influências de pessoas como os Fugazi, Joy division, Nirvana ou Nick Drake. Mas quando ouvimos Sad Boys Dance When No One’s Watching ouvimos muito mais do que isso. Concordas?


É estranho catalogares-te a ti próprio com esses nomes enormes. Sempre admiti e sempre admitirei que ouço os discos deles com devoção (excepto o Nick Drake, que trocaria pelo Elliott Smith, se possível. Não sei qual é a percentagem de cada um na minha música, mas é óbvio que ouvi muito estes discos e outros. É claro que eu concordo que podes encontrar muitos novos e diferentes nomes na minha música. Não sou à prova de água em relação à música. Estou sempre a ouvir novos discos. Agora que me lembro da pergunta acho que também retiraria os Nirvana da lista. Acho que não os ouvi assim tanto como ouvi o Bruce Springsteen, Ani Difranco, The Black heart Procession, As Friends Rust ou By the Grace of God. Só para nomear alguns.

De onde vem o titulo Sad Boys Dance When No One’s Watching? é sobre os putos indie?

Não. Prometo que não sei ou não me lembro de onde o título vem. Apenas gostei da forma como soava. Soava poderoso e real. Tem um certo sabor amargo e doce, e gosto dele. E também dá uma ideia de mim. Nada pretensioso.

Mudando de tema, pareces gostar de misturar politica com intimidade. Aprecias o risco envolvido?

Risco? Não estou a correr riscos de forma nenhuma! É tudo sobre mim. Feitas as contas, sou apenas um homem branco de classe média sem problemas nenhuns. Podemos dizer que eu sou um burguês. Não acho que esteja a fazer nada de especial pelo mundo. Escrevo aquilo que vivo. Canto aquilo que vivo. Quem me dera poder fazer mais pela comunidade. Quem me dera ter a coragem de mudar a minha vida e dedicar mais do que apenas umas poucas palavras numa estúpida canção por aqueles que realmente sofrem. Quem me dera poder ser melhor. Sou muito rigoroso comigo mesmo. Por outro lado, acho que não é um mau papel de todo dar alguma serenidade e momentos de paz aos outros com a minha música. Se isso está a acontecer de alguma forma, já fico contente e vou pensar que tudo isto importa, de alguma forma.

Já abriste para nomes como Songs:Ohia (e Magnolia Electric Co.), Jay Farrar, Stacey Earle, Xiu Xiu, Mark Eitzel, Destroyer, Brandtson e Last Days of April. Que memórias guardas desses concertos?


Abrir para bandas nunca é tão bom como parece. Algumas bandas/artistas pequenos dão geralmente muita importância a abrir para grandes bandas como se significasse que eles fossem tão grandes para partilhar o cartaz com eles. Não o vejo dessa forma. Sinto-me com sorte por estar lá. Apenas isso. É uma emoção muito egoista e pessoal quando tocar com bandas que significam muito para ti. Considero-me um privilegiado por ser aquela banda de abertura. Nunca vejo isso como algo potencialmente bom para a minha imagem ou para a venda de discos. Por vezes nem chegas a trocar uma palavra com os cabeças de cartaz (como aconteceu quando tocamos com os Arab Strap a primeira vez em Madrid). E isso é triste. A música, como eu disse, devia ser sobre as pessoas. Quando as pessoas não dizem sequer ‘olá’ umas às outras, a música não tem sentido algum. Na caixa de boas memórias colocaria quando fiz uma tour de 5 dias com Magnolia Electric Co., quando abrimos para Brandtson, com o Elliott, com os Xiu Xiu… por vezes abrir para bandas significa apenas bilhetes à borla para ti e para os teus amigos.

Antes de Sad Boys Dance When No One’s Watching, a Dearstereofan lançou uma edição limitada em vinil de 12 polegadas de remixes da canção “Sad Boys Dance!!” com contribuições de Antena, Destreza (a.k.a. E. Lebleu), Loud e os Two Pias DJ’s Vs Spam. O que achaste do resultado?

Estou contentíssimo com esse projecto, porque eu não conhecia as pessoas em pessoas excepto os Two Pias Dj’s. E é incrível que alguém que não conheces, pega numa das tuas canções e transforma-a em algo novo, algo diferente. Não tenho um forte sentimento de posse, especialmente se falamos de ideias. As ideias não são originais 99% das vezes. Eu gosto de partilhar. Gosto de manipular boas ideias para leva-las mais longe. É como levar uma mala numa estação de metro e deixa-la duas paragens depois e esperar que alguém pegue nela de novo. Se é que isto faz algum sentido.

O que é que pensas da música indie feita em Espanha? Quais são os projectos ou bandas que mais aprecias?

Acho que é saudável. A cultura cresce mais saudável entre a comunidade underground simplesmente porque nada tem que ver com dinheiro. É apenas sobre todas as coisas que expressas de formas diferentes. Isso é arte. Ao longo do caminho com The Secret Society fui-me sentindo mais e mais consciente de fazer parte de uma comunidade underground e daquilo que tudo isso implica: ser generoso, não ser egocêntrico, comprometeres-te com as coisas em que acreditas e sentes. É muito pessoal. É tão pessoal que por vezes esquecemo-nos disso e parece que tocamos em bandas por causa da popularidade. Acho que é mais importante do que isso. Muito mais. E uma vez que nos convencemos a nós próprios que temos uma ferramenta muito poderosa e transformadora nas nossas mãos, seremos muito perigosos e (espero eu) mais úteis de forma a tornar este mundo um melhor sitio para viver. Mesmo se temos apenas uma coisa pequena para fazer. Bandas que eu aprecio de Espanha: Remate, Refree, Ainara Legardon, Manta Ray, Nueva Vulcano, Stand Still, Half Foot Outside… existem muitos nomes. Sempre muitos nomes.

Tal como discutimos há pouco, abriste muitas para bandas de outros países, mas e que tal tocar a solo ou com outras bandas espanholas? É fácil encontrar locais para tocar em Madrid? E em relação ao resto da Espanha?

Não toco a solo muitas vezes. Acho que só o fiz duas ou três vezes. Se eu estou certo, só abrimos uma vez para uma banda espanhola: os Manta Ray. Apaixonamo-nos uns pelos outros. Assim mesmo. Vamos tocar de novo outra vez. Gostamos muitos deles e acho que eles também gostam muito de nós. Acerca das bandas espanholas que abriram para nós, apenas digo que estou agradecido. Não os considero como estando a abrir, mas sim a outra banda que está a tocar. Quero mesmo mudar o conceito aos olhos da audiência que não há uma banda mais importante que a outra mas sim uma banda que tem de tocar primeiro e outra banda que tem de o fazer depois. Sobre Madrid: não é de maneira nenhuma fácil encontrar sítios confortáveis para tocar. Eu venho da cena hardcore onde qualquer sítio pode ser um local para tocar mas se queres ter um mínimo de qualidade, apenas tens 5 ou 6 sítios para tocar. É difícil. É o sítio mais difícil em Espanha para tocar. Espanha é um país grande para generalizar, mas podes encontrar locais porreiros para tocar. Tocamos no Café de Antzokia em Bilbao e é fantástico; Razzmatazz em Barcelona; Apolo em Barcelona, Azkena em Vitoria… há alguns que são bem bons. Mas acredito que tens de ter um certo estatuto para tocar nesses sítios. Nem todas as bandas se podem dar ao luxo de tocar lá. E é triste. Eu adoro a Europa central, onde qualquer sítio parece ser o sítio perfeito para tocar.

Tanto quanto sei também gostas de actuar como DJ em alguns locais de Madrid. Como é que essa actividade paralela começou?


Por acidente. Tenho muitos discos porque ouço muita e diferente música. Uma vez alguém me perguntou se eu queria ser DJ durante a noite num bar. E eu disse sim. E desde então tenho feito de DJ de quando em vez. É algo que eu gosto: por a tocar canções que eu gosto para os meus amigos e para os amigos dos meus amigos. Sou um mau DJ e não sei misturar. Mas prometo que vou aprender em breve.

Estiveste em Portugal recentemente, no Porto e em Lisboa. Como viste as cidades e os concertos?


Não quero parecer lamechas, mas foi uma experiência que mudou a minha vida. Como eu não sei o que esperar quanto eu toca ao vivo, recebi umas boas vindas acolhedoras. É estranho quando estás fora do teu território e recebes umas boas vindas tão acolhedoras. É talvez o poder da música: não precisas de ser conhecido para as pessoas reagirem e divertirem-se. Faz-me pensar imenso. Estou sempre a pensar em coisas estúpidas como 'quem sou eu aqui?', 'o que é que eu estou a fazer?’, 'isto é uma boa ideia?', 'isto é necessário?'. Acho que todos se perguntam a si próprios estas questões. E depois encontras-te a ti próprio no Porto ou em Lisoba, tens a hipótese de comunicar, dar uma parte dos teus ideais, palavras, o que quer que seja. E tens pessoas prontas a receber. Tens pessoas que realmente querem receber a tua mensagem. É fantástico e estranho ao mesmo tempo. A Galeria Zé Dos Bois em Lisboa está provavelmente no meu top 3 de sítios que eu tive a oportunidade de tocar até agora. Mal posso esperar para voltar.

Como estão as coisas com os Garzón? Têm planos para a banda num futuro próximo?

Andamos a tocar muito, como sempre. Lançamos dois EPs e vamos gravar um terceiro em breve. Não temos quaisquer planos de gravar um álbum porque queremos mesmo mudar a ideia que diz que se não tens um LP lançado, então não és ninguém. Bem, acreditamos que as coisas mais importantes na música são as canções. E se queremos lança-las em EPs ou singles, é a nossa opinião. Adoro tocar bateria nos Garzón. É tão diferente de tocar nos Secret Society que eu posso provar o bolo inteiro. Talvez tenhamos a oportunidade de tocar em Portugal. Isso seria óptimo.

Li algures que acreditas no Copyleft e que o praticas. O que é que nos podes dizer sobre isso?

O Copyleft é a atitude mais lógica que eu encontrei para apoiar a arte. Reconheço o autor, mas o autor reconhece-me como um autor também e deixa-me utilizar o seu trabalho para melhorar o meu. Para mim, essa é a ideia. Desistir dos direitos de autor é apenas sobre o dinheiro. O Copyleft não diz que ‘não és o autor desta canção se estás sob o Copyleft’. Diz que desistes dos teus direitos de ganhares um quantidade minúscula de dinheiro de forma a partilhares o teu trabalho e torna-lo aberto para o público. Eu concordo com isso e pratico-o. Não há nada mais vergonhoso do que ver os grandes nomes (aqueles que ganham a maior parte do dinheiro) lutarem pelo pedaço de bolo que já não lhes pertence. É engraçado: eles não vão ganhar.

Agora vais tocar no FIB e em alguns outros concertos. Que planos tens depois para o futuro?

O mesmo de sempre: gravar novas canções e tocar em lugares bonitos. É assim que deve ser. E ser uma banda que não seja má. Uma banda que as pessoas possam gostar ou não, mas que a respeitem por aquilo que ela é.

André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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