DISCOS
Heatsick
Déviation
· 29 Mai 2012 · 15:47 ·
Heatsick
Déviation
2012
PAN


Sítios oficiais:
- PAN
Heatsick
Déviation
2012
PAN


Sítios oficiais:
- PAN
Disco nascido na periferia da música de dança consegue aquilo em que falham tantos ex-experimentalistas
Tendo em conta a review muito recente a Quarantine da Laurel Halo, qualquer escrita sobre Déviation acaba por pôr o disco em contacto com algumas das ideias que aí foram abordadas, enquanto posicionamento contextual. Em termos latos, Steve Warwick foi graciosamente rastejando para fora do drone mais lamacento, onde que era um exímio explorador, para se libertar em direcção à dança – algo não tão indissociável quanto isso, se pensarmos em como o Steve Hillage chegou de Rainbow Dome Music a System 7, na importância da kösmische para a rave ou em E2-E4, pegando em exemplos históricos. O sintetizador e demais parafernália electrónica – TB-303 é amor, e todos se andam a aperceber disso – enquanto meio primordial. A repetição como denominador comum.

Recentemente, é impossível não especular sobre algum tipo de melindre em torno de algumas destas mutações – o cinismo hipster que permeia tudo isto, num paralelo com o R&B leftfield que tarda em mostrar algum valor intrínseco – mas quando se traça um contínuo à carreira de Heatsick, há um movimento gradual em direcção à boa onda de Déviation. O modo como a arquitectura densa do drone para teclado rasca em discos fascinantes como Perpendicular Rain - deixando de lado o peso ritualista dos Birds of Delay – se foi deixando inundar pela luz em Dubbed Sunshine - última edição da barreirense Searching (R.I.P.) -, com o ritmo a tomar um papel cada vez mais dominante à chegada do mediano Intersex em 2011.

Com Dream Tennis a deixar escancarado de modo brilhante o legado da Trax que havia sido sugerido de forma mais tímida em Intersex, Warwick reaparece na PAN munido somente do seu teclado Casio – e alguns pedais – com os pés já assentes na pista. Curiosamente, e sem abandonar uma certa rugosidade lo-fi, Déviation nunca se deixa prender às premissas sabotadoras da faux-dança cultivada pelos seus pares – se o virmos num panorama mais subterrâneo. Não há rehash ácido, nem jogos de espelhos IDM, apenas um caleidoscópio tropical de melodias infecciosas e paisagens descontraídas que não sucumbem à preguiça. O fim último é a diversão, e nada mais resta do que seguir o chamamento.

O tema-título abre com percussão caribenha, antes da entrada de uma linha de baixo saltitante que vai conduzindo a malha sobre espirais de sintetizador em voo rasante ao pôr-do-sol, como que a chamar pelos primeiros martinis do dia. “C'était un Rendez-vouz†contém-se numa atmosfera chill out que é sinónimo da melhor descontracção – e não de papel de parede importado das “novas tendências†- com espaço para um saxofone lânguido de André Vida, falhando apenas na introdução de uma voz desinteressada que – felizmente – dura pouco.

No lado B, “Stars Down to Earth†tem um gemido insistente que, com a devida atenção se poderia revelar irritante, não fossem as várias harmonias que vão populando a faixa argumento mais do que suficiente para o esquecer. Tem também um belo breakdown pautado por surtos de saxofone para efeito psicadélico, tornando mais expressivo o regresso do ritmo que segue para o final com “No Fixed Adressâ€. Continuação de “Stars Down to Earth†nos moldes do Todd Terry de “Bango†ou “Just Wanna Danceâ€, e conclusão de um ciclo que – com a sua devida reverência aos tempos gloriosos da house – se mostra capaz de reinventar uma linguagem de uma modo genuinamente preocupado em aproveitar o momento, e não em fazer disso uma escapatória vazia. Disco de construção precisa, mas com a desenvoltura suficiente para não estratificar num conceito, Déviation é um dos exemplos mais gratificantes daquilo que pode nascer nas periferias da música de dança.
Bruno Silva
celasdeathsquad@gmail.com
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