DISCOS
Sonic Youth
Sonic Nurse
· 06 Jun 2004 · 08:00 ·
Sonic Youth
Sonic Nurse
2004
Geffen


Sítios oficiais:
- Sonic Youth
- Geffen
Sonic Youth
Sonic Nurse
2004
Geffen


Sítios oficiais:
- Sonic Youth
- Geffen
Hoje em dia é demasiado fácil ser egoísta com os Sonic Youth. Década e meia decorrida sobre discos como Sister, Daydream Nation, Goo e Dirty (certamente a sequência com maiores probabilidades de reunir consenso entre militantes, mais disco menos disco), a única hipótese de submergir novamente em profundas correntes de distorção e de irreverência adolescente - apesar de os Sonic Youth terem nascido um pouco para além do tempo útil para fazer justiça ao nome da banda - passa por ir à prateleira buscar a preciosa rodela já algo riscada por uns bons anos de trambolhões da bandeja do leitor de CDs para o chão, o que vai desiludindo fãs a cada disco lançado. A tendência na segunda metade da vida dos SY tem consistido em exercícios progressivamente menos arriscados e experimentais, com Murray Street, há dois anos, a consolidar definitivamente uma sonoridade aparentemente mais estudada e depurada, e bem menos abrasiva que a de outrora.

Sonic Nurse segue esse caminho, e ao mesmo tempo que a América das bizarrias se deixa encantar por novos príncipes, os Sonic Youth avançam com o álbum mais soft do seu repertório. Embora a agonia da guitarra em “Pattern Recognition” ou a bombástica e transpirada “Kim Gordon and the Arthur Doyle Hand Cream”, com Kim Gordon numa forma poucas vezes repetida, e até a recuperar o protagonismo recusado por Murray Street, reafirmem velhos devaneios sónicos, “Unmade Bed” ou “Stones” agarram-se a esqueletos mais definidos e adocicados, apesar de um pouco por toda a parte se encontrarem provas mais do que suficientes para incriminar os Sonic Youth sem direito a fiança. É sem dúvida o vigor da bateria de Steve Shelley nos crescendos, é também o noise imagem de marca que é pano de fundo no início de “The Dripping Dream”, a demonstrar que os Sonic Youth vão escrevendo o presente sem romper irreversivelmente com o que está para trás – por vezes fica a ideia que estes riffs melodiosos foram gravados propositadamente por cima de uma velha gravação qualquer impregnada de guitarras em desvario; os mesmos ingredientes, medidas diferentes.
Tantos abusos depois, as guitarras foram conquistando respeito e amabilidade a Thurston Moore e Lee Ranaldo. Mas cuidado, nada de confianças a mais: continuam a servir avanços demolidores, às vezes em parceria com o baixo que em “New Hampshire” vai evoluindo possante e severo. “Paper Cup Exit”, na senda de “Skip Tracer” ou da mais recente “Karenology”, assenta que nem uma luva na voz infectada de uma solenidade que quase podia fazer Ranaldo passar por pai dos mais irreverentes Thurston e Kim.

Se atravessar duas décadas de carreira sem hiatos significativos e conservar a vontade de gravar um álbum novo a cada dois anos não é para quaisquer uns, fazê-lo com aparente naturalidade, sem resvalar para a triste auto-caricatura, está ao alcance de menos ainda. Claro que para grande parte (talvez mesmo a maioria) dos devotos este não é o álbum desejado, mas mesmo nesse caso o problema será apenas de expectativas. Sonic Nurse é um excelente disco. Fazer de conta que não é dos Sonic Youth pode minimizar eventuais afrontamentos.
Carlos Costa
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