DISCOS
Envelopes
Demon
· 05 Set 2006 · 08:00 ·
Envelopes
Demon
2006
Brille / Popstock!


Sítios oficiais:
- Envelopes
- Brille
- Popstock!
Envelopes
Demon
2006
Brille / Popstock!


Sítios oficiais:
- Envelopes
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- Popstock!
Indie caseiro de dupla nacionalidade encontra-se possuído pelo "demo" da lo-fi e pop em ponto de rebuçado.
De todas as causas habitualmente responsabilizadas pela separação dos Pavement, a inconveniência geográfica que afastava os seus membros parece ser realmente a mais credível. Por altura do terminal Terror Twilight, a banda de Stephen Malkmus contava com sólida falange de admiradores – os que haviam resistido à estranheza de Wowee Zowee - e o apoio incondicional da Matador, que os tratava como a coqueluche de sempre (não terá sido propriamente acessível o recrutamento do produtor Nigel Godrich para conduzir as gravações de Twilight). Contudo, também a noção de que eram praticamente insuperáveis Slanted & Enchanted e Crooked Rain, Crooked Rain assombrava a banda desde que viu partir o seu carismático e alucinado baterista Gary Young (substituído por Steve West durante a fase inicial das gravações do segundo álbum). Para se abstraírem disso e de toda a pressão, os Pavement, aquando da composição de Terror Twilight, isolaram-se do mundo racional ao adoptarem um estilo de vida que os próprios intitularam como drunk America on parade (América embriagada em marcha). A opção haveria de resultar num disco repleto de hinos sentimentais para gente alheada, dividida por um pé na lua e outro na escuta das melosas “Major Leagues” ou “Ann Don’t Cry”. Por força da dupla nacionalidade dos Envelopes (4/5 sueca e 1/5 gaulesa), as gravações de Demon estabeleceram-se pela neutralidade de uma casa de campo em Yorkshire, Inglaterra, que serviu de laboratório a um disco nem sempre tão pop quanto se julgaria, mas tão convidativo ao êxodo rural como era – inflamado por ironia e sarcasmo – “Range Life” dos padrinhos espirituais Pavement.

A verdade é que a ingenuidade trajada de Carochinha não atende quando batem à porta de bandas como os Envelopes as dezenas de comparações óbvias – Belle & Sebastian dos primórdios académicos, metade da Rough Trade e K Records e tudo o que a catapulta indie tiver inscrito no seu menu como prato do dia. A ingenuidade passa a ser um instrumento criativo de valor quando é repetida vezes sem conta e em coro Is your sister in love? em consonância com um linha de Moog tão saltitante como a Bota Botilde. E nem por isso se pode acusar os Envelopes de serem tão alinhados como uma fila indiana de Lemmings missionários – estes suecos dominam o timing exacto para pisar o pedal e dar largas à derrocada de fuzz de baixas calorias. Ao abrigo de ser apenas um disco de “demos” (Demon em sueco significa isso mesmo), decresce a gravidade do descalabro que pudesse provocar uns quantos tiros ao lado (e também os há sob a forma do pastelão “Your Fight is Over” e da exausta “Glue”) . Em todo o caso, salvam a honra do convento brilharetes como “I Don’t Even Know”, que faz surgir em cena uma espécie de pop de sandálias húmidas, a casamenteira “Isabelle and Leonard” que soa tão eficazmente fácil como o tema da Família Adams e uma "Audrey In The Country" no lugar de serenata para abelha à chuva, que apesar de cometer o cliché de fazer referência a Steve McQueen (porque não tentar Lee Marvin de vez em quando?), recupera um charme Fred Astaire que só lhe fica bem.

Ainda assim, o match point é de difícil atribuição no caso deste debute dos Envelopes, que passam o teste com um carimbo “aprovados até ver”. Masca-se bem, mas gasta-se depressa. O melhor é sentir instintivamente que Demon se encontra bem próximo da adocicada estética lo-fi utilizada pelos Aberfeldy em Young Forever e que, em certas ocasiões, a vocalista Audrey faz lembrar Mariana dos Pinhead Society - dois dourados pilares dos meus sonhos pop dos últimos dez anos. Ocupará cantinho da maior estima, nem que apenas por isso.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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