DISCOS
La Nausée
Empty-Full Space EP
· 28 Fev 2018 · 11:50 ·
La Nausée
Empty-Full Space EP
2018
Adorno Records


Sítios oficiais:
- Adorno Records
La Nausée
Empty-Full Space EP
2018
Adorno Records


Sítios oficiais:
- Adorno Records
Nojo.
Parece-me isso inevitável, tão forte é a necessidade desta música: nada pode interrompê-la, nada deste tempo em que o mundo se afundou; a música cessará por si própria, no momento preciso. Se gosto desta bela voz, é sobretudo por isso: não é pelo seu volume, nem pela sua tristeza, é que ela é o acontecimento que tantas notas prepararam, de tão longe, morrendo para que ela nascesse.

A náusea instala-se de forma súbita, como um relâmpago, um palpitar ou uma onda; somos tomados pelos seus braços fortes, a saliva na boca transforma-se em vómito; tudo é náusea e poderia ser grito, se soubéssemos gritar, se esse mesmo grito não fosse inútil perante o peso das coisas; não resta senão ela, o eterno nojo, a pergunta milenar - quem sou, o que sou -, o remoinho que nos engole; cada célula, cada átomo, afogado na náusea. Onde está a escapatória? Onde moram as palavras, os cheiros, os sabores que desaborrecem?

A náusea instala-se, e tudo parece perdido, ou nada parece perdido - só nós é que nos perdemos num grande manto branco de dúvida. De repente, um clarão: é a música, o símbolo máximo, a voz com que os Deuses falam entre si; a chuva e as nuvens que os Deuses meneiam sobre as nossas cabeças, e que se acomodam onde centenas de livros de medicina julgam haver um coração, mas não uma alma; é o belo ou a bela que nos beijam, tão verdadeiramente como uma ideia; e o vazio transborda, e estamos ancorados, drogados de pensamento.

Porque quando a música surge a náusea vai-se, melindrada, e as guitarras, e os ritmos, e os gritos são agora tudo quanto existe - a música toca-nos e transforma-nos com os dedos de um Midas poderoso; e o medo, a única razão para o sofrimento e a solidão, perde-se entre os seus acordes, os seus rangidos, a sua robustez e velocidade. You’ve already been replaced by others: a carne e o éter são música. A náusea uma memória triste. E os La Nausée, powerviolence emotivo cujo EP não chega nem a três minutos, uma das melhores coisas que ouviremos este ano por entre a angústia.

Extinguiu-se o último acorde. No curto silêncio que segue sinto intensamente uma mudança, sinto que alguma coisa aconteceu.
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

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