DISCOS
Cat Power
Moon Pix
· 11 Jan 2005 · 08:00 ·
Cat Power
Moon Pix
1998
Matador


Sítios oficiais:
- Cat Power
- Matador
Cat Power
Moon Pix
1998
Matador


Sítios oficiais:
- Cat Power
- Matador
Que segredos oculta Chan Marshall por detrás da sua franja? Hei-de conhecer a calvície muito antes de conseguir decifrar a críptica imensidão dos seus discos. Pouco me incomoda que lhe apontem todas as idiossincrasias e excentricidades, pois abraço Moon Pix como uma experiência espiritual imperturbável, que se fecha perante intermediários (boatos ou opiniões de terceiros). Permanecem dispostos no xadrez Cat Power a curiosidade de quem escuta e a sensualidade de quem - nas entrelinhas -confessa apenas o essencial. O jogo perdurará até que o percurso musical de Cat Power conheça um fim. Estranho é que as peças mudem de posicionamento a cada vez que se escuta Moon Pix.

Os antecedentes daquele que viria a ser o quarto disco da sua carreira são vários e algo rocambolescos: Marshall marimbou-se para o que a comunidade pensaria, pediu um adiantamento à sua label Matador (sempre pronta a fazer-lhe as vontades) e partiu rumo à Austrália para gozar de umas férias na companhia do seu namorado de então. Só depois do período de descanso, a songwriter se decidiu a recrutar a secção rítmica dos Dirty Three para que a acompanhassem nas gravações de Moon Pix, que transpira a sensação de que tudo foi feito a seu devido tempo e na mais propícia das atmosferas. Abriram agora as linhas do Bodyspace e estamos a aceitar donativos para o Fundo de Emigração Imediata para a Austrália, que cobre todas as despesas relativas às viagens de Marshall para o continente dos marsupiais.

A lógica arquitectónica de Moon Pix é a da gruta revestida de feminilidade (e enigmas que lhe são associados) em forma de labirinto existencial quadrangular. Qual Hamelin, Marshall vai-nos atraindo até ao centro por meio do seu magnetismo de sereia sulista. Longe de ouvidos moucos e da intempérie que se faz sentir nas imediações, partilha connosco segredos como "Metal heart" (raras vezes uma afronta foi tão rosa-carne) e polaróides da superfície lunar que cobre a sua intimidade (quando comparada à de Bob Dylan, a apropriação de "Moonshiner" é muito mais confessional). E tudo isto só resulta plenamente, porque Chan Marshall sabe perfeitamente como abordar a susceptibilidade que cada tema reclama: invocando uma flauta quase King Crimson para o jogo de lágrimas "He turns down" ou o piano para a hiper-nostálgica (mas não enfadonha) "Colors and the Kids".

Suspenda-se o "eu" poético de Cat Power num anzol e o peixe nem sequer estrebucha. A sedução por aqui é passiva. A margem de entrega que se ceda a Moon Pix será equivalente à dimensão territorial de que os seus encantos usufruirão para invadir a lacuna sentimental em contra-ataque. São mais que muitos os catalizadores de devoção: o punho erguido coberto de gaze em "Say", o circundante minimalismo da guitarra que medeia o debate fantasmagórico de "Back of your head" ou o hipnotismo cinzento do single "Cross Bones Style". Moon Pix é carapuça que só assenta em quem com ela se identifica.

É também um daqueles épicos de bolso a que a Matador já nos habituou. Até ver, permanece gloriosamente acima de todos os outros discos assinados por Cat Power e - ousadia a minha - junto dos grandes discos da década de 90. É um daqueles objectos que o meu miocárdio já trata por "tu".
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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