DISCOS
Joanna Newsom
Divers
· 22 Dez 2015 · 16:05 ·
Joanna Newsom
Divers
2015
Drag City


Sítios oficiais:
- Drag City
Joanna Newsom
Divers
2015
Drag City


Sítios oficiais:
- Drag City
Alegres visitas de estudo.
O mérito de muitos artistas que a História Melómana reconhece como indispensáveis para quem tem o prazer da exploração e descoberta, foi fazer das fraquezas forças. Hoje em dia, ninguém que não uns quantos chatos tem seja o que for a apontar à destreza musical dos Ramones, à voz de Tom Waits, ou à bateria de Maureen “Velvet Undergound” Tucker. Todos os outros sabem bem o quanto essas características trouxeram à música dos respectivos, em termos de criação de ambiente, de personalidade, de distinção relativamente aos seus colegas. Isto porque é impossível não reparar na voz de Joanna Newsom, desde o primeiro momento em que os nossos ouvidos tomam contacto com a sua música. Tenha isso acontecido com The Milk-Eyed Mender, logo que este apareceu em 2004. Quer tenha acontecido em qualquer um dos 11 anos que passaram desde então. E como o álbum de 2004, por melhor que fosse, parece agora uma simples demo, comparado com o que Joanna fez a seguir, inclusive neste novo Divers.

Tendo já feito o disco de 5 épicos Ys, e o épico disco triplo Have One On Me, Joanna escolheu “surpreender” fazendo um “simples” disco de 11 canções e 51 minutos. Só que Divers não é nenhum sucessor de The Milk-Eyed Mender. É, isso sim, o disco que incorpora toda a aprendizagem conseguida em Ys e Have One On Me, e a condensa em 11 fantásticas peças. Como se Joanna tivesse feito um treino rigoroso nos marines, e agora usasse-o para coisas mais prosaicas e quotidianas. E agora, voltemos à questão da sua voz. E fazemo-lo incorporando-a no festival de diferentes teclados, sintetizadores, e da sua inseparável harpa, que trouxe para o disco. Mas, acima de tudo, incorporando-a nas melodias desenhadas por quem não quer ouvir falar em margens ou linhas-limite. O conjunto provoca um efeito de delírio, como se quiséssemos navegar atrás de uma chefe-de-fila, que tem o poder de alterar os caminhos e a vegetação circundante à medida que avança. Uma Mary Poppins que perdeu o guarda-chuva, mas ganhou dois polegares verdes, e restantes dedos capazes de controlar os elementos.

Existem “refrões” em Divers? Depende. Porque nenhuma estrofe repete letras ou métrica. A voz que recita estas fantásticas, inebriantes e crípticas letras é a voz da aula de português que nos faltou durante todo o liceu. Aquela que podia recitar o livro mais chato que nos foi dado para ler, e fazer-nos visualizar, se nao “A” história, pelo menos “Uma” história, e não querermos ficar por aí. Queremos que nos ensine as figuras de estilo, as figuras literárias, e tudo o mais que houver. “Anecdotes”, “Leaving The City”, “Divers”, “You Will Not Take My Heart Alive”, “A Pin-Light Bent”, o maravilhoso primeiro single “Sapokanikan”, etc, são ricas como um templo em que o ouro e as pedras preciosas espreitam de cada esquina ou centímetro de pavimento, e provocam o mesmo efeito de maravilhamento. Divers é um País das Maravilhas. E Joanna Newsom a ”Cheshire Cat" que o projecta, desenha, materializa, e lhe dá cor, som, volume e oxigénio. Não é por acaso que ela aparece no meio das nuvens na contra-capa, nem que todas as letras falem em elementos da natureza. Um leitor de música ou uma simples sala de estar são demasiado pequenos para o seu talento.
Nuno Proença
nunoproenca@gmail.com
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