DISCOS
Multiplex
With hands and no feet EP
· 27 Out 2004 · 08:00 ·
Multiplex
With hands and no feet EP
2004


Sítios oficiais:
- Multiplex
Multiplex
With hands and no feet EP
2004


Sítios oficiais:
- Multiplex
O local lisboeta que conhecemos por Docas deixa-me confuso e provoca-me alguns enjoos. Três músicas diferentes tocam nos respectivos bares vizinhos. Escutamos um pouco de cada uma e acabamos por não assimilar nenhuma, com a inevitável agravante do tóxico O-Zone ser ameaça constante. Cada feirante vende o seu peixe e a populaça parece até aderir. Os decibéis misturam-se com a vaidade e todos batemos o pé ao som do ritmo mutante. Consumido de uma só vez, With Hands and No Feet EP simula perfeitamente uma noite passada nas Docas.

São conhecidos os resultados díspares dos discos de remisturas. De um lado, o contingente islandês com dois flagrantes exemplos de má gestão: Von brigði - Recycle bin e o desastroso Telegram, que armazenam reinterpretações de músicas dos Sigur Rós e Björk respectivamente. Do outro - claramente beneficiados pelo rol de artistas que passam pela marquesa -, os gloriosos manuais modernos de como bem remisturar: Parts in the Post dos Plaid e o pontualmente mal-amado 26 Mixes for Cash do mago Aphex Twin. O EP que vos trago fica a meio caminho entre os dois extremos. Depende de prescrição detalhada.

São os Multiplex a dar o pontapé de saída com a mira apontada na baliza. Mais que suficiente como pretexto para a feitura do EP de remisturas a que serve de tábua-rasa, "With Hands and No Feet" funde harmonia automatizada e anti-gravidade com a paisagem metropolitana de um "anime" esperançoso como pano de fundo. O melhor mote estava lançado.

Começa então o desfile de propostas mais ou menos obscuras na área da electrónica. Os Digitonal acrescentam-lhe uma secção de cordas que confere à remistura um tom publicitário Domestos 3 (segundos antes dos alguidares caírem em cima das senhoras). O carácter dramático da faixa poderia até fazer sentido num longa-duração em nome próprio, mas, rodeado por um lago de propostas bem mais interessantes, resulta numa pasmaceira cromada a plástico.

Shitmat (ele que tem direito a dois contributos para a causa) vai dando cartas na Planet Mu e afirmando-se aos poucos como um nome a ter em conta na área do breakbeat. Arrecada o prémio vale-tudo na primeira remistura e uma queixa formal da vizinhança pelo terrorismo cacofónico da segunda. Temos aqui um sólido candidato a Kid 707.

De seguida, desenrola-se a passadeira ambient para que Proem possa esbanjar a sua subtileza de laboratório adornada por um lunar ziguezaguear de beats e efeitos vários. Discreta é a passagem de Decanids, que, com o seu puzzle quadrangular de loops minimalistas, fica aprovado por uma unha negra (muito por causa da inserção de vocalizações). A galhofa robótica generalizada chega logo depois pela mão de Safety Scissors (nome de guerra de Matthew Patterson Curry). O compromisso lúdico aqui é lei, mas, avaliada a consistência, fica no ar a sensação de que os Dat Politics fariam isto com um laptop às costas. Dispensável, portanto.

Tal como a participação de Fizzarum que assombra o EP com memórias dos mais inofensivos colectivos de electrónica que passam por Portugal três ou mais vezes por ano (a Sudoeste nada de novo). O chill out (que actualmente anda pelas ruas da amargura) deve embalar o aparelho auditivo e não fatigá-lo por ser repetitivo e previsível.

Aquém de merecer o estatuto de remix fica a banal variante amanhada por Novel 23. O contributo do produtor russo faz dele o elo mais fraco. Quanto tudo parecia perdido, eis que os Dictaphone (a anotar) salvam a honra com a sua reinvenção subterrânea e quase cinematográfica da faixa original. Vale a pena esperar por tão subtil e genial faixa. Vence o certame de forma esclarecedora (sem golos mal anulados).

Sucedem-se as reinterpretações de uma mesma faixa-base e uma mesma questão mantém-se: quanto do que aqui desfila interessa realmente? Reside na resposta a essa pergunta a solução que garantiria viabilidade a este produto: With Hands and No Feet EP teria todo o mérito sob a forma de sampler assente nos originais de cada autor. Repete-se por aglomerar um conjunto de projectos que, além de apresentarem características em comum, trabalham a mesma matéria-prima. Tendo isso em conta, recomenda-se a audição avulso e não por empreitada. Para que possa ser apreciado como uma salada de atum com maionese e não de maionese com atum.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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