DISCOS
Nerve
Trabalho & Conhaque OU A Vida Não Presta e Ninguém Merece a Tua Confiança
· 11 Nov 2015 · 09:41 ·
Nerve
Trabalho & Conhaque OU A Vida Não Presta e Ninguém Merece a Tua Confiança
2015
Mano A Mano
Nerve
Trabalho & Conhaque OU A Vida Não Presta e Ninguém Merece a Tua Confiança
2015
Mano A Mano
Entre PĂłlos.
Nerve pode ser comparado a Aesop Rock? Pode. Nerve pode ser comparado a Drake? Pode. Nerve soa exactamente a Aesop Rock ou a Drake? Não. Nerve soa a um cruzamento exacto entre os dois? Não. Nerve soa ao solipsismo de Drake, transplantado para a auto-irrisão, e métricas alegremente descabidas de Aesop Rock? Ou Nerve soa à exploração de temáticas do quotidiano, laboral e social, de Aesop Rock, transplantadas para a auto-obsessão ao estilo de Drake? Qual das duas possibilidades veio primeiro? Mais vale perguntarem-me sobre ovos e galinhas, ou sobre quem ganhou realmente as eleições legislativas de 2015. E é esta complexidade, este conflito entre duas matérias que ora se atraem, ora se afastam, que, aliados ao talento de MC e escritor de letras de Nerve, transformam Trabalho & Conhaque... num disco de enorme importância para o hiphop português no final de 2015.

Nerve rima sozinho do princípio ao fim do disco. O que importa, no entanto, realçar, é que a sua voz parece possuir em si todos os conflitos e dúvidas que nortearam a sua vida durante o periodo de gestação do mesmo. Na verdade, dir-se-ia que a sua métrica está mais perto de um jogo de corridas numa arcada, onde se tem que saber gerir a caixa de velocidades, o acelerador, e o travão com sabedoria. É bastante complicado tentar perceber como será a frase seguinte, em termos de dicção, entoação, ou mesmo aderência à produção da respectiva faixa. Voltemos à comparação inicial. Se é certo que Nerve não tem, nem o vocabulário sobre-expandido de Aesop Rock (o mais alargado no hiphop disse um estudo), ou as suas livre-associações, assim como não vive nas penthouses de Drake, a verdade é que é nessas duas figuras que pensamos. Há um aparente desejo de explorar o absurdo da vida, o descontentamento que a mesma causa, ao mesmo tempo que nos faz rir. E há a capacidade de questionar o próprio comportamento, como se tudo existisse, porventura, na própria mente.

O humor, amargo e sarcástico, de Nerve, é complementado por produções de timbres sombrios. Mais do que as batidas, destacam-se os sons sintéticos. Hipnóticos e semi-letárgicos, aparentemente nascidos de uma larga variedade de máquinas e teclados. Alguns obra do próprio Nerve, outros de colaboradores como Notwan, ou Pedro, O Mau. Alguém falou em Blochead (produtor fetiche de alguns discos de Aesop Rock) ou Noah “40” Shebib (produtor fetiche de Drake)? Certo, certo, é que a simbiose de Nerve com os seus produtores – ele próprio incluído – é demostrativa da visão de espectro alargado que foi precisa para criar ”Trabalho & Conhaque…”. Vários samples tirados da história televisiva portuguesa ajudam também a criar essa unidade.

Nerve é, já foi dito, um excelente compositor hiphop, e músicas como “Pontapé de Boas-Vindas”, “Monstro Social”, “Nós & Laços”, ou “Conhaque” são disso óptimos exemplos. Não vale a pena dizer que há aqui o melhor de dois mundos, pois isso seria desmerecer três excelentes artistas. Há um Mundo, dolorosamente real, criado por alguém com o talento para ver as coisas em diversas camadas. Nerve oferece-nos o melhor e mais nítido retrato desse Mundo. Para acabar com um remate ligado ao nome do álbum, direi: Comprem à confiança.
Nuno Proença
nunoproenca@gmail.com
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