DISCOS
Älforjs
Jengi
· 22 Jun 2016 · 22:49 ·
Älforjs
Jengi
2016
Ed. de Autor
Älforjs
Jengi
2016
Ed. de Autor
Liberdade.
Älforjs é um trio formado por Bernardo Álvares (contrabaixo), Mestre André (electrónica) e Raphael Soares (bateria), que lançou este ano - mais concretamente no primeiro dia de Maio - o seu primeiro álbum, Jengi, através do Bandcamp. Um trio que se auto-descreve como voodoo noise, ou até mesmo como free love, etiquetas que não disfarçam a sonoridade exacta do grupo, uma música de improvisação livre onde cabem inúmeras influências, todas as músicas. Ou apenas uma música free.

Älforjs é, também, uma liberdade. E paremos para pensar nesta liberdade. Porque não há só uma: há várias. Há a liberdade artística, há a liberdade de pensamento e a de opinião e expressão, por exemplo. E todas essas se encontram presentes em Jengi. Detectamo-las logo nos primeiros segundos de "Natura Ruidosa", quando um tribalismo electrónico se apodera dos nossos sentidos e incute em nós um sentimento primal que julgávamos ter perdido há éons. Detectamo-las, elas penetram, o cérebro entra em transe e abre as portas para milhares e milhares de percepções. Destes chocalhos que se ouvem até à morte que se há de ouvir.

Nós que amamos a liberdade não precisamos de muito para amar um disco. Basta que os músicos escutados mostrem ser nossos irmãos de sangue, que deles se pressinta o mesmo gosto por essa entidade mais ou menos abstracta. Em Jengi, bastam o ritmo e a dança dessa natura. Basta saber que Raphael Soares era (é) uma das almas encarregues do majestoso incêndio que eram (são) os Sunflare, possivelmente a banda rock mais livre e libertária que existiu num Portugal agarrado à mesquinhez e à bufaria.

(Resta pedir desculpa aos Sunflare pela minha indignação pessoal aquando da nega a uma entrevista. A negação, sei-o agora, é uma liberdade. Talvez uma das maiores.)

...Basta o saxofone feérico, o tal voodoo que habita esta casa chamada Jengi, da mesma estirpe que o voodoo dos HHY & The Macumbas. Basta que a dada altura o passo acelere, quase como se cada um destes músicos estivesse a ter, em simultâneo, uma projecção da sua consciência antes de regressarem ao físico do silêncio. Basta Jengi ser música que nos promete voltar a ensinar como se respira. Porque respirar é uma revolução e o desabafo a arte da guerra.

Uma guerra travada por um "Homem Lobo" perturbador, qual Fenrir assassinando Odin Pai devido não só à inevitabilidade do destino como à consciência Freudiana. Minutos longos de tensão, a banda-sonora da cena no chuveiro em Psycho adaptada à velocidade máxima. E depois o grito da tecnologia electrónica, borbulhante e gutural, rasgando os céus como um jacto. Chegamos ao fim de uma viagem misteriosa e empolgante. Uma viagem que nos devolve a confiança de que sim, é possível sermos livres e animalescos.

É possível - vai ser difícil - mas é possível.

Porque independentemente de todos os filhos da puta que se queiram cruzar no nosso caminho, assim como existirão uns quantos que se cruzarão no caminho dos Älforjs, a liberdade está viva e recomenda-se. Jengi é um dos elementos que o ensina, num momento mais depressivo. Saltou o muro e caiu de pé. Pelo que esta nunca poderia ser uma crítica habitual a um disco, nem uma crítica segundo as "regras" da "boa crítica", ainda mais mais quando se fala de música dentro da bolha jazz (o cliché "académico" ainda existe, infelizmente). Mas é um texto que os Älforjs mostraram ser possível escrever, mesmo estando ciente de que teriam preferido outro. Não tiveram essa "sorte", mas tive-a eu de os ouvir. A influência de Jengi pode não se vir a sentir na música feita daqui em diante, mas certamente que se sente num reles coração que se julgava acabado e que trinta minutos depois - os mesmos do álbum - sente que pode mandar foder tudo: chibos e regras, PIDEs e totalitários do pensamento e da palavra, colusões e ameaças monetárias.

Aos Älforjs deixa-se um profundo agradecimento.

Aos restantes deixa-se o aviso de que a guerra só agora está a começar.
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

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