DISCOS
Rasal.Asad
Asuna
· 19 Jan 2004 · 08:00 ·
Rasal.Asad
Asuna
2003
Thisco


Sítios oficiais:
- Rasal.Asad
- Thisco
Rasal.Asad
Asuna
2003
Thisco


Sítios oficiais:
- Rasal.Asad
- Thisco
Chegados ao espaço sideral, importa recrutar um guia que ensine a auscultar uma galáxia, a perceber-lhe a germinação de sons, numa contemplação letárgica, despreocupada. O universo está polvilhado de silêncios intersticiais, espaços sem matéria. De um nada circular, repetitivo, como uma projecção de Narciso numa nebulosa de drones terráqueos postos a girar pela força gravítica. O cicerone da visita interplanetária pode bem ser Fernando Cerqueira, o homem por detrás das máquinas e iminente estratega da electrónica lusa. E este Asuna pode servir de Bíblia para converter os infiéis que habitam para lá da esfera terrestre.

Rasal.Asad é o alter-ego do projecto Ras.Al.Ghul, este formado em 1997, para as digressões menos telúricas, assim a dar para o ambiente e sem a sobranceria da caixa de ritmos. O cinematismo fabricado por pistas como “Akshun” e “Earworm” resulta de impulsos surdos, ventos lunares a castigar a superfície glaciar. Não, não é um produto islandês certificado, é português e com muito gosto. Aqui, as planícies de gelo são camadas de filigrana organista, linhas de síntese entre a hostilidade invasora e a sedução intrínseca. Não há um sentido de urgência porque, no espaço, as horas são reduzidas a pó. Aí, o tempo é infinito, é um riacho que serpenteia e foge do alcance das sondas.

Se já Space.Scape havia merecido o aplauso fervoroso da crítica de além-fronteiras, o presente documento não deve de todo ficar esquecido, porque constitui um grandiloquente eufemismo electrónico, no sentido em que aligeira a habitual manta saturada de programações e cruzamentos. As escaladas mais ousadas e os enclaves mais perfurantes pertencem a uma topografia sónica apenas aferida pela escuta detalhada, pelo estudo de pormenor dos temas.

A contracapa ostenta a inscrição "all tracks recorded at first take", e desenganem-se os mais distraídos: não falamos de leigos quando falamos de Paulo Rodrigues e do supracitado Fernando. Em 1985, eles edificavam o projecto Croniamantal, que deixou registo em compilações nacionais e internacionais, ao lado dos Young Gods, Von Magnet ou Dive. Dois anos mais tarde, nascia a etiqueta SPH pela mão do hiperactivo Fernando, que veio a distribuir trabalhos de gente como Jim O’Rourke, Merzbow e Brume. No início da década de 90, as ciências do oculto, o cyberpunk e a body art passaram a ter prateleiras próprias na Ligotage, uma livraria da contra-cultura. E à frente de Ras.Al.Ghul, o duo conta já com sete discos editados.

Regressando a Asuna, encontra-se a equação matemática que equipara a languidez estilística à quietude do espírito e que, em última instância, tem como resultado uma obra ondular, circunscrita a si e aos seus pares e a lançar as moléculas para o futuro. Em “Simulacra”, o credo último, disserta-se sobre a existência de Deus e do seu oposto. Diz-se que o Inferno é o tribunal que legisla no sentido da punição eterna. Talvez faça, então, sentido a tese inicial deste poder ser um disco da conversão e redenção. Que pode até ser pagão mas é bom como o raio.
Hélder Gomes
hefgomes@gmail.com
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