DISCOS
Arcade Fire
Funeral
· 15 Ago 2005 · 08:00 ·
Arcade Fire
Funeral
2005
Merge


Sítios oficiais:
- Arcade Fire
- Merge
Arcade Fire
Funeral
2005
Merge


Sítios oficiais:
- Arcade Fire
- Merge
Fazer uma crítica a Funeral é por estes dias algo de ingrato, já que procurar referências negativas credíveis ao trabalho dos Arcade Fire é uma actividade quase infrutífera. Até a edição canadiana da Time, em Abril deste ano, os pôs na capa, sob o título “A mais intrigante banda rock do Canadá”, tentando explicar “porque é que os críticos adoram os Arcade Fire”. A resposta à pergunta até nem é muito difícil: uma música pungente, tocante, na corda bamba entre uma necessidade épica (ouvir o primeiro minuto de “Wake Up” chega para a detectar) e um desejo artsy, com mudanças de andamento e bizarrias melódicas a serem uma constante.

Os Arcade Fire lançaram, já depois de Funeral, um novo single, “Cold Wind”, composto para inclusão na banda sonora da última temporada de Sete Palmos de Terra. Talvez o paralelismo audiovisual seja um bom começo para os descrever: tal como na série, o grupo vive no meio do caos, num equilíbrio frágil em que muitas coisas estranhas vão acontecendo: parecemos estar por vezes no meio de um carrossel descontrolado e a caminho do abismo. No entanto, tal como na produção televisiva, o resultado final é de uma intensa beleza. De uma maneira muito própria, a banda parece querer fazer aquilo que Tara Burke, a senhora que responde pelo nome de Fursaxa, apontou como objectivo da sua música: “finding beauty in a fucked-up world”.

Um aspecto já muito explorado de Funeral é a ligação temática com uma série de mortes que terão abalado os membros da banda durante a gravação do disco. Mas liricamente o álbum centra-se mais numa reflexão sobre a adolescência: histórias de amor, críticas à autoridade parental, reflexões sobre a passagem do tempo, em grande parte baseadas num cenário imaginado (?), a tal Neighborhood que faz quatro dos títulos das canções. É que, afinal de contas, a média de idades da banda não chega sequer aos 25 anos.

A lógica da música em crescendo é dominante. “Une Année Sans Lumière” (que mistura o francês e o inglês em inesperada harmonia) constrói-se a partir de um gentil arpeggio, para descambar numa torrente de guitarras eléctricas. “Crown of Love” começa por parecer uma gentil canção de amor, mas termina em clima de festa, guiada pelo violino. “Wake Up” principia com uma guitarra distorcida, passa para um coro entre o grandioso e o amador, e descamba num ritmo de dança em que o baixo é decalcado de “Lust for Life”, de Iggy Pop.

No encandeamento do álbum talvez seja a belíssima “Haiti” que surge como a maior surpresa. A melodia tropical esconde a única música “política” de Funeral: Régine Chassagne nasceu nas Caraíbas e fugiu para a América do Norte com a família, devido à ditadura instalada no país. A música insere assim elementos autobiográficos por entre um ambiente denso e ao mesmo tempo etéreo, construído pelo baixo pulsante, xilofone e presença quase constante do órgão e do sintetizador. Mas é “Neighborhood #2 (Laika)” a canção mais imediata, juntando à base rítmica o acordeão e o violino em alternância, numa melodia a duas vozes, entre o registo barítono de Win Butler e a voz esganiçada de Régine Chassagne.

O hype Arcade Fire está aí, mas é justificado, se bem que já haja algumas críticas lançadas sobre Funeral: “soa muito a Talking Heads”, dizem uns, “os tipos não sabem cantar”, dizem outros. O material para lançar a “primeira pedra” e dizer que a banda afinal “nem é nada do outro mundo” está aí. Mas não será este escriba a dizê-lo.
João Pedro Barros
joaopedrobarros@bodyspace.net
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