DISCOS
Joni Mitchell
Joni Mitchell (aka Song to a Seagull)
· 09 Out 2003 · 08:00 ·
Joni Mitchell
Joni Mitchell (aka Song to a Seagull)
1968
Reprise


Sítios oficiais:
- Reprise
Joni Mitchell
Joni Mitchell (aka Song to a Seagull)
1968
Reprise


Sítios oficiais:
- Reprise
Song to a Seagull, nome pelo qual acabaria por ficar conhecido, foi o álbum homónimo com que Joni Mitchell – até aí uma coffee house performer – se estreou profissionalmente nas lides discográficas, um universo atroz, ao qual sempre negou o compromisso e a futilidade de ser mais uma das marionetas de um espectáculo há muito conhecido, mas nem por isso menos traiçoeiro. Sempre capaz de trilhar o seu próprio caminho, inconformada e incansável na exploração de novos territórios, Joni Mitchell, mantendo uma inigualável integridade, constitui um dos modelos e das mais marcantes referências na construção de uma identidade feminina (mas não só) do universo da canção popular. Há mais de três décadas que a audição (e leitura) atenta dos seus álbuns, traz como eco parte do tour de force de nomes como Patti Smith, Cat Power ou Kim Gordon, na procura de uma identidade e da abnegação com uma everyday life.

Num legado imensamente soberbo onde se destacam títulos – ofuscantes por vezes, tamanha a sua valência – como: Ladies of the Canyon, Blue, Court and Spark ou Mingus, impera que este primeiro registo não seja votado ao esquecimento. Não representando a obra maior da carreira de Joni Mitchell, é, contudo, um trabalho imaculado por algumas das virtudes que pontificariam anos a fio no trabalho da esteta canadiana. Estamos longe de estar presença de um exercício de songwriting imberbe, Joni Mitchell fixou o céu como limite, abençoando-nos com trinta e oito minutos de beleza única.

Canções despidas onde sobressai o seu – eterno – amor pela palavra ( «this álbum is dedicated to Mr. Kratzman, who taught me to love words» ), coloridas uma singela guitarra acústica, retratos da frágil existência humana, de solidão da busca por uma liberdade que teima a fugir, letras pejadas por referências biográficas. Tudo com uma produção – que serviu que nem uma luva – simples e eficaz do byrd David Crosby (confesso seu eterno apaixonado). Uma obra conceptual dividida em dois actos distintos. «I Came to the City», onde temas como: «I Had a King» são epitáfio de um matrimónio falhado, «Michael from Moutains» a elegia à inocência em que as palavras nos chegam aos ouvidos como torrente de água límpida de uma montanha distante ou «Marcie» com que, num soturno jogo de cores – «Reds are sweet and greens are sour», «Red is angry green is jealous» – somos brindados com um retrato de solidão profunda. No segundo capítulo – «Out of the City and Down to the Seaside» – Joni Mitchell eleva aos céus o grito (lamento) por liberdade, voando mais alto e em temas como «Song to a Seagull» («Fly silly seabird / No dreams can possess you») ou «Cactus Tree» é transcendentemente bela, perfeita e inspiradora.

Uma certeza, Joni Mitchell gravou álbuns melhores, mas nunca nenhum outro como este.
Nuno Pereira
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