DISCOS
Micachu and The Shapes
Jewellery
· 09 Abr 2010 · 10:25 ·
Micachu and The Shapes
Jewellery
2009
Rough Trade


Sítios oficiais:
- Micachu and The Shapes
- Rough Trade
Micachu and The Shapes
Jewellery
2009
Rough Trade


Sítios oficiais:
- Micachu and The Shapes
- Rough Trade
Obra incontornável da pop actual. Ponto.
Rejeitar Jewellery é também ignorar que a música evolui, como tudo aquilo que pertence à ordem natural das coisas. Chega a ser darwinesca, até, a forma como os britânicos se propõem a alterar os moldes em que a pop se vinha construindo, desconstruindo-a.

Poder-se-ia dizer que o que está aqui em causa é apenas uma aventura, habitual na criançada de agora, apenas preocupada em desfazer e mergulhar no caos uma fórmula que, a história assim o demonstra, tem sucesso provado. As coisas não podem ser vistas deste prisma. Em primeiro lugar, porque um disco cuja produção eleva a sonoridade a um patamar tão elevado, vénia a Matthew Herbert, não pode ser encarado como puramente experimental, desprovido de um fio condutor possibilitando que as coisas, no fundo, façam sentido. De facto, um dos mestres do sampling – vénia uma vez mais a ele, por saber misturar geek work com géneros tão fantásticos como o jazz e a pop – assume em Jewellery um papel preponderante: as faixas têm a atitude, ya, e toda a musicalidade, mas na ausência dessa produção requintada que Herbert oferece, tudo poderia parecer muito menos natural.

Em segundo lugar, e mais importante, a composição musical. Todos os temas apresentam as suas singularidades e por acaso até foram compostos por uma rapariga loira. Idiossincrasias capilares à parte, não é todos os dias que assistimos a um jogo harmónico deste calibre – sim, escrevemos mesmo isto. A oscilação entre acordes maiores e menores como se não houvesse amanhã – veja-se o caso do refrão de “Worst Bastard”, uma das melhores faixas do disco – mostra como Mica Levi, detentora do trono do projecto, domina a arte da escrita musical. As atonalidades, ou dissonâncias, são outra marca da sonoridade do trio (apetece dizer quarteto, a sério que apetece). Não só provocadas por essas passagens aparentemente descabidas entre um sol maior e um dó sustenido menor mas igualmente por puro caos, mãos e braços em cima de teclados e bater na tarola-timbalão-bombo-prato-crash-até-mais-não, ainda acompanhado de uma guitarra acústica (tamanho Toys’r’us) cuja afinação ainda não dominamos por completo – mesmo depois de os termos visto ao vivo –, tudo isto são ingredientes para definir, em poucos segundos, os Micachu e os Shapes.

A definição do espírito da coisa, e isso também importa, aproxima-se do pseudo-desleixo-cago-me-de-alto-para-isto. “Se me apetece dizer as palavras todas digo, se me apetece foder a guitarra toda ao vivo fodo”, e por aí adiante. Só que, pelo meio, algumas composições lembram o mais elaborado da música erudita contemporânea. Não todas. Mas que algumas lembram, lembram.

Além de tudo isto, a formação do grupo é pouco elaborada. Um trio, dividido por teclados, garrafas de whisky, guitarras desafinadas, osciladores de pitch, uma bateria e mais umas botas, mostra o que lhe vai no sangue – suspeitamos que é coisa boa. Mas não juramos.
Simão Martins
simaopmartins@gmail.com
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