DISCOS
Keith Jarrett & Charlie Haden
Jasmine
· 02 Set 2010 · 16:57 ·
Keith Jarrett & Charlie Haden
Jasmine
2010
ECM


Sítios oficiais:
- ECM
Keith Jarrett & Charlie Haden
Jasmine
2010
ECM


Sítios oficiais:
- ECM
Dois anciãos reencontram-se e transformam standards em floridas reinvenções.
Não será necessário invocar todo o passado de Keith Jarrett para afirmar a natural condição de maior pianista do mundo. Não podendo ignorar o peso do passado, deixemos aqui alguns pontos altos de um CV extensíssimo. Jarrett ganhou fama nos grupos de Charles Lloyd e Miles Davis (fase eléctrica), liderou o seu “quarteto americano” (altamente criativo, apesar da breve existência, de 71 a 76), passou para o “quarteto europeu” (uma fase mais contida e “madura”, ao lado de Jan Garbarek), fundou o Standards Trio (com Gary Peacock e Jack DeJohnette, para dar ao jazz um classicismo luminoso). Arrancou a solo com o brilhante Facing You (1971) e pouco depois lançaria um dos marcos inultrapassáveis da música universal, The Köln Concert (solo épico, onde as voltas da improvisação encontram a emoção, daqueles raros discos que faz arrepiar a pele).

Não menos relevante, Charlie Haden atravessa a história do jazz com o seu contrabaixo. Fez a revolução do free ao lado de Ornette Coleman (não faltou aos icónicos This Is Our Music, The Shape of Jazz to Come ou Free Jazz), trabalhou na sua própria revolução e fundou a Libertation Music Orchestra ao lado de Carla Bley (ensemble all-star cujo disco de estreia é referência absoluta), foi preso pela PIDE durante uma passagem por Portugal (Cascais Jazz '71), colaborou com alguns dos músicos mais brilhantes do século XX como Don Cherry ou Paul Bley.

Este Jasmine, encontro de velhos mestres, é na verdade um reencontro: Jarrett e Haden colaboraram no início dos 70's no quarteto americano liderado por Jarrett, mas a dupla já não tocava junta desde 1976. O duo pegou em meia dúzia de standards, temas lentos e propícios para a lamechice, e transformou cada canção em irrepreensíveis interpretações, plenas de alma e elegância. Cada composição mantém-se fiel na sua essência, apenas subtilmente transformada, de forma sóbria, nos detalhes, ao longo de improvisações que desafiam sorrateiramente, sem armar confusão.

O piano está em especial evidência, brilhante nos devaneios (Jarrett nunca desilude), mas o contrabaixo rouba alguns momentos, especialmente quando se atira aos solos (apesar da avançada idade, Haden mostra que continua ao nível do pianista). Um dos momentos inesquecíveis do álbum é a revisão do clássico “Body and Soul”, canção popular que se transforma em onze minutos de permanente inventividade, sem nunca fugir às linhas melódicas centrais, numa irresistível transformação sempre respeitosa.

Dizem que o chá de jasmin tem propriedades calmantes e este disco, na sua impecável descontracção (foi gravado durante quatro dias no estúdio caseiro de Haden), não desmente a fé popular. Este Jasmine enquadrar-se-á mais facilmente na discografia recente de Jarrett (entre a classe do Standards Trio e a entrega dos solos), do que nos trabalhos recentes de Haden (muito variados, indo em múltiplas direcções), mas este disco será para ambos um marco importante. Para as novas gerações, é uma amostra de sabedoria assinada por dois mestres nos seus instrumentos, por duas figuras que definem a música no século XX e não só, por dois incontestados génios.

Sugestão: Para sorver na plenitude esta filigrana de piano e contrabaixo recomenda-se a audição nas melhores condições audiófilas possíveis (sim, por causa dos graves).
Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com

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