DISCOS
Novel 23
Architectural Effects
· 29 Jan 2004 · 08:00 ·
Novel 23
Architectural Effects
2003
Bip Hop
Novel 23
Architectural Effects
2003
Bip Hop
A primeira sensação é a de que o tempo parou no apartamento dos subúrbios de Moscovo onde Roman Belousov aka Novel 23 passa as tardes vazias. Primeiro, porque as passa rodeado de velhos sintetizadores soviéticos, que para nós, europeus, ganham o estatuto de encantadoras peças de colecção que coleccionamos um tanto ou quanto cinicamente, artefactos para repousarem junto à lassie de porcelana e ao menino da lágrima, como se fossem objectos de uma História que não nos pertencesse. O segredo que fingimos não saber é que esses são provavelmente os únicos sintetizadores que Belousov consegue obter. Estamos na Rússia. Pós-colapso.
Segundo, porque tocamos na caixa antes de ouvir o CD, e reparamos na estranhíssima mistura Suprematismo vs Tipografia de Pacmania que constitui a capa. Uma espécie de El Lissitsky versão kitsch, que faz transpirar a intenção modernista do álbum, mas de uma forma bastante datada.
Terceiro, porque Novel 23 representa primeiramente um fascínio muito particular pelo High Tech já impreguenado de pós-modernismo e de referências oblíquas que foi apanágio dos anos 80, em que a permanecente saudade do porvir se traduzia em programas espaciais e quiméricas propostas de colonização humana, a que não será alheio o ambiente de corrida ao Espaço que se vivia durante a guerra fria. Desta forma, não será descabido comparar Belousov a uns Kraftwerk do outro lado do muro. Sentem-se certas décalages no imaginário de uns e outro, sim, mas remanesce o essencial da proposta estética do quarteto alemão.

O conceito deste álbum passava por uma aproximação à arquitectura, submetendo os efeitos desta ao filtro não-espacial da música. De que forma elementos arquitectónicos e para-arquitectónicos como pináculos ou viadutos, presentes nos títulos das músicas, influenciaram o resultado, é impossível saber. Não certamente a um nível directo, porque são duas expressões não-correspondentes fisicamente - mais ao nível do espaço que do tempo -, mas em que existe uma evocação de cidades imaginadas, cidades talvez muito semelhantes à fabulosa Urbicand geométrica e racional que François Schuiten tão bem ilustra. Cada faixa funciona mais como uma descrição do que como uma narrativa - em que as potencialidades de storytelling do som são substituídas pela iteração constante das componentes sonoras, como se penetrássemos cada vez mais fundo num quadro e descobríssemos, através de uma aproximação vagarosa, os pormenores que habitam cada centímetro quadrado da composição.

A electrónica de Novel 23 não é áspera, abrasiva ou demasiado cerebral. A sua bússola aponta para uma relação saudável entre máquina e homem, em que este não perde as noções fundamentais da harmonia, da proporção, do belo. Por outro lado, nunca se distancia da sempre vaga procura emocional que é fácil esquecer quando se produz música num computador. Roman Belousov é um romântico, e tem uma perspectiva muito interessante da concepção da Arte. Agarra-se a um conceito que, para ele, é imutável, o olho do furacão da música contemporânea: a melodia, que vai em direcção à alma e ao coração. Ou seja, o processo de experimentação, válido per si na dimensão, digamos, científica e percepcional, ganha apenas um sentido real quando se integra numa holística criação artística feita de conteúdo e forma.

Mesmo com referências como Isan ou Plaid, "Arquitectural Effects" nunca consegue ser verdadeiramente contemporâneo, o que não é de todo um defeito. Está despido dos detalhes que se acrescentaram na timeline da electrónica dos anos 90, como os ruídos de estática, os glitches, os clicks and cuts. Em compensação, é um álbum sólido e consistente, nunca fugindo muito da iconografia traçada previamente. Não surpreende, mas também não fere os ouvidos.
Nuno Cruz

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