DISCOS
Jóhann Jóhannsson
IBM 1401, A User's Manual
· 04 Jan 2007 · 08:00 ·
Jóhann Jóhannsson
IBM 1401, A User's Manual
2006
4AD / Popstock Portugal


Sítios oficiais:
- Jóhann Jóhannsson
- 4AD
- Popstock Portugal
Jóhann Jóhannsson
IBM 1401, A User's Manual
2006
4AD / Popstock Portugal


Sítios oficiais:
- Jóhann Jóhannsson
- 4AD
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Multi-instrumentista islandês aproveita para majestosa sinfonia preciosos vestígios nostálgicos oferecidos por um dos primeiros computadores IBM.
Não é de estranhar que o atraso a separar Portugal da Islândia em termos de progresso, seja proporcional ao que distancia ambos os países no que diz respeito a motivos nostálgicos. É duro admiti-lo, mas fatal constatá-lo. Por cá, cumpre-se de dois modos distintos o revivalismo das experiências em tempos gloriosamente populares – admira-se apaixonadamente a ingenuidade dos tempos de Duarte & Companhia, esses em que o cabelo de Tozé Martinho não era ainda grisalho, e revive-se morbidamente os anos do grunge entre 1992-1994, com a repetição nauseante dos mesmos sucessos desses anos. À excepção das mixtapes dedicadas à década de 80, uma indesejada maioria dos métodos de reciclagem nostálgicos sucede-se sem imaginação e por mera colagem das peças espalhadas pelo tempo. Provavelmente por estar tão à frente o seu país natal, o islandês Jóhann Jóhannsson, figura transversal do colectivo de artistas Kitchen Motors (também uma label), desenvolveu uma forma surpreendentemente sofisticada para explorar um mote saudosista que tinha ficado para trás: as memórias do primeiro computador comercializado a ser importado para a Islândia – o tal IBM1401 que dá título ao disco do multi-instrumentista.

Posto isto, ressalve-se, com as primeiras linhas deste segundo parágrafo, que os acontecimentos e factores pessoais em torno de IBM 1401, A User’s Manual são bem mais cativantes, e certamente mais digeríveis, que o disco em si. Sem que isso equivalha a um trabalho musicalmente desinteressante ou menos significante (mais adiante tratar-se-á de esclarecer porquê). Mas a verdade é que não seria o mesmo o encanto sinfónico que se escuta a IBM 1401, A User’s Manual sem o conhecimento (devidamente contextualizado) da sucessão de eventos que conduziram até ele. Resumam-se então esses. Em tempos, Jóhann Gunnarsson, empresário ávido por práticas musicais e pai de quem por aqui lhe presta homenagem, dedicara-se à exploração das capacidades técnicas do computador IBM 1401 como instrumento de composição, apesar das limitações próprias de um aparelho originalmente destinado a armazenamento e processamento de dados. Trinta anos depois, tal vocação obscura e a existência de documentação disso (gravações em fita da “música” emitida pela relíquia tecnológica) é partilhada com Jóhann Jóhannsson, que, estimulado pelas perspectivas temáticas do ocorrido (homem-máquina e evolução tecnológica), se incumbiu de compor uma espécie de sinfonia moderna que, eventualmente, veio a incluir as gravações que sobreviveram ao tal computador.

É evidente que há por aqui – mesmo que em subtil surdina – a vontade de elaborar uma obra sólida que obrigue a devota escuta contínua das suas cinco partes, por contraste a uma mais prática audição de fragmentos providenciados por singles instantâneos (prática corrente da geração mp3). De instantâneo nada tem IBM 1401, A User’s Manual, na sua grandeza de empreendimento faraónico executado por uma orquestra de sessenta músicos – a Filarmónica da Cidade de Praga (a que se destaca a secção de cordas e o dramatismo invocativo que oferece ao disco). Apesar das proporções do projecto, não se denota ao disco de Johánnsson pretensiosismo cego que sufoque as vias que variam o estável formalismo de um disco essencialmente sinfónico: a inserção esparsa da tal electrónica forçosamente minimalista do IBM 1401, imprevisíveis e elegantes crescendos e decrescendos, um alheamento total a quaisquer tendências recentes (que só facilita a que o disco seja apenas igual a ele mesmo), picos tocantes e a conclusiva noção de que - goste-se ou não – dificilmente conheceria mais apropriada realização tão arrojada ideia como aquela que motivou Jóhann Jóhannsson. Um IBM dos tempos de hoje assinalaria a ocasião com uma janelinha onde se pudesse ler: Operação concluída com sucesso.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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