Talvez o ser humano nunca tenha sido livre. OK, não é novidade nenhuma, mas pelo bem desta linha de raciocínio, vou escrever na mesma. O homem não é livre. Desde que Platão nos, que nos agrilhoou a uma série de outras prisões. Culpe-se a sociedade, a família, o amor, a pobreza, a doença, a tecnologia ou nós mesmos. Seja do que for, somos prisioneiros e continuamos condicionados. No fundo, estamos destinados a contornar a prisão com uma série de manhas e truques que lembram vagamente a liberdade. Mas isto não é novidade. Novidade é a frustração dessa prisão ter alimentado Cruise Your Illusion, um disco sobre os os meios que falham redondamente para atingir um fim.

Ouvindo este disco, percebe-se que os Milk Music tentaram e falharam, uma e outra vez chegar à liberdade. A consequência directa disso é um eco de desespero e frustração que atravessa o disco e que transforma estas canções em purgas cruas e directas. Tudo é tocado de forma simples, em torpor de drogaria e em doce contraponto com a voz de Alex Coxen, capaz de abusar do dramatismo para carregar a angústia que constrói o disco. E há um sentimento nómada na forma como a virtude sónica dos Dinosaur Jr. e dos Husker Du é transportada para esta nova realidade. Mas os Milk Music fazem-no sem cair no erro de se colar demasiado aos deuses; antes, fazem-no com honestidade e alguma inocência que são boas para facilitar o contexto, óptimos para acelerar o encontro com a catarse definitiva.

É “Illegal and Free” que dá a toada, numa espécie de manifesto pelo desejo de viver livre, sejam quais for os meios necessários para nos levar a esse fim. O disco gira, afinal, em torno desta ânsia de liberdade. Em “New Lease on Love” dança-se ao som do lugar comum, mas sempre estranho e doloroso, que é o amor; “Cruising With God”, algures numa ermida distante, atira-nos para a bad-trip que é religião; e a cândida “No, Nothing, My Shelter” mostra-nos que há um lado bonito em lamber as nossas próprias feridas. Seja o que for que cada um vai tirar deste disco, é impossível não levar a ideia de que Cruise Your Illusion é honesto na forma como canta uma certa realidade. Até os momentos bonitos são mais curtos, como que a lembrar que, mesmo na imitação, a vida é fugaz.