DISCOS
Guilherme Canhão
‘86
· 23 Out 2006 · 08:00 ·
Guilherme Canhão
‘86
2006
Merzbau / Lovers & Lollypops


Sítios oficiais:
- Merzbau
- Lovers & Lollypops
Guilherme Canhão
‘86
2006
Merzbau / Lovers & Lollypops


Sítios oficiais:
- Merzbau
- Lovers & Lollypops
Retrato de infância assinado por metade dos Lobster revela-se como uma das maiores surpresas nacionais de 2006.
Da infância guardam-se regra geral fragmentos de memórias suspensas no ar por razões dificilmente explicáveis. A memória mais selectiva poderá separar o trigo do joio, mas casos há em que os flashbacks surgem de forma geralmente desordenada, juntando boas e más recordações, reunindo imagens nítidas e verdadeiras com alguma ficção possivelmente impulsionada por uma imaginação mais fértil. Para os mais esquecidos o habitual álbum de fotografias é capaz de gerar sensações de um saudosismo saudável, para outros são os brinquedos ou os primeiros desenhos que desencadeiam o retroceder por vezes tão desejado. Há ainda quem se proponha a recuperar as suas memórias de infância e de inocência em forma de disco.

É o caso de Guilherme Canhão, metade do power-duo Lobster (a outra metade é Ricardo Martins), um dos projectos mais badalados do underground português e dos palcos nacionais com menos fama. Mas se nos Lobster Guilherme Canhão é o guitarrista de serviço para o noise-rock físico e agressivo e da banda de Lisboa, aqui, no seu primeiro tomo a solo, é explorador numa surpreendente mescla de ambient e pós-rock, num disco que encontrou na netlabel Merzbau a sua edição virtual e na Lovers & Lollypops o lançamento físico.

‘86 (uma referencia ao ano em que Guilherme Canhão nasceu), foi gravado em casa entre 2003 e 2006. São dez temas (mais um do que a versão virtual, “Blues do Desertoâ€), onde Guilherme Canhão utiliza fundamentalmente a guitarra para criar paisagens de grande beleza, como acontece na faixa de abertura, intitulada “Praiaâ€, com o horizonte carregado mas atmosfera leve. “Praia†surge como um pequeno resumo daquilo que Guilherme Canhão acaba por fazer nos minutos que se seguem. Num golpe inteligente, ao longo do disco surgem ‘convidados’ especiais como risos de uma criança em “Infânciaâ€, percussão em “Renault 5â€, um saxofone subtil em “Memóriasâ€, elementos que fornecem a ‘86 o oxigénio suficiente para a viagem de 32 minutos.

Como exemplo do sucesso de ‘86, “Sol Estival†faz-se do cuidadoso sobrepor de guitarras e do aproveitamento dos raios de luz e de melodias desencantadas com a inocência dos dias perdidos: o resultado, uma curta mas recompensadora jornada de imensa beleza, algo aliás bastante comum neste disco. O disco de estreia de Guilherme Canhão consegue realizar todos os seus propósitos e afirmar-se como um dos discos mais surpreendentes do ano feito em Portugal. Em ‘86, todas as canções têm memórias agarradas, em eterno suspenso. Não aconselhável a algumas pessoas, por ser um disco perigoso para quem renega o seu passado.
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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