DISCOS
Veronica Lipgloss & The Evil Eyes
The Witch’s Dagger
· 18 Abr 2006 · 08:00 ·
Veronica Lipgloss & The Evil Eyes
The Witch’s Dagger
2005
Gold Standard Labs


Sítios oficiais:
- Veronica Lipgloss & The Evil Eyes
- Gold Standard Labs
Veronica Lipgloss & The Evil Eyes
The Witch’s Dagger
2005
Gold Standard Labs


Sítios oficiais:
- Veronica Lipgloss & The Evil Eyes
- Gold Standard Labs
Não. Recuso-me a arriscar uma projecção mental da imagem que sugere o press release de The Witch’s Dagger para defini-lo a um público desconhecedor. Alguém achou por bem comparar o som praticado por Veronica Lipgloss e os Evil Eyes a uma cena decepada na sala de montagem ao emblemático Downtown 81, cápsula temporal pós-“beat” que, além de documentar um dia na vida do entretanto emergente Basquiat, regista a aurora da new wave, hip hop e tantas outras expressões artísticas que haviam de ganhar maturidade com o avanço da década de 80. Até aí tudo operacional e funcionalmente interessante. A minha relutância prende-se apenas ao facto de não querer sequer imaginar o que se terá passado nas sequências cortadas que possam ter levado a contracenar Vincent Gallo (que, nesses tempos idos, era um pioneiro MC) e a atómica Deborah Harry (hoje e sempre, Blondie). Face a isso, tratei de criar uma alternativa nos mesmos moldes: The Witch’s Dagger encontra-me algemado por Tura Santana num porta-bagagens de uma cena que Russ Meyer preteriu na montagem de Faster, Pussycat! Kill! Kill!. Tura tresanda a cigarros Camel, tem uma lâmina no lugar da fivela do cinto e por mais que uma vez já ameaçou a continuidade da minha fertilidade. Sobra ao cenário a presença da Route 666 como única testemunha do momento de tensão (o condutor vai vendado) e os sopros letais de “Unicorn Song” como garantia antecipada de que não será assim tão triste celebrar o meu funeral em El Paso.

De volta a uma banal noite de quinta-feira – não fosse a escuta deste promissor debute e seria mesmo–, importa, antes de mais, frisar a liberal abertura sexual que faz de São Francisco um paraíso para gente aborrecida com uma rotina exclusivamente heterosexual. Nada melhor que esse background de diversidade para garantir considerável margem de manobra à endiabrada afronta que constitui para a ortodoxia Veronica Lipgloss e os Evil Eyes - ou, se preferirem, o imperioso bradar vamp de Rhani Lee Remedes e restante trio submisso à voluptuosa presença dessa autoridade. A cargo da produção deste debutante tour de force, quem mais senão Phil Manley dos musculados e admiráveis Trans Am – entidade que a qualquer momento ameaça um regresso que tem tudo para ser Sebastianista. Faz todo o sentido recair sobre ele o cargo, quando há bem pouco tempo tinha convencido uma turba de fieis a render-se à noite. Escuta-se essa mesma intencionalidade à viciosidade que The Witch’s Dagger recupera ao electro-TRANSvestido. A todo o conjunto de envolvidos pressente-se uma atitude em tudo equiparável à assumidamente obnóxia postura de um lendário Johnny Rotten prestes a matar o Bambi por impulso de desejo necrófilo. E essa imagem não chega a ser tão chocante quanto aquela que no magnifico inlay ilustra um acto sexual multiplamente bestial entre Veronica Lipgloss – a personagem - e toda uma variedade de fauna animal que não parece minimamente interessada em convidar a mergulhos pueris numa piscina ou a convencer alguém de que não é obrigado a seguir a carreira académica.

Os pontos altos do disco distinguem-se dos restantes como o calcanhar separado do chão por um pontiagudo bico de sapato. “Flickering Reels” – onde o sopro e bateria dramática agem como emissários do noctambulismo - é uma espécie de “blues” ideal para acompanhar o sinistro anão de Twin Peaks no seu arrastado desabafo de fantasias por consumar na companhia de Laura Palmer entre as cortinas vermelhas de Black Lodge. Em antecâmara de um final aberto, borra-se o gloss aos lábios de Veronica à medida que se vai tornando impiedoso o moog de “Bleed to the Beat” na cavalgada libidinosa daquela linha diabolicamente dançável, capaz de arejar os sovacos aos que preservem uma particular fixação por manter as mãos nos bolsos. Subiriam em flecha as probabilidades de momentos de sexo casual se a ponta desta adaga chegasse um dia a servir de arma aos DJs da noite de Vilamoura. Telefona-me, Pantaleão.

The Witch’s Dagger relata a história da violência tal como perspectivada a partir de paredes de móteis onde a imundice e carnalidade se encontram gravadas no metal das chaves que dão acesso aos quartos. Felizmente, existem canções convincentes e energia que baste para isentar esta matilha de estarem limitados à pose que invocam. Digamos que nada teria a perder VV dos Kills em trocar o Hotel pela sua variante mais habituada aos tóxicos da estrada e acompanhar Rhani Lee Remedes numa estadia quinzenal de carácter pedagógico. Poderá sempre que quiser enviar as cenas cortadas aos vídeos dessas férias para a morada de e-mail assinalada em baixo.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

Parceiros