DISCOS
Electrelane
The Power Out
· 08 Nov 2005 · 08:00 ·
Electrelane
The Power Out
2004
Too Pure


Sítios oficiais:
- Electrelane
- Too Pure
Electrelane
The Power Out
2004
Too Pure


Sítios oficiais:
- Electrelane
- Too Pure
As bandas rock femininas não recebem o hype que merecem. O aforismo ganha consistência concreta quando se olha para o espólio das Sleater-Kinney ou das Electrelane, caso concreto aqui estudado. Depois de uma estreia já apreciável com Rock It to the Moon, The Power Out é o primeiro grande álbum do quarteto feminino de Brighton. Não é que o primeiro disco não fosse já marcante, até porque delineava a matriz musical a ser seguida, mas faltava um toque de consistência e matreirice, dado aqui pelo produtor Steve Albini. Que, no que até pode ser considerado algo de paradoxal, pôs a banda a experimentar diferentes tipos de estruturas de canções, com destaque claro para o uso de vocalizações, praticamente ausentes de Rock It to the Moon.

Mas falemos de The Power Out: puro art-punk vintage, pós-riot grrrl, feito de guitarras angulares, baixos palpitantes e sobreposição de texturas nutritivas, bem condimentadas com o uso de teclados, com destaque para o órgão Farfisa. Um instrumento que nos remete para os Pink Floyd ou para os contemporâneos Stereolab e que consegue proporcionar ambientes kitsch, retro e avant garde, mesmo que possa ser difícil imaginar tudo isso junto. De resto, ninguém pode acusar as Electrelane de falta de variâncias rítmicas e melódicas. Nesse ponto, as primeiras três faixas são exemplares: “Gone Under Sea” abre o álbum, com a presença constante do sintetizador e uma linha de baixo a fazer lembrar Joy Division, mas com um libertar “feliz” da tensão acumulada, ao contrário do quarteto de Manchester; “On Parade” é daquelas músicas que conquistam ao primeiro acorde: baixo saltitante, confronto entre guitarra ritmo e solo e uns gritinhos à papagaio que podiam soar a parolo, mas que se revelam contagiantemente “cool”; “The Valleys” poderá ser melhor descrito como gospel-rock, suportado por um grupo coral (quase gregoriano) de 12 pessoas e pelo omnipresente órgão. Ou seja, se é do tipo de pessoa que se chateia com planagens rítmicas ou melodias repetitivas, se acha que os Coldplay andam a fazer a mesma música há 4 anos, então este é o disco para si. Chegados a este ponto do álbum, qual é o problema? É que o ponto alto é atingido aqui, cedo demais.

Não é que o resto seja de desprezar: é só que o pico da montanha já ficou para trás. Mas a viagem de descida ainda mantém alguns sobressaltos: “Birds” começa com um espírito mais easy listening (se não soul, pelo menos soulful, dentro do registo seguido, por exemplo, pela sensação indie Feist), mas descamba num ritmo jazz acelerado e num rendilhado de guitarra. “Only one thing is needed” é uma construção sobre uma harmonia de órgão que faria as delícias de qualquer banda electro-pop, com um desvario em saxofone a fazer lembrar a parte final de “The National Anthem”, dos Radiohead. Já as instrumentais de serviço, “Love Builds Up” (espírito feira popular) e “You Make Me Weak at the Knees”, ficam um pouco abaixo da inspiração demonstrada noutras ocasiões.

Há ainda a particularidade de haver letras em três línguas, para além do inglês: “Gone Under Sea” é cantada em francês, “Oh Sombra!”, reproduz um soneto do poeta espanhol Juan Boscan e "This Deed", em alemão, é construída à volta de uma citação de Nietzsche, do livro “A Alegre Sabedoria”. Quanto a esta última faixa, parece que Moby já a conhecia antes de gravar o último álbum: os acordes iniciais são a “Lift Me Up” escarrapachada, mas o rumo seguido é depois bem diferente do tomado pelo norte-americano, pelo que não há motivo para preocupações.

The Power Out é um hiato na carreira das Electrelane – entre dois álbuns basicamente instrumentais, Rock It to the Moon e Axes -, mais pop, mais catchy e com uma ênfase significativa nas vocalizações, coisa que, diga-se em abono da verdade, nem é aquilo que as “meninas” de Brighton sabem fazer melhor. Mas em toda a discografia da banda há vários pontos de contacto, sendo o jogo de equilibrismo entre diferentes texturas de guitarras e teclados a base: mais Sonic Youth e abrasivo em Axes (que, afinal de contas, foi gravado ao vivo), mais artsy e psicadélico em The Power Out, mais naif em Rock It to the Moon. Para quem não conhece a obra das Electrelane, The Power Out pode mesmo ser a porta de entrada mais acessível, por muito que as etiquetas kraut rock, avant garde e pós-rock possam assustar. É que não há mesmo razão para isso.
João Pedro Barros
joaopedrobarros@bodyspace.net
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