DISCOS
Sallim
Isula
· 12 Mai 2016 · 12:06 ·
Sallim
Isula
2016
Cafetra Records


Sítios oficiais:
- Sallim
- Cafetra Records
Sallim
Isula
2016
Cafetra Records


Sítios oficiais:
- Sallim
- Cafetra Records
Isolada.
Isula não contém "Não Sei", uma das melhores canções dos últimos anos, seja em língua portuguesa ou fora dela. Mas contém versos muitos, e um deles roga assim: Um dia vou acordar / E vou entrar na outra porta / Que esta já está torta / E eu agora quero dançar..., enquanto uma guitarra de quarto vai desfilando melodia gostosa atrás de melodia gostosa, ajudada por um teclado e pelo eco que vem de longe, das profundezas do diário de uma moça feita mulher. "Filtros De Canela" não é "Não Sei", mas contém amor e furor adolescentes, a mesma melancolia existencial que só os mais novos conhecem (quando crescem, tornam-se cínicos, se tiverem essa sorte).

Isula é o álbum de estreia de Sallim, que descobrimos há quase um par de anos numa noite chuvosa de inverno em que o Lounge fez de lareira, que encontrámos e reencontrámos em vários concertos desde então. À altura, disseram-nos que ela era o futuro; a premonição em jeito de desejo parece, agora, ter-se concretizado. Isula não é apenas uma belíssima colecção de versos e das canções que o acompanham. É um disco magnífico, um daqueles discos que acarinhamos junto do peito onde outrora mantivemos um coração, um salto gigantesco rumo ao nosso happy place.

Porque, ainda que este disco não seja exactamente feliz, há qualquer coisa que nos agarra e nos transporta para aquele período em que a vida parecia não ser madrasta. Anos e anos a levar bofetadas empedernecem, e Sallim age aqui como uma espécie de psicóloga; ao transcrever em melodia o que lhe vai na alma, encharca-nos a nossa. O que nos conta é o que gostaríamos também de contar ou ter contado, e o que relembra faz de nós jovens novamente. Devolve-nos a sensibilidade como muito poucos escritores ou escritoras de canções o conseguem fazer. O cinismo vencido por uma bedroom pop sem igual no horizonte.

Acima de tudo, Sallim está isolada do resto. Ainda que o que hoje em dia não falte sejam cantautores, ela parece ter transposto a fasquia em direcção a algo inimitável, inigualável. Tal como Hope Sandoval e os "seus" Mazzy Star o fazem sempre que She Hangs Brightly é rodado na aparelhagem ou no computador. Não é uma comparação sonora - embora haja um uivo muito peculiar que perpassa Isula inteiro, um uivo que até agora só tínhamos percepcionado nos norte-americanos. Mas esta é a mágoa do mundo. Cosmopolitismo adaptado à lágrima.

Das onze canções de Isula retiramos a nossa própria melancolia jovem, que ficou esquecida com o bater dos vintes, trintas ou mais. Um jeito muito próprio de cantar a vida ou lamentá-la, rabiscada em cadernos A4 por entre poemas e passagens. Na altura pode não nos ter valido uma guitarra, mas agora vale-nos a dela, trémula e longínqua, espalhando pequenos pontos de luz em "Não Queres Entrar", "Filtros De Canela", "Uma Laranja No Bolso" ou "Nada Igual". A guitarra, quando não é a voz que nos arrepia - como nos dois momentos-refrão de "As Minhas Gavetas", que se ao vivo era motivo para bater de frente na agonia, no conforto da casa é razão mais que suficiente para deixar de se ser homenzinho e desatar a chorar. Porque Sallim merece que nos emocionemos. Assim como Isula merece ser o único disco pelo qual pagaremos este ano.
Paulo CecĂ­lio
pauloandrececilio@gmail.com
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