DISCOS
Arto Lindsay
Invoke
· 21 Out 2002 · 08:00 ·
Arto Lindsay
Invoke
2002
Righteous Babe


Sítios oficiais:
- Arto Lindsay
- Righteous Babe
Arto Lindsay
Invoke
2002
Righteous Babe


Sítios oficiais:
- Arto Lindsay
- Righteous Babe
Arto Lindsay, quase cinquentão, ex-músico no wave (DNA), ex-músico de indie pop (Ambitious Lovers), colaborador de Laurie Anderson, David Byrne e Maria Bethânia, atingiu um estatuto de semi-Deus da experimentação e do art-rock, sendo em simultâneo uma das principais referências dos novos rumos da revolucionária Tropicália brasileira dos anos 60 e de Caetano, Gilberto Gil e Chico Buarque, que Arto acompanhou enquanto crescia. Ele próprio refere: “Eu fui criado no Brasil nos ’60, com a noção de que a música pop deveria divulgar informação e ajudar a mudar a consciência das pessoas. A pop brasileira estava então aberta a diversos estilos de música, porque o Brasil estava próximo, e não no meio, de tudo: para nós parecia natural ouvir e gostar de todos os tipos de música, dos Beatles ao Folk, passando por John Cage. Talvez seja por causa disto que eu sou o que sou”. Estas foram as raízes de Arto Lindsay, fundamentais para o som que iria desenvolver nos anos 90, entre baladas bossa-nova naïf (cantadas em português) e derivações sónicas construídas por ruídos e influências do seu passado pós-punk.

Arto invoca assim um imaginário muito próprio, estranha fusão para quem ouvir pela primeira vez, conseguindo porém uma coerência sonora inesperada, através da “ambientalização” dos temas, em concreto neste “Invoke”, de batidas lentas do princípio ao fim do álbum.

“Invoke” não é, no entanto, um álbum surpreendente, muito menos um álbum-charneira. Todas as influências eram já nítidas em “Mundo Civilizado”(surpreendidos pelo nome em português?) ou no genial “Noon Chill”. É, ao invés, um prolongamento, mais um álbum de canções delico-doces e de samples brilhantes e subtis, de guitarras deliciosamente bossa-nova e pianos elegantes (eis uma introdução importante, a importância das melodias de piano). Mas é mais um, e a importância do que traz de novo é relativa. Ou melhor, é relativo se traz alguma coisa de novo.

Mas seria injusto classificar “Invoke” como “menor”; bem pelo contrário, é um álbum cheio de pormenores que definem a classe de Arto Lindsay. “Illuminated”, a primeira música, é uma declaração de intenções, uma síntese do que viria a seguir (tal como “Invoke”). Muito downbeat, com ritmos R&B (!), pontuados por contratempos, uma linha baixo muito boa (Melvin Gibbs), estrutura de canção bem definida, lenta e com a voz de Arto a flutuar, frágil e melancólia, por entre as tarolas. Há qualquer coisa na voz dele que definitivamente me seduz. Um certo tom geek, longe, muito longe, de notas agudas forçadas ou de vibratos de casa de banho. É uma voz sóbria mas cativante.

“Predigo” mostra a outra faceta da genialidade criativa de Arto Lindsay, a faceta das distorções e da tropicália estimulantemente agressiva (oiça-se também o cinemático “In The City That Reads”). São essas duas facetas que estão em constante troca; a estrutura do álbum não é linear, não é um previsível crescendo, mas balança, divide-se e mistura-se.

Os melhores momentos de “Invoke” situam-me, na minha opinião, num dos lados desse “limbo”: no lado mais intimista e mais contagiante, no lado de “You Decide” e dos lindíssimos “Delegada” e “Beija-me”. Fazem-me lembrar o melhor de Chico Buarque, e a voz de Arto adapta-se maravilhosamente. Sobra porém algum aborrecimento à medida que se percorre o álbum. Arto Lindsay tem, como já referi, quase 50 anos e parece querer consolidar um estilo. Não diria que a sua música esteja gasta ou dê algum sinal disso; mas, de vez em quando, parece cair em fórmulas.

Ou então talvez seja eu a pôr as expectativas ao nível de um mito que Arto Lindsay começa a ser.

“I get all my light from one light bulb/I stand illuminated...I only roll down one staircase/I only have foresight the first time."
Nuno Cruz

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