A composição, a escrita criativa, é sempre um acto dolorosamente solitário a quem não se presta a imediatas colaborações. O universo idealizado demora (tortuosamente) a ganhar forma. Os sentimentos retardam a transpirar genuína genuinidade. As particularidades tornam-se monstros gigantescos. E todos têm de ser domados a determinada hora a bem de um resultado final, que implicitamente pretende ter um peso gravitacional que não queira ser uma mera efemeridade, mas ambicione ser duradoura, eterna – mesmo que isso seja importante apenas para uma pessoa à face da terra. Complicada conjugação quando pragmatismo e emotividade desejam erguer uma sentida homenagem a alguém preponderante na vivência pessoal.

Após alguns EPs e 12’ apontados à pista de dança, a música de Francis Harris transmutou a nível estilístico na concepção do primeiro disco de originais, Leland (2012): constou que a razão estava implicitamente ligada à recente perda do pai, resultando o facto num disco de peso emotivo, melancolicamente contemplativo, intimista, onde a ambiguidade house, o abstraccionismo jazz e pop tristonha davam forma sonora a todos os sentimentos que revolviam o autor.

Pouco depois do início de 2012, outra morte de peso na vida de Francis: a da mãe. E a produção silenciou-se. Durante dois anos. Inevitavelmente algo mudou no homem: a nível anímico, é provável que se tenha forçado a exalar e a condensar a dor. A reclusão permitiu a reflexão, pessoal, artística. E uma vez mais domados os espectros intimidantes, foi necessário encontrar um rumo dialéctico de pertinência estética, intrinsecamente pessoal... renovar sem distar.

Minutes of Sleep marca o regresso do produtor nova-iorquino num corolário sentimental, que não reflecte qualquer toada dramática brejeira que induza o melómano numa deprimente jornada existencialista. Está implícita nesta música uma pessoalidade, que volta a ter na house, no jazz, na pop uma plataforma de moldagem linguística, uma pertinente deambulação poética de confidencias profundas, imperceptíveis ao primeiro toque tal o abstraccionismo do que é essencial ao autor. É uma obra paradoxalmente complexa, profunda: a música soa simples à primeira mas torna-se cada vez mais densa à medida que o conluio composicional desafia o ouvinte a perscrutar as minudências, que resistem a serem assimiladas. Minutos tornam-se horas. E mais horas. Minutes of Sleep é um disco desafiante, de bom e demorado entendimento.