DISCOS
Caribou
The Milk of Human Kindness
· 21 Set 2005 · 08:00 ·
Caribou
The Milk of Human Kindness
2005
Leaf / Flur


Sítios oficiais:
- Caribou
- Leaf
- Flur
Caribou
The Milk of Human Kindness
2005
Leaf / Flur


Sítios oficiais:
- Caribou
- Leaf
- Flur
Arriscam-se a soar prematuros todos os julgamentos acerca de The Milk of Human Kindness, tal é a dificuldade em descobrir-lhe uma aparência estável e definitiva. Há muito que Dan Snaith (entretanto obrigado a alterar o nome de Manitoba para Caribou) nos habituava a discos-gambuzinos, objectos metamórficos que, a cada faixa adicional, ludibriavam os sentidos e obrigavam a que o castelo de areia fosse reconstruído de novo. O anterior Up in Flames (ainda sob a designação de Manitoba) já soava a atropelamento sensorial. Cumpria implacavelmente com a tradição mantida por Dan Snaith: vitimar pela diversidade sem sequer permitir ao lesado anotar a matrícula do veículo. Por isso, pouco importa a alteração do nome quando os resultados são idênticos.

Enquanto não se encontra terra firme a The Milk of Human Kindness, o desfocar do seu conceito ambíguo é consonante à aproximação da melodia. Como se a melodia fosse o tesouro que fere a vista aos Goonies que se atrevam a aproximar dela. Por lá se encontra radiante, oculta por uma farsa à imagem de Adeus, Lenine conduzida pelas figuras mitológicas do cinema de Miyazaki. A protecção da melodia (efectuada ao jeito circular de um gangue de tubarões) cabe a figuras como o gelatinoso titã krautrock, a um imponente protótipo de hip hop (comprovativo de que Mike Ladd é grande) e a tantas outras miscelâneas dotadas da velocidade da luz. Encontra-se em boas mãos o núcleo de um disco que não perde encanto enquanto a sua quimera se mantiver intransponível.

Talvez porque, na música homónima, os Pixies não esclareciam nada de concreto em relação à imagem a ter de um caribu, Dan Snaith não se sente obrigado a prestar juízos definitivos relativamente à palavra que pode remeter para um mamífero da família dos cervídeos, como para o lugar onde habitam esses animais no Canadá (pátria do próprio ex-Manitoba). A preocupação do anfitrião reside essencialmente na criação de “canções pop para pessoas estranhas” (como o próprio afirma). Permite isso a que, por aproximação, “Hello Hammerheads” ressuscite o génio de Elliott Smith num universo em que nada faria antever isso.

Embora sejam demasiadas as comparações que associam a seiva de laptop produzida por Dan Snaith à de Kieran Hebden (Four Tet), há que admitir a euforia como sentimento comum que transborda aos discos que cada um lançou este ano. Euforia como último recurso da esperança. A euforia adaptada à condição de lacticínio capaz de vitaminizar o status anímico de quem aguarda por dias em que a defesa nacional é prioritária a uma política de ataque.

Dada a sua mutabilidade, é bem provável que a minha estima pelo disco em mãos vá flutuando conforme os dias. Contudo, The Milk of Humand Kindness é tão solidamente fértil em ideias que torna provável a gravidez psicológica das fêmeas animais que possam ser frequentemente submetidas à sua audição passiva. Muito contribuiria um disco como este para demonstrar às criancinhas norte-americanas que o leite não vem do pacote assente sobre a prateleira do Wal-Mart. Vem da fértil teta criativa de Dan Snaith. E é nestas alturas que vale a pena ser mamífero.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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