DISCOS
Sumugan Sivanesan & Durán Vázquez
Product 01
· 16 Fev 2004 · 08:00 ·
Sumugan Sivanesan & Durán Vázquez
Product 01
2003
Crónica


Sítios oficiais:
- Crónica
Sumugan Sivanesan & Durán Vázquez
Product 01
2003
Crónica


Sítios oficiais:
- Crónica
Registam-se novos sinais de vida para os lados da etiqueta Crónica. Desta vez, responsabilize-se o projecto Product, uma série de split CDs que, com a música de Sumugan Sivanesan e de Durán Vázquez, se inaugura. Confrontação e fusão – diz-nos a press release que serve de promoção a este objecto – encontram-se no cerne da ambição destas edições. A concepção do produto não se encerra na música. Passa ainda pelos dois vídeos de Sumugan Sivanesan e pelas imagens que ilustram a capa do álbum, neste caso ao cuidado da artista suíça Maia Gusberti.

Spare Your Speakers, a primeira parte do produto assinada e registada no ano 2002 por Sumugan Sivanesan – um australiano que, durante os anos noventa, integrou várias bandas rock e que se envolveu na música experimental aquando do seu ingresso no mundo dos media audiovisuais – inunda-se, ao longo de oito faixas, numa exploração de polifonias comprimidas e na manipulação de sucessivos feedbacks. O conceito de espaço parece estar no centro deste trabalho, seja ele representado sob a forma de "volume, silêncio, a distância entre o campo estéreo ou a sobreposição de elementos".

Dentro da experiência pouco comum que é ouvir este registo, é dada a possibilidade ao ouvinte de preencher de sentido o espaço que ouve, mesmo que, muitas vezes, se possa vir a sentir perdido. Umas vezes parece ouvir simplesmente o vento, outras uma máquina ensurdecedora cujo ruído que se prolonga num pesadelo interminável. Num momento, desce uns metros abaixo do solo para escutar a chegada de um metropolitano, noutro depreende vozes que proclamam palavras imperceptíveis. Às vezes sente agulhas a picaram-lhe os ouvidos, outras baixos a repetirem a mesma nota até à infinidade. Nenhum ruído aqui lhe é dado de forma imediatamente reconhecível, apenas lhe é oferecido a imaginar. Deste modo, Spare Your Speakers, por não ser necessariamente algo definitivamente bonito ou feio nem extremamente interessante ou enfadonho, acaba por não deixar marcas.

Por sua vez, Pigua, Megapigua, o "lado b" do split preparado por Durán Vázquez – um auto-didacta que encetou pelo mundo da experimentação nos últimos anos do século passado – apresenta ao ouvinte uma faceta mais dinâmica daquilo que a que se pode chamar música experimental. Aproxima-se do conceito de techno ambiental, sem nunca se prender a ele, porque “convenção” parece ser vocábulo que não consta do dicionário pessoal de Vázquez. Pigua, Meguapigua oferece-nos paisagens, muitas vezes cinzentas como as do booklet do CD, sacadas a um sonho estranho e, por vezes, horripilante que já tivemos, instalando no ouvinte uma sensação não muito distinta da experienciada, noutras circunstâncias, aquando da audição da música criada por Alan Splet e David Lynch para a banda sonora de Eraserhead. Os efeitos de imitação e de insolência do ruído são uma constante mas são sempre abordados de uma forma perspicaz e apaixonante.

“Monsanto, East St. Louis, Illionis”, um velho tema techno, é aqui transfigurado numa "espécie de silêncio audível e rítmico como a morte que consumimos diariamente" (diz o booklet, o escriba concorda). Por seu lado, “Rochas no Ceo” – um tema construído a partir de um loop de guitarras distorcidas, gravações de ruídos como o do vento, e de uma linha de baixo – evoca as rochas que no tempo da guerra eram propagadas no céu, representadas, por exemplo, pelo pintor surrealista René Magritte no seu quadro La Fleche de Zenon. Há a sensação de anúncio de tempestade e, simultaneamente, descortina-se a permanência de um som que não foge, mas que paira. No tema que fecha o disco, “Death Simplicity”, há um crescendo de vozes distorcidas e incompreensíveis que vão instalando um caos incómodo, sob um fundo de electrónica avariada. Os últimos segundos ficam por conta do vento que se cala, de rompante, aos 55 minutos e 58 segundos que se seguem ao início desta viagem pouco convencional.

A servir de ponte entre a obra de Sivanesan e a de Vázquez ouve-se um silêncio de trinta e dois segundos. Não serão universos completamente alheios os destes dois artistas, mas há algo que se ganha largamente aquando da audição da segunda parte deste split. O silêncio, enquanto passagem, parece querer anunciar um universo mais forte e envolvente. Pigua, Megapigua é uma viagem que fica entranhada na memória. Permanece viva dentro do ouvinte.
Tiago Carvalho
tcarvalho@esec.pt

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