DISCOS
Damien Jurado
Holding His Breath [EP]
· 22 Jun 2004 · 08:00 ·
Damien Jurado
Holding His Breath [EP]
2003
Acuarela Discos


Sítios oficiais:
- Acuarela Discos
Damien Jurado
Holding His Breath [EP]
2003
Acuarela Discos


Sítios oficiais:
- Acuarela Discos
Temos Mark Eitzel, o palhaço infeliz com graça, Chris Hooson, com o sentido na morte, Will Oldham, que se desdobra nuns três, e Mark Kozelek, que escreve canções a pensar no gato. A unir estes e outros cançonetistas, uma tremenda despreocupação com as Intifadas e o que de mais se passa no mundo. Há um sentido de revolta e angústia a latejar, de vivência junto ao porto, que os separa de Deus e aproxima dos copos. Os discos estão, regra geral, entre o belo e o ébrio, sem que este chegue a ser interessante.

Já em cima do leito da morte, ou quando a roleta de alusões a bares já esgotou as suas capacidades de enunciação, pressente-se um apelo ao Deus enjeitado na flor da juventude artística. Se Miguel Torga o fez tão bem… Noves fora, o que fica é o apreço do crítico que também sente o frio como uma navalha quando caminha, sozinho, no regresso a casa ao final da tarde. A vida é dura mas a sorte também depende de quem a persegue.

Damien Jurado é diferente, no sentido em que está uns furos abaixo da maioria. Cristão assumido, falha o apuramento para uma velhice tranquila de reconciliação. Vem de Seattle, o que não ajuda muito à salvação, e teve em Jeremy Enigk, dos defuntos Sunny Day Real Estate, o padrinho que o introduziu aos patrões da Sub Pop. Para quem não conhece, os Real Estate são do tempo em que “emo” não era sinónimo de piegas, mas do tipo de estender a mão e logo erguer o punho para esmurrar a face de quem ouve. A César o que é dele.

Jurado começou a dar cartas a quem as sabia jogar quando, em 1997, lançou Waters Ave S.. Mas o que apetece destacar, assim do pé para a mão, é mesmo Postcards and Audio Letters, uma obra que faz dos restos a soma de todas as partes. É uma colecção de pedaços de conversa, retirados de cassetes áudio, em contextos tão inusitados como a partir dum atendedor de chamadas. Pessoas que fazem do refogado do quotidiano a matéria-prima da criação merecem uma nota de apreço.

Depois, formou o colectivo Gathered in Song, que começou a facturar no recomendável I Break Chairs. De Jurado, que à luz da gíria constitucional portuguesa poderia vir a ter alguns contratempos com a justiça, esperava-se que cumprisse em Holding His Breath o que lhe foi pedido. Que cantasse como sempre fez e que impressionasse como nunca um auditório de surdos.

Estes eram os preconceitos antes duma audição com cabeça. É incrível como um EP de 16 minutos pode passar-nos um atestado vitalício de imbecilidade. Podemos jurar ódio eterno a um Eitzel, mas quem consegue passar por entre as suas palavras, acompanhadas daquele sorriso de puto reguila de quem já atingiu a meia-idade? Damien Jurado é um pouco mais novo e, por isso, espera-se dele mais razões para dizer mal da vida e, ainda assim, sentir o afago das notas.

“I Am the Greatest of Liars” abre a dizer que ele é os pratos no lava-loiça, a voz dentro da cabeça dela, o sangue nos seus lençóis, a piada que ela não percebe, a alma que ela vai vender, o vómito na sua manga. Tudo obliterado por uma batida de síncope perfeitinha. Quem resiste a isto? Sim, há aqui um certo fingimento pessoano, mas a parábola do coitadinho vem com “Oh Death Art With Me”. Felizmente, “Big Let Down”, com Rosie Thomas a ajudar, dá um soco à Obélix na compaixão mariquinhas.

“Now You’re Swimming”, um original dos 764-Hero, é a performance mais conseguida do disco, com uma voz de fundo bem colocada. E “Butcher’s Boy”, de Peggy Seeger, arranca uma careta deliciosamente incrédula pela interpretação brilhante, quando diz “he took his knife and he cut her down”. Só esperamos que na próxima Damien Jurado tenha mais sorte com as mulheres.
Hélder Gomes
hefgomes@gmail.com
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