DISCOS
Max Richter
The Blue Notebooks
· 17 Abr 2004 · 08:00 ·
Max Richter
The Blue Notebooks
2004
Fat Cat


Sítios oficiais:
- Max Richter
- Fat Cat
Max Richter
The Blue Notebooks
2004
Fat Cat


Sítios oficiais:
- Max Richter
- Fat Cat
Estava mesmo no meio da multidão, naquele banco onde todos passam mas onde quase ninguém se senta. O olhar rasgado e as pernas trocadas indiciavam qualquer coisa cuja observação visual de outrem não poderia por si só deduzir. A toda a sua volta um rodopio de gentes, como que um mar em dia tempestuoso. Cruzando-se, rolando sobre si próprio, alternando entre a acalmia e a agitação. Mas ele, sozinho, permanecia naquele banco de madeira, castanho gasto e rachado numa das pontas, com um pensamento distante e fantasioso. Os nutrientes desse pensamento desconhecíamos, mas também não precisávamos de saber. Ao fundo um piano e uma voz feminina que lê Kafka – é aqui que descobrimos que não é só no Inferno que as labaredas nos ameaçam e nos cercam de perigos absortos. Quando a música penetra bem fundo as brumas do nosso ente, o perigo anda por certo a rondar por perto. O filme é imaginário e a música está disfarçada em disco por Max Richter. The Blue Notebooks é a sua declaração clássica em pleno Séc. XXI.

Trata-se do segundo disco do alemão Max Richter (a viver em Londres faz muito tempo) e o quarto da série FatCat 130701, apostando por isso nos mesmos motivos gráficos e num minimalismo coerentemente doseado que já havia caracterizado os três discos anteriores. Impossível não vir à memória o belíssimo disco de Sylvain Chauveau. É também o assumir definitivo pela Fat Cat que a abordagem a terrenos fora dos circuitos mais convencionais da editora tem cabimento sob uma alçada que se orgulha pela pluralidade de termos e conceitos musicais. O passado de Richter é demasiado vasto e rico para poder ser condensado num texto deste tipo, as suas memórias demasiado singulares para se exporem com tão leve frivolidade. Tudo em Max Richter pertence à caixinha de brincar onde se encontra o casal de noivos que dança ao som de uma qualquer música sempre que o tampo é aberto por mãos delicadas. Tudo remete para sentimentos cortantes, distanciados de uma tal forma que não é exagero dizer-se pertencerem a um passado distante.

The Blue Notebooks, com onze “movimentos”, tem uma ambiência cinemática notável. Tilda Swinton (que participou em filmes como Vanilla Sky e A Praia) ficou com a tarefa de ler pequenos excertos de textos de Kafka e Czeslaw Milosz com o ruído de uma máquina de escrever como pano de fundo e, como a cria se aproxima da mãe, à empreitada se entregou valorosamente. Tudo se desenrola discreta e sorrateiramente com diversos sons ambiente gravados nos arredores de Londres e colocados sobre as músicas, registadas numa capela em França. Quando ouvimos o piano de “Written On The Sky” percebemos que de facto é algo de muito visceral, muito perto de algo superior, aquilo que Max Richter consegue atingir. Muito perto dos clássicos, portanto. Mas também atento ao presente – cruzando métodos e fórmulas, ideias deste mundo e do outro. Por isso, entre pianos, violinos e batidas electrónicas aquilo que sobressalta é, afinal, algo que está muito para além da música, mas que à sua conta consegue viver. Esse parasita chama-se sensibilidade.
Tiago Gonçalves
tgoncalves@bodyspace.net
RELACIONADO / Max Richter