DISCOS
Yoshio Machida
Infinite Flowers
· 05 Abr 2005 · 23:00 ·
Yoshio Machida
Infinite Flowers
2004
Amorfon


Sítios oficiais:
- Yoshio Machida
- Amorfon
Yoshio Machida
Infinite Flowers
2004
Amorfon


Sítios oficiais:
- Yoshio Machida
- Amorfon
Às vezes basta apenas o magnetismo de um som reconhecível para ancorar o ouvido às profundezas de um disco, que, entre um fundo emaranhado e uma superfície mais convencional, condense um fluído onde a percepção é parda até desenvolver aptidões específicas. Neste caso, urge regular os pulmões à absorção de pólen em vez de oxigénio, aguardar por um momento de revelação oportuno e, com um salto de truta, armazenar fôlego que sobreviva aos momentos em que Infinite Flowers amua fechando-se em copas – consolidando a partir daí a ideia de que a rota que o trespassa deve ser percorrida ao sabor do impulso de um número infinito (lá está) de minimalismos. Que elemento se ocupa então de estabelecer a familiaridade entre alguém estranho ao trabalho de Machida e a sua polpa de subtilezas? O som que se reconhece de imediato aos metais tipicamente caribenhos do calypso, ao sample imediato que Boss AC usa no single “Hip hop (sou eu e és tu)” e à banda-sonora de A Pequena Sereia (a cada vez que um crustáceo toca conchas). Pontos cardeais pop que impedem qualquer pessoa de se perder entre as Infinite Flowers.

Não se julgue no entanto que Yoshio Machida - figura notável da improvisação japonesa – capta os tons radiantes aos metais como se condenados a serem inseridos num disco de reggae metro-sexual (sub-género cada vez mais em voga por cá). Machida tratou de personalizar as superfícies metálicas de modo a que comportassem três relevos ligeiramente diferentes. Denominou de amorphone o dispositivo que resultou da junção entre três bacias metálicas e um laptop pronto a modular o seu som circular com tendência para a propagação (informações detalhadas podem ser encontradas aqui: http://www.yoshiomachida.com/HTML/YMSND3.HTM). Para que não saturasse a presença solitária do amorphone, Machida convidou a contribuir para Infinite Flowers um par bem experiente em dinâmicas electro-acústicas, os Minamo (que em breve conhecerão um novo lançamento com o selo da Esquilo): Tetsuro Yasunaga ocupou-se de digitália vária, enquanto que Keiichi Sugimoto cedeu a sua guitarra aos processos primaveris que se sucedem em “Polen”, no extenso “Namaqua” e em “Poppy”. O resultado desse cruzamento escuta-se a uma explosão de fragrâncias: emanada em dois tempos no embriagante exercício “Fragrance” (que induz à narcolepsia por perfuração de electrónica vertida a conta-gotas), ordenadas por diferentes graus de profundidade a que se vai ganhando acesso mediante o número de escutas.

Na verdade, não parece despropositado assumir Infinite Flowers como um apaixonado tratado sobre botânica perspectivada por um microscópio obsessivamente atento a todas as mudanças. Machida e os Minamo no lugar dos agentes necessários à fotossíntese de um corpo à partida em estado bruto. A certa altura Infinite Flowers ganha uma autonomia desenvencilhada: passa a exibir ostensivamente a miríade de cores suficientes a mil auroras diferentes. Quando assim é, pode-se reordenar o seu aspecto caleidoscópico um sem número de vezes e descobrir sempre um disco novo (sim, estamos a pensar no mesmo disco de Boards of Canada). Vivem limitados os cientistas que um dia alegaram que as vacas produziam mais leite se submetidas à escuta periódica de R.E.M. ou Tom Jones (nota: nomes especulados). Infinite Flowers é o sonho utópico de qualquer camponês.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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