DISCOS
Arab Strap
The Last Romance
· 01 Nov 2005 · 08:00 ·
Arab Strap
The Last Romance
2005
Chemikal Underground / Popstock Portugal


Sítios oficiais:
- Arab Strap
- Chemikal Underground
- Popstock Portugal
Arab Strap
The Last Romance
2005
Chemikal Underground / Popstock Portugal


Sítios oficiais:
- Arab Strap
- Chemikal Underground
- Popstock Portugal
Existe uma conduta própria comum a quem um dia sacrificou uma existência higiénica em prol de uma devoção doentia a essa religião virtual designada por Championish Manager (o simulador de treinador de futebol que entretanto viu o seu nome ser alterado para Football Manager). Conduta essa que comporta o seu próprio dialecto, noção autista do sucesso e fiasco, um comportamento insular compreensível apenas por semelhantes. Dois ou mais inveterados do jogo comunicam entre si um pouco como os Flurbies (aqueles bichos peludos que herdaram o mecanismo ao Tamagotchi): através de um código que se vai avolumando à medida que o contacto se solidifica. Assim se sucede o encurtamento de distância que magnetiza o voyeur até ao sedutor universo dos Arab Strap (a dupla escocesa que as top-models, num gesto vagamente recíproco, admiram pela inteligência). Passa a audição a tomar o lugar dos que observam, como sentido ao serviço do consumar fetichista. Numa altura em que a vigilância tinha já adormecido ao som de cinco discos apropriados a sessões intensas de preliminares, eis que os Arab Strap passam à acção propriamente dita: determinação assumidamente uptempo, um objectivismo que em registos anteriores se evaporava assim que alcançada a marca dos 3/4 minutos, um hino talhado aos pulmões de uma claque dos Glasgow Rangers (capaz de provocar embaraços aos Simple Minds). A banda de Philophobia adopta finalmente um esquema táctico que provou ser infalível no Championship Manager e nas abordagens de engate abafadas pelo barulho das luzes: “Curto, duro e sim”. The Last Romance é um daqueles discos capaz de tomar o Kremlin de assalto e não deixar uma tia platinada para contar a história ao magazine social Êxtase.

Depois de tantas vezes terem calçado os sapatos da vítima miserável, os Arab Strap permitem-se a encenar mais uma grandiosa armadilha irónica: anunciam o mais esperançoso dos seus discos sob a ameaça de ser este o último romance. Como se antevisse excelentes condições climatéricas a previsão meteorológica que desse por terminada uma edição do jornal da noite, que apresentasse o fim do mundo como tema de abertura. Sem rodeios, mas abençoados por uma subtileza exclusivamente britânica, Aidan Moffat e Malcolm Middleton reclamam para si a posse do tapete sobre o qual assentam os pés atentos de quem já não vive sem as confissões embriagadas de discos como The Read Thread. Cabe a quem sofreu o genuíno amargo de boca, o direito de legislar o fio condutor ao disco, e não aos que se apropriam da experiência alheia como tradução poética para a sua. Isto a menos que alguém opte pela batota da ordem aleatória. Fará, com isso, ruir o efeito-carrossel a um disco que depende sofridamente dele. Para que a catarse funcione em toda a sua glória, é obrigatório percorrer a distância entre a esquizofrenia reduzida ao impulso verbal de “Chat in Amsterdam, Winter 2003” e um exorcismo tão impressionantemente sincero quanto “Confessions of a Big Brother”, com passagem obrigatória pela desconfiança boémia de “Don’t Ask Me To Dance”. Um derradeiro romance funciona por etapas. Ninguém se descobre num só dia.

É tal o imediatismo de The Last Romance, que a maior parte das suas faixas parecem começar a meio da sua duração. O mote “Stink”, por exemplo, surpreende dois amantes no momento em que a elasticidade da relação atinge o seu limite e ambos se decidem por vestir a roupa dispersa pelo chão. E assim acontece com as restantes onze faixas: capta o rubor ao momento, destilam-no na disposição da roupa tal como se encontra no cenário específico (é inevitável imaginar por onde anda o wonder-bra numa música de Arab Strap) e finalmente encontram uma vaga para tudo isso na agenda semanal. Ainda que quase sempre predisposta a encontrar escape para a dor sentimental, a música dos Arab Strap não encontra forma de contornar a noção mundana dos dias da semana. As referências às segundas-feiras são constantes. É um prazer dar conta de que os Strap finalmente se decidiram a avançar no calendário

Os Arab Strap finalmente agiram em conformidade com a suspeição que o seu nome alimenta de há quatro anos para cá: sorrateira e imprevisivelmente. E como é impressionante o efeito da golpada. Ao ponto de tornar inevitável uma reconsideração que lustre o nome à instituição escocesa e a volte a colocar na posição destacada que ocupavam no final da década passada. The Last Romance é um ultimato dirigido a todas as convenções precipitadas que vinham sendo agrilhoadas ao nome da dupla autora. Efectivamente, consegue ser impressionante e enérgico ao ponto de, ao lado de Philophobia e The Elephant Shoe, formar uma intocável tríade que tardava a completar-se. E isso, depressivos e associados, basta para que a indústria farmacêutica tema um disco como este.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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