DISCOS
Earl Sweatshirt
Doris
· 11 Set 2013 · 15:51 ·
Earl Sweatshirt
Doris
2013
Sony Music


Sítios oficiais:
- Earl Sweatshirt
- Sony Music
Earl Sweatshirt
Doris
2013
Sony Music


Sítios oficiais:
- Earl Sweatshirt
- Sony Music
Filho pródigo orgulha os irmãos.
“Young, black and jaded vision hazy / Strolling through the night”. Na última frase de “Doris”, Earl Sweatshirt faz um bom resumo do que é o ambiente geral do disco. É difícil imaginar qualquer uma destas 15 músicas a decorrer durante o dia. Ou, pelo menos, com as persianas abertas. A história de Earl até agora resume-se a um álbum, “Earl”, lançado em 2010, que criou um culto à sua volta. Seguiu-se um periodo num reformatório na Samoa que deram origem a campanhas “Free Earl” online, e um regresso já em 2012. Em 2013, após várias faixas terem aparecido pela internet, chega “Doris”, e o que se pode dizer, para começar, é que se trata de um disco que não é desenhado para quem ouve hiphop apenas pelos bangers (que têm, obviamente, o seu lugar). Trata-se de uma experiência pessoal e intransmissível, imersiva e sombria, rodeada de amigos como Tyler The Creator, Domo Genesis ou Frank Ocean (tal como Earl, todos membros do colectivo Odd Future Wolf Gang Kill Them All) mas sempre em retiro mental. Sem jogar pelo seguro, diria que é possível que “Doris” venha a tornar-se, para quem o ouvir, tão importante como ”Illmatic” de Nas, ou ”Liquid Swords” de GZA foram para os que os ouviram pela primeira vez na década de 1990. O facto das letras virem impressas no livrete também vai ajudar, e muito.

Earl nunca levanta a voz enquanto rima. A sua juventude – 19 anos – sente-se no tom da mesma. Só que as palavras saem-lhe como se andasse a fazer isto praticamente desde que nasceu. Chega mesmo a comparar-se aos Mobb Deep de 1996. Engane-se quem pense que a quantidade de inalações de substâncias ervanárias a que faz referência poderiam colocá-lo ao nível mais pop de um Wiz Khalifa, nem sequer a vida de luxo de um Curren$y, ou a paródia de uns Main Attraktionz. ”Doris” é bastante esparso em refrões. É um disco de palavras, não de slogans. É a vida pelos olhos de Thebe Kgositsile, adolescente que passou os últimos 12 anos a ter saudades do pai ausente, que sabe as expectativas que recaem sobre si, mas que no fundo sabe que os seus melhores momentos são aqueles que passa com os seus amigos. Os seus versos são pronunciados de uma maneira que parece, simultaneamente, rápida e pausada. Mérito para a forma como enuncia as palavras, dando a entender perfeitamente que é um virtuoso pelo modo como encadeia pensamentos em rimas imaginativas, mas sem entrar em exibicionismos desnecessários. Claro que haverá músicas, como “Hive”, “Chum” ou “Whoa” que, por terem ganchos, serão mais propensas a atraír fãs casuais. Só que, sinceramente, ”Doris” não merece ser julgado pelo seu lado mais ”catchy”, e sim após várias audições de uma penada. Afinal de contas, até nem é um disco comprido.

Earl usa o pseudónimo randomblackdude para produzir a maioria das músicas, embora, excepção feita a “Burgundy”, produção dos Neptunes, ”Doris” seja sobretudo composto por beats, baterias, baixos, pianos e orgãos que encaixam perfeitamente no tom de voz de Earl, e no que já foi dito sobre o ambiente geral do disco. Figura ímpar no hiphop circa-2013, Earl Sweatshirt terá que saber lidar com as expectativas futuras que a sua estreia numa grande editora cria. Numa altura em que o género está repleto de figuras carismáticas como A$AP Rocky, Danny Brown, Death Grips ou Kendrick Lamar, Earl conquista aqui um lugar de pleno direito graças ao seu talento de escritor e declamador de rimas. Precisam de mais uma comparação? Pois aqui vai! Se Bon Iver gravasse “How To Disappear Completely” dos Radiohead em isolamento, se os resultados fossem misturados e recheados de efeitos por Burial e Kode9, e tudo isto se transformasse magicamente num disco hiphop, esse disco seria ”Doris”. Um disco que absorve a atenção e o espírito.
Nuno Proença
nunoproenca@gmail.com
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